tag:blogger.com,1999:blog-44076436530890765612024-02-07T11:23:25.650-08:00Selecção de PoesiaLa poésie sera toujours l'élogue de la vie dangereuse.
René Guy CadouAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.comBlogger26125tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-61456013068281279932012-08-11T12:31:00.000-07:002012-08-11T12:59:03.412-07:00Aspectos do Romance, Edward Forster, Parte III : AS PESSOAS<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<header class="entry-header">
<h1 class="entry-title">
Retirado do Blogue : </h1>
<h1 id="site-title">
<a href="http://www.traco-freudiano.org/blog/" rel="home" title="Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise – Oficina de Criação Literária Clarice Lispector">Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise – Oficina de Criação Literária Clarice Lispector</a></h1>
<h1 id="site-title">
</h1>
<header class="entry-header">
<h1 class="entry-title">
RESENHA DE A HISTÓRIA, PARTE II DO LIVRO ASPECTOS DO ROMANCE DE EDWARD MORGAN FORSTER </h1>
<h1 class="entry-title">
* <span style="font-size: x-small;">Escrito em</span> <span style="font-size: xx-small;">Português do Brasil</span></h1>
<div class="entry-meta">
<span class="sep">Posted on </span><a href="http://www.traco-freudiano.org/blog/?p=168" rel="bookmark" title="3:03"><time class="entry-date" datetime="2011-07-28T03:03:26+00:00" pubdate="">28 de julho de 2011</time></a><span class="by-author"> <span class="sep"> by </span> <span class="author vcard"><a class="url fn n" href="http://www.traco-freudiano.org/blog/?author=2" rel="author" title="View all posts by Lourdes Rodrigues">Lourdes Rodrigues</a></span></span> </div>
</header>
<div align="center">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-size: large;"><em><span style="font-family: Times New Roman;"> </span></em></span><span style="font-family: Times New Roman;"><span style="font-size: large;"><em>Aspectos do Romance</em> </span>é um estudo sobre o romance. O autor garante não ter a pretensão de ser “científico”, por isso o título de “<em>Aspectos</em>”,
mas de permitir ao leitor olhar de diferentes maneiras o romance e dar
ao próprio romancista a oportunidade de ver o seu trabalho. A linguagem
coloquial adotada resulta de a origem ter sido as conferências que ele
realizou na Universidade de Cambridge ao suceder T.S.Eliot. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Edward Morgan Forster, mais conhecido por E. M. Forster, (<a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/1879" title="1879">1879</a>
a 1970), inglês de família tradicional, orfão de pai aos dois anos de
idade, foi educado pela mãe, com quem manteve ligação extremamente
forte. Virgínia Woolf critica em seu diário o fato de ele, homem já
maduro, refugiar-se com a mãe em Weybridge, uma <em>velha, niquenta & severa</em>, numa casa velha, a uma milha da estação. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Ele
frequentou o King´s College, em Cambridge, onde conheceu as pessoas que
formaram o o grupo artístico e literário Bloomsbury, cujos
participantes eram chamados de Apóstolos, passando a fazer parte dele. O
grupo ficou conhecido, também, como a máfia da intelectualidade, por
usar rituais secretos. Após a morte da mãe, ele foi eleito membro
honorário do </span><a href="http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=King%27s_College&action=edit&redlink=1" title="King's College (página não existe)"><span style="font-family: Times New Roman;">King’s College</span></a><span style="font-family: Times New Roman;">, onde viveu até ao fim dos seus dias. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Escreveu vários livros, entre ensaios, contos e romances: <em>Where Angels Fear to Tread, The Longest Journey, Um quarto à vista, Howard´s End </em>e<em> Passagem para a India</em>, estes dois últimos objeto de belos filmes,<em> Maurice e Artic Summer</em> (incompleto).<em> </em>Publicou ainda três livros de contos: <em>The celestial omnibus and other stories, The eternal moment and other stories,</em> mais tarde reunidos num só volume, e postumamente <em><a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/The_life_to_come_and_other_stories" title="The life to come and other stories">The life to come and other stories</a></em>. Dos 14 contos ali reunidos, apenas dois foram publicados antes da sua morte, pois assim como <em><a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Maurice_%28livro%29" title="Maurice (livro)">Maurice</a>, </em>a maioria dos contos explorava temas </span><a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/Homossexualidade" title="Homossexualidade"><span style="font-family: Times New Roman;">homossexuais</span></a><span style="font-family: Times New Roman;">. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Estudioso de Teoria Literária, seu livro <em>Aspectos do Romance</em>, razão desta resenha, foi publicado em 1927 e ficou célebre pela sua classificação das personagens em <em>esféricas</em> ou <em>planas, </em>tornando-se a sua obra teórica mais conhecida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">O primeiro aspecto considerado no livro é <em>A História</em>,
aspecto fundamental de todo romance, segundo o autor. Para defender a
sua tese ele faz uso de metáfora sonora ao estruturar os seus argumentos
com base no tom de voz em que o leitor respondia a pergunta: <em>O que é que um romance faz.</em>
Na verdade, por trás do tom de voz ele situava o leitor no seu contexto
social, econômico e cultural, usando substantivos e adjetivos que não
deixavam dúvidas sobre o sujeito da fala, nem sobre a sua relação de
simpatia ou antipatia por ele. Assim, o <em>leitor-motorista</em>,
cidadão comum, de recursos econômicos e culturais limitados, contava com
o respeito e a admiração do autor ao responder, de forma <em>plácida</em>, que não sabia bem… que aquela era uma pergunta engraçada…, mas que ele supunha que o romance <em>contava uma história.</em> Por outro lado, o <em>leitor-golfista</em>, cidadão amealhado, <em>arrogante</em> e <em>agressivo </em>na resposta: <em>Ora, conta uma história, é claro, </em>pois
assim era o seu desejo, dele e da mulher, diga-se de passagem, sendo
tal desejo soberano, nada mais podendo lhe interessar, embora dispusesse
de recursos social e econômico para maior refinamento cultural, e ainda
exibindo profundo desprezo pelas artes, <em>Você pode ficar com a sua arte, a sua literatura, a sua música, desde que me dê uma boa história, </em>desnecessário
seria dizer o quanto o autor o achava detestável e ao mesmo tempo temia
tal leitor, pois para ele, E.M.Forster, a arte valia à pena pela arte.
E, por fim, o tipo <em>leitor-beletrista</em>, em que ele mesmo se inclui, que cheio de desânimo e pesar responde: <em>Oh, sim, meu caro, sim, o romance conta uma história, </em>pois ele bem que gostaria de que assim não fosse, que o romance pudesse ser algo diferente, como por exemplo, <em>melodia, percepção da verdade</em>, <em>e não esta baixa forma atávica.</em></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Pouco
importa o lugar que o sujeito ocupa na sociedade, enquanto leitor
desejante há um máximo divisor comum que une a todos ao ler um romance:
a história que ele conta. Mas é do lugar de <em>leitor-beletrista</em>, daquele que lamenta que assim seja, que ele vai mostrar o que realmente significa a história no romance. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Por
que lamenta o beletrista? Afinal, a unanimidade deveria ser suficiente
para acalmá-lo. Não, não, não, diz ele, se forem retirados da história
todos os seus refinamentos pouco resta para admirar. O que mantêm a
história viva desde o homem de Neanderthal, quando ela era contada ao
redor de uma fogueira, é o desejo dos ouvintes de saber o que vai
acontecer depois, tal qual o esposo de Sherezade nas <em>Mil e uma noites, </em>e
outras tantas audiências de seu tempo – do autor – para quem a
curiosidade primitiva ainda prevalece sobre qualquer julgamento
literário. Assim, ele resume que a história tem apenas um mérito: <em>fazer
a audiência desejar saber o que acontece depois. E, inversamente, pode
ter uma única falta: fazer com que o auditório não queira saber o que
acontece depois</em>. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Apesar
disso ele reconhece que a história tem muito a ensinar. E começa por
apresentar a sua conexão com a vida cotidiana, usando o sentido de tempo
e o senso de valoração sempre presentes nela: … <em>a vida cotidiana,
qualquer que seja, é praticamente composta de duas vidas – a vida no
tempo e a vida dos valores; e nossa conduta revela uma dupla fidelidade:
“ Eu a vi só por cinco minutos, mas valeu a pena”. </em>Igualmente, o
papel da história é narrar a vida no tempo, enquanto que o romance como
um todo –se ele é um bom romance – tem o papel de agregar-lhe valores, a
partir de alguns recursos ficcionais, prestando, assim, dupla
fidelidade. E reforçando o seu argumento ele diz que no romance a
fidelidade ao tempo é imperativa, mais do que na vida cotidiana, quando
as pessoas chegam a negar que o tempo existe, que até podem esquecer que
o relógio está <em>tique-taqueando, </em>e agirem segundo tal
pensamento. Um romancista não pode fazer assim, ele jamais poderá
ignorar o tempo dentro da textura do seu romance. O escritor pode usar
de muitos artifícios para tentar esconder o tempo, assim como Proust,
Emily Brontë e Sterne o fizeram, mas nenhum deles contradiz a tese do
autor de que : <em>a base de um romance é uma história, e a história é uma narrativa de acontecimento dispostos em sequência no tempo.</em></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Ainda
no desenvolvimento da sua tese ele passa a analisar as obras de alguns
escritores. Começa com Sir Walter Scott, escritor inglês ( </span><a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/1771" title="1771"><span style="font-family: Times New Roman;">1771</span></a><span style="font-family: Times New Roman;">-</span><a href="http://pt.wikipedia.org/wiki/1832" title="1832"><span style="font-family: Times New Roman;">1832</span></a><span style="font-family: Times New Roman;">),
criador do genuíno romance histórico. Antes dele alguns autores haviam
procurado essa modalidade literária, mas o público e a crítica não
compreenderam a intenção.A análise crítica do autor é bastante severa: <em>Não sabe construir: não possui nem despreendimento artístico, nem paixão.</em>
Apesar disso, ele reconhece a fama do escritor e a atribui a dois
fatores. O primeiro deles, a razões sentimentais, porque ouviram na
juventude a sua leitura em voz alta, associando-a com lembranças de
momentos felizes. E o segundo, porque ele <em>sabia contar uma história.Tinha o primitivo poder de conservar o leitor em “suspense<strong>”</strong> e brincar com a sua curiosidade.</em>O texto analisado é <em>O Antiquário</em> que ele esmiuça, apresentando diversas falhas, mas acaba por concluir que <em>é um livro em que a vida no tempo é celebrada instintivamente pelo romancista.</em> </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Em seguida, ele faz breve comentário sobre <em>The Old Wives´Tale,</em>
de Arnold Bennett, publicado em 1908 com grande sucesso, considerado
uma obra prima. Neste romance o tempo é o verdadeiro herói,.o processo
de envelhecimento dos seus personagens é surpreendente, até o cão da
casa velho e reumático <em>arrasta-se para ver se resta alguma coisa no prato.</em> E ele reconhece que é um livro muito forte, sincero e triste, mas contesta a sua grandeza, grandeza que ele vai encontrar em <em>Guerra e Paz</em>
de Tolstoi. Segundo Forster, ali não só o tempo, mas o espaço, também,
foi contemplado, podendo até ser dito que o espaço é que é o senhor do
romance, espaço da imensa área da Rússia, das suas florestas, das suas
pontes e rios congelados, dos jardins, estradas e campos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">E para concluir a sua argumentação ele diz que a <em>história, além de dizer uma coisa depois da outra, acrescenta algo por causa de sua conexão com uma voz. </em>Assim,
como repositório de uma voz, ela pede para ser lida em voz alta, não
pela cadência ou melodia, para estas o olho é suficiente, por mais
incrível que pareça, mas dada a sua primitividade, antes mesmo da
descoberta da leitura, a “voz” que fala, a voz do narrador da tribo,
agachado no meio da caverna atrai o que há de primitivo em nós, exigindo
que nos transforme de leitores em ouvintes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Por todos os argumentos apresentados é que ele insiste para que os ouvintes de sua conferência não respondam com a inocência do <em>leitor-motorista</em>
quando lhe perguntarem o que um romance faz, porque eles não têm esse
direito, e eu acrescento, não têm mais a inocência daquele leitor;
também não respondam tal e qual o <em>leitor-golfista, </em>porque a
eles não cabem o perfil porque têm muito mais sabedoria; digam assim
como ele, e não tenham dúvida de que estarão certos, embora um pouco
tristes, pesarosos: <em>sim – oh, meu caro, sim -, o romance conta uma história.</em></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Edward
M. Forster, com certeza, não é um ensaísta-conferencista plácido, para
usar o seu adjetivo. A medida que lemos o seu texto surpreendemo-nos com
o tom contundente, margeante da grosseria, algumas vezes. De qualquer
forma, a geração dos anos vinte foi uma geração vanguardista que se
caracterizou pela quebra de padrões no fazer literário: James Joyce no
ápice da pirâmide, Virgínia Woolf uma das suas mais brilhantes
seguidoras. Além disso, pertencer ou ter pertencido ao Bloomsbury, grupo
intelectual inglês de grande expressão, já lhe dava a licença poética
necessária para se expressar como bem quisesse, até para fazer citações
pessoais do tipo: <em>Poderia ter sido um escritor mais famoso se tivesse escrito e publicado mais, mas o sexo não permitiu esta última. </em>(Wikipédia).
Afinal, o máximo divisor comum é eles serem todos herdeiros de Flaubert
na busca por um escrever absoluto, sem amarras, medidas ou fronteiras: </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;"> <em>O
que me parece belo, o que eu gostaria de fazer, é um livro sobre nada,
um livro sem amarra exterior, que se sustentaria pela força interna do
seu estilo, como a terra, sem estar sustentada, se mantém no ar, um
livro que não teria quase tema, ou pelo menos em que o tema fosse quase
invisível, se é que pode haver. As obras mais belas são as qu têm menos
matéria; mais a expressão se aproxima do pensamento, mais a palavra cola
em cima e desaparece, maior é a beleza. </em></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Times New Roman;">Assim, não poderia deixar de ser triste a resposta do leitor-escritor-beletrista: Sim, o romance conta uma história.</span></div>
<span style="font-family: Times New Roman;"> Jaboatão dos Guararapes, 08 de março de 2009 </span><br />
<span style="font-family: Times New Roman;"> Lourdes Rodrigues </span><br />
<br />
<div class="entry-meta">
<span class="sep">Posted on </span><a href="http://www.traco-freudiano.org/blog/?p=175" rel="bookmark" title="3:13"><time class="entry-date" datetime="2011-07-28T03:13:15+00:00" pubdate="">28 de julho de 2011</time></a><span class="by-author"> <span class="sep"> by </span> <span class="author vcard"><a class="url fn n" href="http://www.traco-freudiano.org/blog/?author=2" rel="author" title="View all posts by Lourdes Rodrigues">Lourdes Rodrigues</a></span></span><br />
<span class="by-author"><span class="author vcard"> </span></span> </div>
</header>
<br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"><span style="font-size: large;">Na Parte III de <i>Aspectos do Romance,</i></span>
Edward Forster aborda tópico importante desse tipo de narrativa: as
personagens. No texto, entretanto, ele parece ter esquecido a geometria
euclidiana, especialmente no que se refere ao famoso princípio de que a
menor distância entre dois pontos é uma reta, usando de volteios
entediantes ao argumentar sobre o tema. Tal atitude deixou-nos algumas
vezes perdidos, carecendo de retorno ao porto da partida, única e
confortável certeza em meio a essa viagem.</span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Já
no início do ensaio/palestra ele altera o nome personagem para pessoas
sob o argumento de que a experiência com animal não teve êxito, em vista
do desconhecimento até aquele momento de sua psicologia. Talvez ele
devesse ter relido (com certeza leu algum dia) os pensamentos de
Confúcio, pelo menos o primeiro dos seus mandamentos que diz <i>A vida é realmente simples. Nós é que insistimos em torná-la complicada. </i>Ora,
personagem é sinônimo de pessoa, e mesmo quando é objeto, animal ou
vegetal, seus sentimentos, suas reações são sempre antropomorfizadas.</span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Apesar
disso, o texto não perde em qualidade, valendo a pena mergulhar no
labirinto e seguir as pistas de Ariadne para não perder o caminho de
volta. </span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Forster diz que a pergunta que vai acompanhar o leitor agora não será mais <i>o que vai acontecer depois, </i>tão presente na história que se conta, conforme visto no capítulo anterior. Ela será substituída por <i>a quem aconteceu </i>o fato que está sendo narrado<i>, </i>exigindo do leitor além de curiosidade, muita imaginação e inteligência.</span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">No
processo de criação de personagens ele vê um facilitador para o
romancista que é a afinidade pré-existente entre eles, derivado do fato
de ambos pertencerem ao humano, diferentemente do que ocorre em outras
formas de arte. Pintor, escultor e poeta dispensam tal ligação porque
eles não precisam representar seres humanos, não é uma condição imposta
pela sua arte, a menos que o desejem. O músico mesmo que ele quisesse
jamais poderia fazê-lo. Contrariamente aos seus colegas<i>,</i> o romancista<i> arranja uma porção de massas verbais, descrevendo <b>grosso modo</b> a si mesmo (<b>grosso modo</b>,
as sutilezas virão mais tarde), dá-lhes nomes e sexos, determina-lhes
gestos plausíveis e as faz falar por meio de aspas e talvez
comportarem-se consistentemente. Essas massas verbais são suas
personagens. </i> </span></span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Prosseguindo,
o autor diz que o processo de criação dos personagens não é frio,
podendo acontecer em delirante excitação. E sempre resultará da visão
que o criador tem das pessoas e dele próprio<i>, modificada por outros aspectos do seu trabalho, </i>ponto
objeto de investigação futura, segundo ele, pois no momento lhe
interessa ocupar-se da relação dos personagens com a vida real.</span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">E para adentrar no processo de criação ele começa por perguntar qual a diferença entre as pessoas num romance e <i>as pessoas como o romancista ou como vocês, ou como eu, ou como a Rainha Vitória?</i>Respondendo
ele próprio que existe diferença obrigatória. Se o personagem é igual à
Rainha Vitória, por exemplo, ele é a rainha e o romance ou o que se
referir a esse personagem tornar-se-á Memória, porque ele se baseia em <i>fatos</i>, enquanto o romance não tem tal compromisso, ele se baseia em <i>fatos mais ou menos reais às vezes. </i>Para o historiador interessam as ações dos homens, e mesmo o caráter desses homens é deduzido dos seus feitos. <i>A
vida oculta é, por definição, velada e, quando se mostra através de
sinais exteriores, não é mais oculta, já entra no domínio da ação.</i> Ao romancista cabe revelar essa vida oculta, <i>contar-nos
mais sobre a Rainha Vitória do que se poderia saber e, desse modo,
compor uma personagem que não é a rainha Vitória da História.</i></span></span><br />
<i><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span></i><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">Forster cita crítico francês que afirmou ter o ser humano dois lados, um apropriado à história e outro à ficção: <i>Tudo
que é observável num homem, quer dizer, suas ações e a parte de sua
existência espiritual que pode ser deduzida das suas ações – cai no
domínio da história.</i> A parte romanesca que inclui as paixões genuínas, os sonhos, sentimentos de alegria, tristeza pertencem à ficção.<i> </i></span></span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Para
distinguir o real da ficção ele recorre aos chamados fatos principais na
vida humana: nascimento, alimentação, sono, amor e morte. Começa por
priorizar nascimento e morte, e diz tais fatos são conhecidos apenas
através de informações, pois ninguém lembra como nasceu, menos ainda
quando morreu, <i>movemo-nos entre duas obscuridades</i>, diz ele. Ao romancista, entretanto, tudo é permitido, pois ele conhece a vida oculta. <i>Quanto
tempo depois do nascimento ele tomará suas personagens? Até que ponto,
na direção do túmulo, ele as acompanhará? E o que dirá, ou fará sentir,
sobre essas duas experiências esquisitas?</i> </span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">Longa
e labiríntica caminhada ele faz pelos fatos principais da vida humana. A
alimentação é um elo entre o sabido e o esquecido, diz ele, muito
parecido com o nascimento, alem de restaurar as forças tem um lado
estético, pode ter gosto bom ou ruim, e o que <i>acontecerá nos livros essa mercadoria de duas faces?, </i>pergunta.
O sono, em média, ocupa um terço do tempo de qualquer pessoa, e nos
leva a um mundo pouco conhecido, e nos parece, ao deixá-lo, ter sido <i>em parte esquecimento, em parte uma caricatura deste mundo e, em parte ainda, uma revelação. </i>Sem
querer discutir a natureza do sono ou dos sonhos, Forster diz que a
História não se ocupa com esse terço e a ficção, pergunta ele, tomará
uma atitude semelhante? Enfim, chega ao amor. Aqui ele faz uma longa
digressão sobre o tema, concluindo que os seres humanos no estado de
amor tentam receber e dar alguma coisa, <i>e este duplo objetivo torna o amor mais complicado que o alimento e o sono.</i>
Quanto tempo ocupa o amor na vida das pessoas? Ele pode imiscuir-se no
sono, na alimentação, mas Forster diz duvidar que um homem <i>tenha comunhão emocional com qualquer objeto amado mais que duas horas por dia. </i></span></span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">De igual constituição, o romancista nasce, alimenta-se, dorme, ama, e ainda, toma a caneta em sua mão, <i>penetra no estado de anormalidade que convém chamar <b>inspiração</b>, e tenta criar personagens. </i>Em
que medida os personagens criados pelos romancistas diferem dele,
diferem dos seres que habitam a terra? Forster elenca uma série de
divergências, começando pelo nascimento. <i>Quando um bebê aparece num romance, tem o ar de quem foi enviado pelo correio: é entregue. </i>Uma
das personagens mais velhas é quem vai apanhá-lo e apresentá-lo ao
leitor, depois do que ele desaparece até que possa participar da ação.<i> </i>A
morte tem um tratamento que dá a impressão de que o romancista acha
esse tema congenial, pois permite a ele encerrar com elegância um livro,
afirma Forster. O alimento aparece apenas socialmente, reunindo
personagens que o saboreiam, mas não o digerem. O sono também é tratado
de forma perfunctória, sem qualquer indício de esquecimento ou do
verdadeiro mundo dos sonhos. <i>Estes são ora lógicos, ora mosaicos compostos por pequenos fragmentos positivos do passado e do futuro.</i> Aqui se percebe a influência do pensamento freudiano, resultado da publicação na Inglaterra de <i>A Interpretação dos Sonhos, </i>pela Hogarth Press de Virgínia e Leonard Woolf. </span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">O
amor ocupa espaço enorme nos romances. Para começar ele diz que o
romancista quando deixa de desenhar os seus personagens e começa a
criá-los, o <i>amor em qualquer de seus aspectos ou em todos, torna-se
importante em sua mente e, sem querer, faz suas personagens
exageradamente sensíveis a ele – exageradamente, no sentido de que, na
vida, não os preocuparia tanto.</i> Segundo Forester, os personagens
são reflexos do estado de espírito do romancista no processo de
composição, e a predominância do amor é em parte por conta disso. Outra
razão, é que o amor, como a morte, é <i>congenial </i>(essencial) para um romancista, pois ele também permite terminar o livro de modo adequado. <i> O
autor pode fazê-lo durar para sempre, e seus leitores facilmente
aceitarão isso, porque uma das ilusões ligadas ao amor é que ele será
permanente: digo <b>será </b>em lugar de <b>tem sido. </b>(…)Qualquer
emoção forte traz consigo a ilusão de permanência, e os romancistas
agarram-se a isso.Em geral, terminam seus livros com casamento, ao que
não nos opomos, pois emprestamos a eles nossos sonhos.</i></span></span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">Enfim, para concluir o seu pensamento, ele admite que o <i>homo fictus</i> seja mais indefinível do que o <i>seu primo <b>homo sapiens</b>,</i>
por não ser possível universalizar, vez que é produto de centenas de
mentes distintas de romancistas que utilizam em seu processo criativo os
mais divergentes métodos de construção. Mesmo assim, ele se arrisca a
dizer que ele (<i>homo fictus) </i>nasce, é capaz de morrer, requer pouco alimento ou sono, <i>está
incansavelmente ocupado com relações humanas e – o mais importante –
podemos saber mais sobre ele do que sobre qualquer um de nossos
semelhantes, porque seu criador e narrador é um só.</i></span></span><br />
<i><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span></i><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">Daí em diante ele passa a analisar um personagem de Daniel Defoe, Moll Flanders, <i>porque
ela enche o livro que leva o seu nome, ou ainda, permanece só como uma
árvore num parque, de modo que podemos vê-la sob cada um de seus
aspectos, e não somos incomodados pela vegetação que a cerca. </i>Ele
chama de vegetação aos outros personagens que atuam com ela, os vários
maridos/amantes que ela teve e nenhum deles foi capaz de lhe roubar a
cena. Segundo Forster, Defoe fez uma tentativa de enredo tendo o
irmão-marido dela como centro, mas ele é muito simplório; e um outro
marido, o legal, desaparece da cena sem deixar vestígio. <i>Nada
importa senão a heroína. (…) E tendo dito que ela parece absolutamente
real sob todos os pontos de vista, devemos nos perguntar se a
reconheceríamos caso a encontrássemos na vida cotidiana. (…) Poderemos,
então, dar a resposta habitual encontrada em todos os manuais de
literatura e que sempre deveria ser dada em exames, a resposta estética,
no sentido de que um romance é uma obra de arte, com suas próprias
leis, que não são as da vida diária, e que uma personagem dum romance é
real quando vive de acordo com tais leis. (…) São reais não por serem
como nós (embora possam sê-lo), mas porque são convincentes.</i></span></span><br />
<i><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span></i><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Após
dissertar sobre a questão de os personagens serem tirados da vida real
ou não, o autor passa a analisar as dificuldades dos escritores para a
caracterização. Dois expedientes são apontados por Forster como
facilitadores dessa tarefa: o uso de diferentes tipos de personagens; e o
ponto de vista.</span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">No primeiro, relativo ao uso de diferentes tipos, ele divide as personagens em <i>planas </i> e <i>redondas. </i>A
tradutora Maria Helena Martins, em nota de rodapé, diz que essa
classificação das personagens em planas e redondas foi a maior
contribuição de Forster para a literatura. As planas, chamadas de <i>humorous</i> no século XVII, às vezes tipos, às vezes caricaturas<i>.
Em sua forma mais pura são construídas ao redor de uma única idéia ou
qualidade; quando há mais de um fator, atingimos o início da curva em
direção às redondas. </i>Entre as vantagens de se usar personagens planas estão a de elas poderem ser reconhecidas de imediato pelo <i>olho emocional do leitor </i> e a de serem facilmente lembradas por ele. <i>Permanecem inalteradas em sua mente pelo fato de não terem sido transformadas pelas circunstâncias, movendo-se através delas. </i>(…) <i>Nós
todos queremos livros que perdurem, que sejam refúgios e que seus
habitantes sejam sempre os mesmos, e as personagens planas tendem a
justificar-se por causa disso</i>.</span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Os
críticos, entretanto, nem sempre concordam com tal, ponto de vista, diz
o autor. E cita crítico inglês que fez ácidos comentários sobre a obra
de D,H.Lawrence, por ele <i>não conceber as complexidades da mente
humana comum; seleciona, para fins literários, duas ou três facetas de
um homem ou de uma mulher,; em geral, os mais espetaculares e, por isso
mesmo, proveitosos ingredientes de sua personalidade, desprezando todos
os outros. </i> Nenhum ser humano é simples, diz Forster, mas o romance que tem alguma complexidade requer personagens planas e redondas, <i> e
o resultado de seu entrechoque assemelha-se à vida com mais
exatidão.(…) …devemos admitir que as pessoas planas não são, em si,
realizações tão notáveis quanto as redondas e que também são melhores
quando cômicas. Uma personagem plana séria ou trágica tende a tornar-se
enfadonha. (…) Só as pessoas redondas podem atuar tragicamente por
qualquer espaço de tempo e inspirar-nos qualquer sentimento, exceto o de
</i>humour <i>e adequação. (…) O teste para uma personagem redonda
está nela ser capaz de surpreender de modo convincente. Se ela nunca
surpreende, é plana. Se não convence, é plana pretendendo ser redonda.
(…) Todas as personagens de Dostoievski são redondas, </i>diz ele.</span><br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">O
outro expediente utilizado pelo escritor e mencionado por Forster
refere-se ao ponto de vista a partir do qual a história é contada. De
acordo com Percy Lubbock, <i>toda a intricada questão do método, no ofício da ficção, é governada pela questão do <b>ponto de vista</b> – a posição do narrador em relação à história.</i> Em seu livro <i>The Craft of Fiction</i>, editado no Brasil com o título de <i>A técnica da ficção, </i> ele
diz que o romancista pode descrever as personagens do ponto de vista
exterior, seja como um espectador parcial ou imparcial ou assumir a
onisciência e descrevê-las do ponto de vista interior ou ainda
colocar-se no lugar de uma delas e <i>fingir estar no escuro, em relação aos motivos das outras </i>ou mesmo assumir atitudes intermediárias. Forster diz que os seus seguidores certamente vão conseguir estabelecer <i>um fundamento certo para a estética da ficção, </i>mas
ele concorda apenas que toda questão de método é resolvida pela
habilidade do escritor em fazer o leitor aceitar o que ele diz e não
pelo uso de fórmulas. Lubbock, segundo ele, admite e admira tal poder no
escritor, mas coloca-o nas bordas do problema e não no centro como o
próprio Forster o coloca. E ele cita como exemplo Dickens, em <i>Bleak House</i><i> </i>,
que habilmente usa no primeiro capítulo narrador onisciente, no
segundo, narrador parcialmente onisciente, no capítulo seguinte a
personagem tem o comando, comando que o criador poderá tomar a qualquer
momento das suas mãos, e seguir ele mesmo tomando notas, numa lógica
absolutamente fragmentária, pouco importando as mudanças de pontos de
vista. Para Forster, os leitores não fazem qualquer objeção a essa
mistura de pontos de vista, que isto incomoda mais aos críticos
literários do que a eles. Outro exemplo de variação de ponto de vista
citado é o do romance <i>Os Moedeiros Falsos </i> de André Gide –
escritor obsessivo com a técnica, cuja lógica é fragmentária. Ora o
narrador é onisciente, fica por trás e explica tudo, ora ele é
parcialmente onisciente, ora é dramático e deixa a história ser contada
pelos personagens. A diferença entre as duas narrativas reside em que as
variações de pontos de vista em Dickens são instintivas, e em Gide são
sofisticadas, com o autor denunciando o tempo inteiro o seu interesse
pelo método. Por esta razão ele considera que a obra de Gide, embora
esteja entre as mais interessantes obras modernas, ela não se inclui
entre as vitais, razão porque ele não pode aplaudi-la irrestritamente.
Ele ainda cita <i>Guerra e Paz </i> como exemplo de obra vital que nos transporta através da Rússia <i>onisciente,
semi-onisciente, dramatizada aqui ou acolá, como inspira o momento – e
no final nos o aceitamos completamente. Mr.Lubbock não, é verdade:
grande como considera o livro, considerá-lo-ia ainda maior se possuísse
um ponto de vista; ele sente que Tolstoi não deu tudo o que poderia dar.</i></span></span><br />
<i><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span></i><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;">Para
Forster, as regras do jogo da escrita não são assim. O romancista pode
mudar o seu ponto de vista, desde que obtenha o resultado esperado. E
ele estabelece um paralelo disso com a própria vida; <i>Somos mais
estúpidos em algumas ocasiões que noutras; podemos penetrar na mente das
pessoas às vezes, mas não sempre, porque o nosso próprio intelecto
cansa; e esta descontinuidade empresta, no decorrer do tempo, variedade e
colorido às nossas experiências.</i></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;">Edward M
Forster é um personagem redondo, com certeza, ele nos surpreende a cada
página. Convida-nos para uma viagem difícil, árida, maçante às vezes,
mas ao final dela sentimos um prazer imenso, pelas muitas descobertas
que nos propicia. Às vezes ficamos mareados com os seus volteios, mas
logo passa e já ficamos prontos para seguir viagem outra vez com ele. </span><br />
<br />
<i><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;"> Jaboatão dos Guararapes, 07 de abril de 2009</span></span></i><br />
<i><span style="font-family: Times New Roman; font-size: x-small;"> </span></i><i><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Times New Roman;"> Lourdes Rodrigues</span></span></i></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-75973981046022699042012-05-23T14:00:00.002-07:002012-05-23T14:00:55.381-07:00T. S. ELIOT<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<h2>
A CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK – T. S. ELIOT</h2>
<div class="post-body entry-content">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQ9TLd87Eo1HlPiDzxW4qW7xXMih_n0jXIgQplu0W3x5LX2BIrLhgFSc5PskmqzIDBSZ6huzNfnk3OUs9vcAiWnqucH0k2algBr65rNsmBJTQlpMLvOMEDZ5_7aIniVVdTE3-_EmR9fnz3/s1600-h/T.+S.+Eliot+%5B1%5D.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQ9TLd87Eo1HlPiDzxW4qW7xXMih_n0jXIgQplu0W3x5LX2BIrLhgFSc5PskmqzIDBSZ6huzNfnk3OUs9vcAiWnqucH0k2algBr65rNsmBJTQlpMLvOMEDZ5_7aIniVVdTE3-_EmR9fnz3/s400/T.+S.+Eliot+%5B1%5D.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 400px; margin: 0 0 10px 10px; width: 233px;" /></a><br />
Um dos mais belos poemas produzidos na literatura inglesa do século XX, “<em>A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock</em>”,
com as suas imagens floridas em uma densa agonia destilada em versos
livres, a traduzir um angustiante estado da alma, complexa, com palavras
sopradas como uma canção simbolista, rumando ao vazio.<br />
T. S. Eliot escreveu o poema em 1912, numa época de marasmo que se
seguiu aos novos costumes trazidos pela Revolução Industrial, e o
período de conturbações que culminaria com o início da Primeira Guerra
Mundial. “<em>A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock</em>” só seria publicado pela primeira vez em 1915, na revista “Poetry”, e lançado no livro “<em>Prufrock e Outras Observações</em>”,
em 1917, que trazia uma recolha de poemas do autor. Uma vez publicado, o
poema deu uma outra visão à poesia inglesa que se espalhou pelo mundo.<br />
Longo, angustiado e angustiante, T. S. Eliot mostra o medo de existir no
tédio, a luta entre o desejo e a impotência, a existência e o
envelhecer, a ansiedade de transitar em um novo mundo urbano e a
necessidade de alienar-se a ele. Numa concepção metafísica, sentimentos e
idéias interligam-se aos objetos em volta.<br />
Na seqüência da epígrafe de Dante, “<em>A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock</em>”
abre-se em um monólogo misterioso, quase familiar, nos antípodas da
dicção vitoriana. Prufrock deambula entre imagens claras e sombrias,
desenha-se o homem sensível, burguês, <em>blasé</em>, que oscila entre a
erudição sublime dos sentimentos, traduzida por cantos de sereias e
alusões a Michelangelo; e ao grotesco do cotidiano, revelado em imagens
de hotéis baratos, de homens em mangas de camisa. Se ao início Prufrock
conduz o desejo e a intenção de levar a amada para o quarto de hotel,
por fim ele revela-se estéril diante do mundo.<br />
O poema não deixa de ser uma canção de amor, bela e inquietante, que
sopra sobre uma hesitação perene, os sentimentos parecem petrificados
pela existência, oscilando entre o desejo e a estabilidade do tédio. As
máscaras de Prufrock revelam-lhes os sentimentos e também o próprio T.S.
Eliot.<br />
A tradução do poema aqui apresentada é do português João Almeida Flor, que a designou como “<em>uma ordem de construção musical</em>”.
Na transposição para a língua portuguesa, os versos ficaram maiores do
que os do poema original. O tradutor preferiu estar atento aos ritmos
sonoros e à musicalidade do poema.
<strong><span style="color: #663366;">T. S. Eliot</span></strong><br />
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR3AuIqYHJ-QomK2NKfvGEEjy4txffvNE82yVZr71sBcaCWJamPQjeAaRVSfz0-By0xE3MuaqIG7tZ3jHSvspSj-eKRziAblCGwV24FOzwNU8ezVUJAcMcvKwkkpGm8gGVX-dT61Um3oPX/s1600-h/T.+S.+Eliot+3.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR3AuIqYHJ-QomK2NKfvGEEjy4txffvNE82yVZr71sBcaCWJamPQjeAaRVSfz0-By0xE3MuaqIG7tZ3jHSvspSj-eKRziAblCGwV24FOzwNU8ezVUJAcMcvKwkkpGm8gGVX-dT61Um3oPX/s400/T.+S.+Eliot+3.jpg" style="cursor: hand; float: left; height: 400px; margin: 0 10px 10px 0; width: 278px;" /></a>Thomas
Stearns Eliot nasceu em St. Louis, Estados Unidos, a 26 de setembro de
1888. Mudou-se para a Inglaterra aos 25 anos, em 1914. Em 1927, aos 39
anos, tornou-se cidadão britânico, e como tal, tornou-se um dos maiores
representantes do modernismo britânico, sendo um dos seus principais
poeta e dramaturgo.<br />
A poesia de T. S. Eliot revela uma originalidade profunda e singular,
repleta de muitas influências, entre elas a dos simbolistas franceses.
Ao ler o livro “The Symbolist Movement in Literature”, de Arthur Symons,
revelou-se-lhe uma grande influência, que culminaria com a poesia de
Laforgue. Os estudos de filosofia auxiliaram o escritor a ter uma
sensível concepção metafísica, ligando assim as palavras e idéias a
objetos singulares, traduzindo-as em linguagem falada.<br />
T. S. Eliot rompeu com a tradição poética do século XIX. Os temas da sua
obra eram o vazio, a penitência, a redenção, a futilidade da
existência, a angústia, a incerteza do tédio e a morte.<br />
O escritor recebeu o prêmio Nobel de literatura em 1948. Era um homem
angustiado com o tédio, um denso propagador da desolação vincada pelas
palavras livres, límpidas em seus símbolos. Morreu em Londres, em
janeiro de 1965.<br />
<strong><span style="color: #663366;">A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock (tradução)</span></strong><br />
<span style="font-size: 78%;"><em><span style="font-size: xx-small;">S’i credesse che mia risposta fosse </span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiKg88dvnn20smov5ufypacxbtEvPDe602JzqnVpDKSqw_u6l4czem7u2BOvBcsGaFKDOACfsc9YEbC4tvJU7HicioZIDzY24HlV4Pop4CPjVIvwj-PdFZaMP9Ia4s10h1_WJhA6RJugqO4/s1600-h/T.+S.+Eliot+-+Ir+Alba+Luna.jpg"><span style="font-size: xx-small;"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiKg88dvnn20smov5ufypacxbtEvPDe602JzqnVpDKSqw_u6l4czem7u2BOvBcsGaFKDOACfsc9YEbC4tvJU7HicioZIDzY24HlV4Pop4CPjVIvwj-PdFZaMP9Ia4s10h1_WJhA6RJugqO4/s400/T.+S.+Eliot+-+Ir+Alba+Luna.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 395px; margin: 0 0 10px 10px; width: 400px;" /></span></a><br />
<span style="font-size: xx-small;">A persona che mai tornasse al mondo,<br />
Questa fiamma staria senza più scosse.<br />
Ma però che già mai di questo fondo<br />
Non torno vivo alcun, s’i’odo il vero,<br />
Sanza tema d’infamia ti rispondo.</span></em><br />
</span><em><br />
<span style="font-size: 78%;"><span style="font-size: xx-small;">(Dante Alighieri, La Divina Commedia, Inferno)</span></span></em><span style="font-size: 78%;"><br />
</span><br />
Então vem, vamos juntos os dois,<br />
A noite cai e já se estende pelo céu,<br />
Parece um doente adormecido a éter sobre a mesa;<br />
Vem comigo por certas ruas semidesertas<br />
Que são o refúgio de vozes murmuradas<br />
De noites em repouso em hotéis baratos de uma noite<br />
E restaurantes com serradura e conchas de ostra:<br />
Ruas que se prolongam como argumento enfadonho<br />
De insidiosa intenção<br />
Que te arrasta àquela questão inevitável…<br />
Oh, não perguntes “Qual será?”<br />
Vem lá comigo fazer a tal visita.<br />
Passeiam damas na sala para além e para aqui<br />
E falam de Miguel Ângelo Buonarroti<br />
A névoa amarela que esfrega as costas nas vidraças<br />
O fumo amarelo que esfrega o focinho nas vidraças<br />
Passou a língua dentro dos recantos da noite,<br />
Demorou-se nos charcos que ficam na sarjeta,<br />
Deixou cair nas costas a fuligem solta das chaminés,<br />
Deslizou pelo terraço, de repente deu um salto,<br />
E, ao ver serena aquela noite de Outubro,<br />
Deu uma volta à casa, enroscou-se e dormiu.<br />
Haverá por certo um tempo<br />
Para o fumo amarelo que desliza pela rua<br />
E esfrega as costas nas vidraças;<br />
Haverá um tempo, tempo<br />
De compor um rosto para olhares os rostos que te olharem;<br />
Tempo de matar, tempo de criar,<br />
E tempo para todos os trabalhos e os dias, de mãos<br />
Que se erguem e te deixam cair no prato uma pergunta;<br />
Tempo para ti e tempo para mim,<br />
E tempo ainda para cem indecisões<br />
E outras tantas visões e revisões<br />
Antes de tomar o chá e a torrada.<br />
Passeiam damas na sala para além e para aqui<br />
E falam de Miguel Ângelo Buonarroti.<br />
Haverá por certo um tempo <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcjFZ7P4r7Cefz2MvBYkwqvwxa1PEYFCaF1OL0BfFs306qRokM1-k9YlHJgk8zH5u0HEjFjPY0cktHhRDVDxz07ufzkmHPApnH_BELinq0hc-LGy-YSjshQmPMVmF4s8GwDqTUSy2OUj1-/s1600-h/T.+S.+Eliot+-+Joh+Singer.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcjFZ7P4r7Cefz2MvBYkwqvwxa1PEYFCaF1OL0BfFs306qRokM1-k9YlHJgk8zH5u0HEjFjPY0cktHhRDVDxz07ufzkmHPApnH_BELinq0hc-LGy-YSjshQmPMVmF4s8GwDqTUSy2OUj1-/s400/T.+S.+Eliot+-+Joh+Singer.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 400px; margin: 0 0 10px 10px; width: 305px;" /></a><br />
De pensar se corro tal risco. “Corro tal risco?”<br />
Tempo de virar costas e descer as escadas<br />
Com esta clareira calva no meio do cabelo –<br />
(Hão-de dizer: “Este já tem pouco cabelo!”)<br />
Com a casaca, colarinho hirto subido até ao queixo,<br />
Gravata distinta e discreta mas ornada de um sóbrio alfinete –<br />
(Hão-de dizer: “Que magro está, nos braços e nas pernas!”)<br />
Vou correr o risco<br />
De perturbar o universo?<br />
Num só minuto há tempo<br />
Para decisões e revisões, a revogar noutro minuto.<br />
Pois já as conheço todas bem, conheço todas –<br />
Sei as noites, as tardes, as manhãs,<br />
Às colheres de café andei medindo a minha vida;<br />
Sei que em breve agonia se esvaem as vozes<br />
Abafadas na música de um quarto mais além.<br />
Como havia eu de ousar, assim?<br />
E já conheço os olhares, conheço todos –<br />
Olhares que te reduzem a fórmulas e a dizeres,<br />
E quando eu for apenas fórmula, esticado em alfinete,<br />
Quando estiver na parede, trespassado, contorcido,<br />
Como haverei então de começar<br />
A cuspir as pontas de cigarro dos meus dias e jeitos?<br />
E como havia eu de ousar, assim?<br />
E já conheço os braços, conheço todos –<br />
Braceletes nos braços brancos e nus<br />
(Mas com uma penugem loira à luz do candeeiro)<br />
Será pelo perfume de um vestido<br />
Que sou levado assim a divagar?<br />
Braços estendidos na mesa ou envoltos num xaile.<br />
E havia eu de ousar assim?<br />
Por onde havia eu de começar?<br />
E se eu disser que dou passeios por becos quando anoitece,<br />
E vou fitando o fumo que sobe do cachimbo<br />
De homens em mangas de camisa, à janela, solitários?…<br />
Eu devia ter sido um ferro de duas garras<br />
A rasgar o fundo desses mares de silêncio.<br />
E a tarde, a noite, a dormir tão sossegada!<br />
Afagada por dedos esguios,<br />
A dormir… exausta… ou a fingir,<br />
Estirada aqui no chão, à beira de nós dois.<br />
Depois do chá, dos bolos, dos gelados, eu tinha ainda<br />
Aquela força que provoca a crise do instante?<br />
Mas apesar de lágrimas e jejuns, lágrimas e preces,<br />
E apesar de ter visto a minha cabeça (um tanto calva já) ser entreguenuma salva,<br />
Não sou nenhum profeta – e isso pouco importa;<br />
Já vi tremer o meu instante de esplendor<br />
E vi o eterno lacaio agarrar-me a casaca, rindo sorrateiro,<br />
E bastará dizer que tive medo.<br />
E tinha valido a pena, depois de tudo isto, <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghqlUsNcdfEfYOpmARSj8mbfmoCPMfNQUkByaO-ppVbwEG4ujspwQy9E9fElExIuk2cN7haqD62NUnF2uD1on90Uc_1pvgrDdUcgNOQl42HNUSStMkDjhyphenhyphenUy4CTnQ3rD4xGsuqDgnFRNzD/s1600-h/T.+S.+Eliot+-+Manet.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghqlUsNcdfEfYOpmARSj8mbfmoCPMfNQUkByaO-ppVbwEG4ujspwQy9E9fElExIuk2cN7haqD62NUnF2uD1on90Uc_1pvgrDdUcgNOQl42HNUSStMkDjhyphenhyphenUy4CTnQ3rD4xGsuqDgnFRNzD/s400/T.+S.+Eliot+-+Manet.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 250px; margin: 0 0 10px 10px; width: 361px;" /></a><br />
Depois da geleia, das xícaras, do chá,<br />
Entre porcelanas, a meio de qualquer conversa de nós dois,<br />
Tinha valido a pena<br />
Ter rematado o assunto com um sorriso,<br />
Ter estreitado o universo numa bola<br />
E fazê-la rolar, rumo a qualquer questão inevitável,<br />
E dizer: “Sou Lázaro e venho de entre os mortos.<br />
Voltei para vos contar tudo, vou contar-vos tudo” –<br />
Se alguém, ajeitando a cabeça dela numa almofada,<br />
Dissesse: “Não era nada disso que eu queria dizer<br />
Não é isso, nada disso.”<br />
E tinha valido a pena, depois de tudo,<br />
Tinha mesmo valido a pena,<br />
Depois dos pátios, dos poentes, das ruas chuviscadas,<br />
Dos romances, das xícaras de chá, das saias arrastando pelo chão –<br />
E depois disto e tantas coisas mais? –<br />
Não é possível dizer mesmo o que quero dizer!<br />
Mas se uma lanterna mágica mostrasse na tela a imagem dos nervos:<br />
Tinha valido a pena<br />
Se alguém, compondo a almofada ou tirando um xaile,<br />
Dissesse, ao voltar-se para a janela:<br />
“Não é isso, nada disso,<br />
Não era nada disso que eu queria dizer.”<br />
Não! Não sou o príncipe Hamlet e nem tinha que ser;<br />
Sou um fidalgo da corte, desses que servem<br />
Para aumentar a comitiva, abrir uma ou duas cenas,<br />
Dar conselhos ao príncipe; instrumento dócil, é claro,<br />
Reverente, satisfeito por ser prestável,<br />
Político, meticuloso e avisado;<br />
Cheio de sentenças doutas, um tanto obtuso todavia;<br />
Às vezes, por sinal, quase ridículo –<br />
Quase o bobo, às vezes.<br />
Estou a ficar velho… Estou a ficar velho… <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxcJhNqQl-uR9Kh27yyQZ5NWZst2x_9N9fvCDRSooT6FwoiF_Je5ywLcdM5WqJebiJ6Zlvgcj_p4MZgTa3tJRLQK38wpLPnmTDVL7FzIIqFl8jSyXtyPl_grql13hzp_Q9mZ1Xyq9oi_OB/s1600-h/T.+S.+Eliot+2.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxcJhNqQl-uR9Kh27yyQZ5NWZst2x_9N9fvCDRSooT6FwoiF_Je5ywLcdM5WqJebiJ6Zlvgcj_p4MZgTa3tJRLQK38wpLPnmTDVL7FzIIqFl8jSyXtyPl_grql13hzp_Q9mZ1Xyq9oi_OB/s400/T.+S.+Eliot+2.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 362px; margin: 0 0 10px 10px; width: 300px;" /></a><br />
Hei-de andar com a dobra da calça revirada.<br />
E se eu puxar atrás o risco do cabelo? Arrisco-me a trincar<br />
um pêssego?<br />
Hei-de vestir calça de flanela branca e passear na praia.<br />
Já ouvi as sereias cantando, umas às outras.<br />
Creio que para mim não vão cantar.<br />
Tenho-as visto na direcção do mar a cavalgar as ondas<br />
Penteando crinas brancas de ondas encrespadas<br />
Quando o vento revolve as águas escuras e brancas.<br />
Ficámos nas mansões do mar nós dois em abandono<br />
Entre as ondinas com grinaldas de algas castanhas purpurinas<br />
Até que vozes humanas nos despertam e morremos naufragados.<br />
<span style="font-size: 85%;"><span style="font-size: xx-small;"><em><strong>Tradução:</strong></em> </span></span><em><span style="font-size: 85%;"><span style="font-size: xx-small;">João Almeida F</span></span>lor</em><br />
<strong><span style="color: #663366;">The Love Song of J. Alfred Prufrock (original)</span></strong><br />
<span style="font-size: 78%;"><span style="font-size: xx-small;"><em>S’i credesse che mia risposta fosse</em> </span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQBtCO4Az8D4K1gm0aZbIz2SrdrM2DHMH_qJhpGxlPDTJbzEmtqhvNQcfDYD_SKnAkyV3DJCIOZwBrrEa94erMM7l9YLfvDgy_fdO_tc6bb1GAi-NjIf14VO8ZjwqEna2-HB1lNudFyEmo/s1600-h/T.+S.+Eliot+-+Prufrock.jpg"><span style="font-size: xx-small;"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQBtCO4Az8D4K1gm0aZbIz2SrdrM2DHMH_qJhpGxlPDTJbzEmtqhvNQcfDYD_SKnAkyV3DJCIOZwBrrEa94erMM7l9YLfvDgy_fdO_tc6bb1GAi-NjIf14VO8ZjwqEna2-HB1lNudFyEmo/s400/T.+S.+Eliot+-+Prufrock.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 370px; margin: 0 0 10px 10px; width: 299px;" /></span></a><br />
<span style="font-size: xx-small;"><em>A persona che mai tornasse al mondo,</em><br />
<em>Questa fiamma staria senza più scosse.</em><br />
<em>Ma però che già mai di questo fondo</em><br />
<em>Non torno vivo alcun, s’i’odo il vero,</em><br />
</span></span><span style="font-size: xx-small;"><span style="font-size: 78%;"><em>Sanza tema d’infamia ti rispondo.<br />
</em><br />
<em>(Dante Alighieri, La Divina Commedia, Inferno)</em><br />
</span><br />
</span>Let us go then, you and I,<br />
When the evening is spread out against the sky<br />
Like a patient etherized upon a table;<br />
Let us go, through certain half-deserted streets,<br />
The muttering retreats<br />
Of restless nights in one-night cheap hotels<br />
And sawdust restaurants with oyster-shells:<br />
Streets that follow like a tedious argument<br />
Of insidious intent<br />
To lead you to an overwhelming question. . .<br />
Oh, do not ask, “What is it?”<br />
Let us go and make our visit.<br />
In the room the women come and go<br />
Talking of Michelangelo.<br />
The yellow fog that rubs its back upon the window-panes<br />
The yellow smoke that rubs its muzzle on the window-panes<br />
Licked its tongue into the corners of the evening<br />
Lingered upon the pools that stand in drains,<br />
Let fall upon its back the soot that falls from chimneys,<br />
Slipped by the terrace, made a sudden leap,<br />
And seeing that it was a soft October night<br />
Curled once about the house, and fell asleep.<br />
And indeed there will be time<br />
For the yellow smoke that slides along the street,<br />
Rubbing its back upon the window-panes;<br />
There will be time, there will be time<br />
To prepare a face to meet the faces that you meet;<br />
There will be time to murder and create,<br />
And time for all the works and days of hands<br />
That lift and drop a question on your plate;<br />
Time for you and time for me,<br />
And time yet for a hundred indecisions<br />
And for a hundred visions and revisions<br />
Before the taking of a toast and tea.<br />
In the room the women come and go<br />
Talking of Michelangelo.<br />
And indeed there will be time <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDs-Gls9KXJ-3tp2OFdDYH7kXuzbeLx5pecPDwxdFL93zoX9IsH46FApHZEx0welKtZ9yYcq_4VF6kVPfHBDL3qj8D9AYNLyVwIFOrcy9hzTorLwtMSZeny5zUtIYwAgqXtDNWLmAuE5Xj/s1600-h/T.+S.+Eliot+-+Stranger+Fog.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDs-Gls9KXJ-3tp2OFdDYH7kXuzbeLx5pecPDwxdFL93zoX9IsH46FApHZEx0welKtZ9yYcq_4VF6kVPfHBDL3qj8D9AYNLyVwIFOrcy9hzTorLwtMSZeny5zUtIYwAgqXtDNWLmAuE5Xj/s400/T.+S.+Eliot+-+Stranger+Fog.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 400px; margin: 0 0 10px 10px; width: 266px;" /></a><br />
To wonder, “Do I dare?” and, “Do I dare?”<br />
Time to turn back and descend the stair,<br />
With a bald spot in the middle of my hair -<br />
[They will say: "How his hair is growing thin!"]<br />
My morning coat, my collar mounting firmly to the chin,<br />
My necktie rich and modest, but asserted by a simple pin -<br />
[They will say: "But how his arms and legs are thin!"]<br />
Do I dare<br />
Disturb the universe?<br />
In a minute there is time<br />
For decisions and revisions which a minute will reverse.<br />
For I have known them all already, known them all;<br />
Have known the evenings, mornings, afternoons,<br />
I have measured out my life with coffee spoons;<br />
I know the voices dying with a dying fall<br />
Beneath the music from a farther room.<br />
So how should I presume?<br />
And I have known the eyes already, known them all -<br />
The eyes that fix you in a formulated phrase,<br />
And when I am formulated, sprawling on a pin,<br />
When I am pinned and wriggling on the wall,<br />
Then how should I begin<br />
To spit out all the butt-ends of my days and ways?<br />
And how should I presume?<br />
And I have known the arms already, known them all -<br />
Arms that are braceleted and white and bare<br />
[But in the lamplight, downed with light brown hair!]<br />
Is it perfume from a dress<br />
That makes me so digress?<br />
Arms that lie along a table, or wrap about a shawl.<br />
And should I then presume?<br />
And how should I begin?<br />
Shall I say, I have gone at dusk through narrow streets<br />
And watched the smoke that rises from the pipes<br />
Of lonely men in shirt-sleeves, leaning out of windows? . . .<br />
I should have been a pair of ragged claws<br />
Scuttling across the floors of silent seas.<br />
And the afternoon, the evening, sleeps so peacefully!<br />
Smoothed by long fingers,<br />
Asleep . . . tired . . . or it malingers,<br />
Stretched on the floor, here beside you and me.<br />
Should I, after tea and cakes and ices,<br />
Have the strength to force the moment to its crisis?<br />
But though I have wept and fasted, wept and prayed,<br />
Though I have seen my head (grown slightly bald) brought in upon a platter,<br />
I am no prophet–and here’s no great matter;<br />
I have seen the moment of my greatness flicker,<br />
And I have seen the eternal Footman hold my coat, and snicker,<br />
And in short, I was afraid.<br />
And would it have been worth it, after all,<br />
After the cups, the marmalade, the tea,<br />
Among the porcelain, among some talk of you and me,<br />
Would it have been worth while,<br />
To have bitten off the matter with a smile,<br />
To have squeezed the universe into a ball<br />
To roll it toward some overwhelming question,<br />
To say: “I am Lazarus, come from the dead,<br />
Come back to tell you all, I shall tell you all”<br />
If one, settling a pillow by her head,<br />
Should say, “That is not what I meant at all.<br />
That is not it, at all.”<br />
And would it have been worth it, after all,<br />
Would it have been worth while,<br />
After the sunsets and the dooryards and the sprinkled streets,<br />
After the novels, after the teacups, after the skirts that trail along the floor -<br />
And this, and so much more? -<br />
It is impossible to say just what I mean!<br />
But as if a magic lantern threw the nerves in patterns on a screen:<br />
Would it have been worth while<br />
If one, settling a pillow or throwing off a shawl,<br />
And turning toward the window, should say:<br />
“That is not it at all,<br />
That is not what I meant, at all.”<br />
No! I am not Prince Hamlet, nor was meant to be;<br />
Am an attendant lord, one that will do <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjRl1wMJ6LuZD7oCMyFYh-YQ9NpT3KjYPCkta3dG1BTVwkE6rT0oyZuAfldDZm23cSQwNlmbkxScGSgocorDH55B3E7nvelF56PYmXRhUzpH_phtp1ldCjCkqDeqvHMXezviOP6egLXGRT/s1600-h/T.+S.+Eliot+-+Prufrock+2.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjRl1wMJ6LuZD7oCMyFYh-YQ9NpT3KjYPCkta3dG1BTVwkE6rT0oyZuAfldDZm23cSQwNlmbkxScGSgocorDH55B3E7nvelF56PYmXRhUzpH_phtp1ldCjCkqDeqvHMXezviOP6egLXGRT/s400/T.+S.+Eliot+-+Prufrock+2.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 400px; margin: 0 0 10px 10px; width: 291px;" /></a><br />
To swell a progress, start a scene or two<br />
Advise the prince; no doubt, an easy tool,<br />
Deferential, glad to be of use,<br />
Politic, cautious, and meticulous;<br />
Full of high sentence, but a bit obtuse;<br />
At times, indeed, almost ridiculous -<br />
Almost, at times, the Fool.<br />
I grow old . . . I grow old . . .<br />
I shall wear the bottoms of my trousers rolled.<br />
Shall I part my hair behind? Do I dare to eat a peach?<br />
I shall wear white flannel trousers, and walk upon the beach.<br />
I have heard the mermaids singing, each to each.<br />
I do not think they will sing to me.<br />
I have seen them riding seaward on the waves<br />
Combing the white hair of the waves blown back<br />
When the wind blows the water white and black.<br />
We have lingered in the chambers of the sea<br />
By sea-girls wreathed with seaweed red and brown<br />
Till human voices wake us, and we drown.<br />
<strong><span style="color: #663366;">Cronologia<br />
</span></strong><br />
<strong><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipKBLN7AtGlAv9ET_O4WHvd7SSE4Y1DJrFpGjA3TFcOG4WU6LTqQYUWvPVB0eJo7dtUcugZjuOnN_9m2CWQ5H7uh2wl3VatiH5i3fEjYUC6xUwqE9Ytu2ECecPmqJ-TwYnz8GJNYnRbPfr/s1600-h/T.+S.+Eliot+4.jpg"><img alt="" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEipKBLN7AtGlAv9ET_O4WHvd7SSE4Y1DJrFpGjA3TFcOG4WU6LTqQYUWvPVB0eJo7dtUcugZjuOnN_9m2CWQ5H7uh2wl3VatiH5i3fEjYUC6xUwqE9Ytu2ECecPmqJ-TwYnz8GJNYnRbPfr/s400/T.+S.+Eliot+4.jpg" style="cursor: hand; float: left; height: 400px; margin: 0 10px 10px 0; width: 293px;" /></a>1888 –</strong> Nasce a 26 de setembro, em St. Louis, Missouri, EUA, Thomas Stearns Eliot.<br />
<strong>1898 –</strong> Torna-se estudante da Smith Academy, em St. Louis.<br />
<strong>1905 –</strong> Freqüenta a Milton Academy, em Massachusetts.<br />
<strong>1906 –</strong> Entra para Harvard. Lê o livro “<em>The Symbolist Movement in Literature</em>”, de Arthur Symons. Conhece a poesia de Laforgue.<br />
<strong>1910 –</strong> Termina licenciatura em Harvard.<br />
<strong>1912 –</strong> Termina o poema “<em>A Canção de Amor de J. Alfred P</em>rufrock”.<br />
<strong>1914 –</strong> Muda-se para a Inglaterra. Reúne-se com Ezra Pound.<br />
<strong>1915 –</strong> Casa-se com Vivien Haigh-Wood. Publica “<em>A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock</em>” pela primeira vez, na revista “<em>Poetry</em>”.<br />
<strong>1916 –</strong> Trabalha como professor em Highgate Junior School.<br />
<strong>1917 –</strong> Publica “<em>Prufrock e Outras Observações</em>”.<br />
<strong>1922 –</strong> Publicado “<em>A Waste Land</em>”.<br />
<strong>1927 –</strong> Torna-se cidadão britânico.<br />
<strong>1928 –</strong> Publica “<em>Lancelot Andrewes</em>”.<br />
<strong>1933 –</strong> Separa-se judicialmente de Vivien Haigh-Wood.<br />
<strong>1940 –</strong> Publicado “<em>East Coker</em>”.<br />
<strong>1941 –</strong> Publicado “<em>A Dry Salvages</em>”.<br />
<strong>1947 –</strong> Morre Vivien Eliot.<br />
<strong>1948 –</strong> Laureado com o Prêmio Nobel de Literatura.<br />
<strong>1957 –</strong> Casa-se com Valerie Fletcher.<br />
<strong>1965 –</strong> Morre em 4 de janeiro. Suas cinzas são levadas para East Coker.</div>
</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-50550585813294305972012-05-12T05:29:00.001-07:002012-05-12T05:29:54.685-07:00Sandor Marai<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
*AS BRASAS, de Sándor Márai
<br />
<div style="text-align: right;">
César Garcia</div>
<div style="text-align: justify;">
Romance denso sobre a amizade e a
traição. Dois homens, ambos militares, amigos desde a infância,
encontram-se para tirar dúvidas depois de quarenta e um anos de um
afastamento aparentemente inexplicável. A conversa dura toda uma noite e
ocupa cem páginas das cento e setenta e duas do livro. O general,
Henrik, dono do castelo em que se encontram, fala quase o tempo todo e
apenas pede que o amigo, Konrad, responda às suas perguntas. São duas,
as principais: se o amigo tinha tido um romance secreto com Krisztina,
mulher do general e se, na última caçada, ele apontara a arma para a sua
cabeça a fim de matá-lo, e não para o cervo que se encontrava na mesma
linha. O autor, de nacionalidade húngara, nasceu em 1900 e morreu em
1989. No Brasil, a Companhia das Letras publicou também <em>O Legado de Ezter</em>, <em>Veredicto em Canudos, Divórcio em Buda, Rebeldes, Confissão de um Burguês, De verdade e Libertação.</em></div>
<div style="text-align: justify;">
<em>Veredicto em Canudos, </em>a ação se passa no sertão da Bahia e foi escrita em 1960, depois de ler <em>Os Sertões de Euclides da Cunha. </em></div>
<div style="text-align: justify;">
Sándor Márai publicou mais de 60 livros.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Em 1989,<a href="http://www.traco-freudiano.org/blog/wp-content/uploads/2012/03/S%C3%81NDOR-MARAI.jpg"><img alt="" class="alignleft size-thumbnail wp-image-835" height="150" src="http://www.traco-freudiano.org/blog/wp-content/uploads/2012/03/S%C3%81NDOR-MARAI-150x150.jpg" title="SÁNDOR MARAI" width="150" /></a> </div>
<div style="text-align: justify;">
suicida-se Morava em San Diego, nos EUA.</div>
<div style="text-align: justify;">
EXCERTO DE <em>AS VELAS ARDEM ATÉ O FIM </em> DE SÁNDOR MARAI</div>
<div>
ENVELHECER</div>
<div id="centro_base">
<div>
<div>
<div>
<span style="color: #464545;"><span style="color: #464545;">Uma
pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e
pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o
significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente.
Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um
corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça
o que fizer… Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo,
não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o
coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente,
começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que
seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações,
busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de
prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que
se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e
esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz,
conheces tu com exatidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários
habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de
inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o
horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado,
já não esperas nada, nem o bem, nem o mal… e isso é precisamente a
velhice.</span></span></div>
<div>
<span style="color: #464545;"><span style="color: #464545;"><br />
</span></span></div>
<br />
</div>
</div>
</div>
* Tradução de Rosa Freira D´Águiar – Companhia das Letras, 172 p.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-20204134083786547602012-02-16T13:09:00.001-08:002012-02-16T13:09:55.078-08:00Pablo Neruda – Poemas Originais Selecionados<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<h3>
<br /></h3>
O POÇO<br />
Cais, às vezes, afundas<br /> em teu fosso de silêncio,<br /> em teu abismo de orgulhosa cólera,<br /> e mal consegues<br /> voltar, trazendo restos<br /> do que achaste<br /> pelas profunduras da tua existência.<br />
Meu amor, o que encontras<br /> em teu poço fechado?<br /> Algas, pântanos, rochas?<br /> O que vês, de olhos cegos,<br /> rancorosa e ferida?<br />
Não acharás, amor,<br /> no poço em que cais<br /> o que na altura guardo para ti:<br /> um ramo de jasmins todo orvalhado,<br /> um beijo mais profundo que esse abismo.<br />
Não me temas, não caias<br /> de novo em teu rancor.<br /> Sacode a minha palavra que te veio ferir<br /> e deixa que ela voe pela janela aberta.<br /> Ela voltará a ferir-me<br /> sem que tu a dirijas,<br /> porque foi carregada com um instante duro<br /> e esse instante será desarmado em meu peito.<br />
Radiosa me sorri<br /> se minha boca fere.<br /> Não sou um pastor doce<br /> como em contos de fadas,<br /> mas um lenhador que comparte contigo<br /> terras, vento e espinhos das montanhas.<br />
Dá-me amor, me sorri<br /> e me ajuda a ser bom.<br /> Não te firas em mim, seria inútil,<br /> não me firas a mim porque te feres.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
O TEU RISO<br />
Tira-me o pão, se quiseres,<br /> tira-me o ar, mas não<br /> me tires o teu riso.<br />
Não me tires a rosa,<br /> a lança que desfolhas,<br /> a água que de súbito<br /> brota da tua alegria,<br /> a repentina onda<br /> de prata que em ti nasce.<br />
A minha luta é dura e regresso<br /> com os olhos cansados<br /> às vezes por ver<br /> que a terra não muda,<br /> mas ao entrar teu riso<br /> sobe ao céu a procurar-me<br /> e abre-me todas<br /> as portas da vida.<br />
Meu amor, nos momentos<br /> mais escuros solta<br /> o teu riso e se de súbito<br /> vires que o meu sangue mancha<br /> as pedras da rua,<br /> ri, porque o teu riso<br /> será para as minhas mãos<br /> como uma espada fresca.<br />
À beira do mar, no outono,<br /> teu riso deve erguer<br /> sua cascata de espuma,<br /> e na primavera, amor,<br /> quero teu riso como<br /> a flor que esperava,<br /> a flor azul, a rosa<br /> da minha pátria sonora.<br />
Ri-te da noite,<br /> do dia, da lua,<br /> ri-te das ruas<br /> tortas da ilha,<br /> ri-te deste grosseiro<br /> rapaz que te ama,<br /> mas quando abro<br /> os olhos e os fecho,<br /> quando meus passos vão,<br /> quando voltam meus passos,<br /> nega-me o pão, o ar,<br /> a luz, a primavera,<br /> mas nunca o teu riso,<br /> porque então morreria.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
TUAS MÃOS<br />
Quando tuas mãos saem,<br /> amada, para as minhas,<br /> o que me trazem voando?<br /> Por que se detiveram<br /> em minha boca, súbitas,<br /> e por que as reconheço<br /> como se outrora então<br /> as tivesse tocado,<br /> como se antes de ser<br /> houvessem percorrido<br /> minha fronte e a cintura?<br />
Sua maciez chegava<br /> voando por sobre o tempo,<br /> sobre o mar, sobre o fumo,<br /> e sobre a primavera,<br /> e quando colocaste<br /> tuas mãos em meu peito,<br /> reconheci essas asas<br /> de paloma dourada,<br /> reconheci essa argila<br /> e a cor suave do trigo.<br />
A minha vida toda<br /> eu andei procurando-as.<br /> Subi muitas escadas,<br /> cruzei os recifes,<br /> os trens me transportaram,<br /> as águas me trouxeram,<br /> e na pele das uvas<br /> achei que te tocava.<br /> De repente a madeira<br /> me trouxe o teu contacto,<br /> a amêndoa me anunciava<br /> suavidades secretas,<br /> até que as tuas mãos<br /> envolveram meu peito<br /> e ali como duas asas<br /> repousaram da viagem.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
SE CADA DIA CAI<br />
Se cada dia cai, dentro de cada noite,<br /> há um poço<br /> onde a claridade está presa.<br />
há que sentar-se na beira<br /> do poço da sombra<br /> e pescar luz caída<br /> com paciência.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
ESPEREMOS<br />
Há outros dias que não têm chegado ainda,<br /> que estão fazendo-se<br /> como o pão ou as cadeiras ou o produto<br /> das farmácias ou das oficinas<br /> - há fábricas de dias que virão -<br /> existem artesãos da alma<br /> que levantam e pesam e preparam<br /> certos dias amargos ou preciosos<br /> que de repente chegam à porta<br /> para premiar-nos<br /> com uma laranja<br /> ou assassinar-nos de imediato.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
ACONTECE<br />
Bateram à minha porta em 6 de agosto,<br /> aí não havia ninguém<br /> e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira<br /> e transcorreu comigo, ninguém.<br />
Nunca me esquecerei daquela ausência<br /> que entrava como Pedro por sua causa<br /> e me satisfazia com o não ser,<br /> com um vazio aberto a tudo.<br />
Ninguém me interrogou sem dizer nada<br /> e contestei sem ver e sem falar.<br />
Que entrevista espaçosa e especial!<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
QUERO SABER<br />
Quero saber se você vem comigo<br /> a não andar e não falar,<br /> quero saber se ao fim alcançaremos<br /> a incomunicação; por fim<br /> ir com alguém a ver o ar puro,<br /> a luz listrada do mar de cada dia<br /> ou um objeto terrestre<br /> e não ter nada que trocar<br /> por fim, não introduzir mercadorias<br /> como o faziam os colonizadores<br /> trocando baralhinhos por silêncio.<br /> Pago eu aqui por teu silêncio.<br /> De acordo, eu te dou o meu<br /> com u te dou o meu<br /> com uma condição: não nos compreender<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Amor, quantos caminhos até chegar a um beijo,<br /> que solidão errante até tua companhia!<br /> Seguem os trens sozinhos rodando com a chuva.<br /> Em taltal não amanhece ainda a primavera.<br /> Mas tu e eu, amor meu, estamos juntos,<br /> juntos desde a roupa às raízes,<br /> juntos de outono, de água, de quadris,<br /> até ser só tu, só eu juntos.<br /> Pensar que custou tantas pedras que leva o rio,<br /> a desembocadura da água de Boroa,<br /> pensar que separados por trens e nações<br /> tu e eu tínhamos que simplesmente amar-nos<br /> com todos confundidos, com homens e mulheres,<br /> com a terra que implanta e educa cravos.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
A NOITE NA ILHA<br />
Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.<br /> Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,<br /> entre o fogo e a água.<br /> Talvez bem tarde nossos<br /> sonos se uniram na altura e no fundo,<br /> em cima como ramos que um mesmo vento move,<br /> embaixo como raízes vermelhas que se tocam.<br /> Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro<br /> me procurava como antes, quando nem existias,<br /> quando sem te enxergar naveguei a teu lado<br /> e teus olhos buscavam o que agora – pão,<br /> vinho, amor e cólera – te dou, cheias as mãos,<br /> porque tu és a taça que só esperava<br /> os dons da minha vida.<br /> Dormi junto contigo a noite inteira,<br /> enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,<br /> de repente desperto e no meio da sombra meu braço<br /> rodeava tua cintura.<br /> Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.<br /> Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca<br /> saída de teu sono me deu o sabor da terra,<br /> de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,<br /> e recebi teu beijo molhado pela aurora<br /> como se me chegasse do mar que nos rodeia.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Antes de amar-te, amor, nada era meu<br /> Vacilei pelas ruas e as coisas:<br /> Nada contava nem tinha nome:<br /> O mundo era do ar que esperava.<br /> E conheci salões cinzentos,<br /> Túneis habitados pela lua,<br /> Hangares cruéis que se despediam,<br /> Perguntas que insistiam na areia.<br /> Tudo estava vazio, morto e mudo,<br /> Caído, abandonado e decaído,<br /> Tudo era inalienavelmente alheio,<br /> Tudo era dos outros e de ninguém,<br /> Até que tua beleza e tua pobreza<br /> De dádivas encheram o outono.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Aqui eu te amo.<br /> Nos escuros pinheiros se desenlaça o vento.<br /> Fosforece a lua sobre as águas errantes.<br /> Andam dias iguais a perseguir-se.<br />
Descinge-se a névoa em dançantes figuras.<br /> Uma gaivota de prata se desprende do ocaso.<br /> As vezes uma vela. Altas, altas, estrelas.<br />
Ou a cruz negra de um barco.<br /> Só.<br /> As vezes amanheço, e minha alma está úmida.<br /> Soa, ressoa o mar distante.<br /> Isto é um porto.<br /> Aqui eu te amo.<br />
Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.<br /> Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.<br /> As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,<br /> que correm pelo mar rumo a onde não chegam.<br />
Já me creio esquecido como estas velha âncoras.<br /> São mais tristes os portos ao atracar da tarde.<br /> Cansa-se minha vida inutilmente faminta..<br /> Eu amo o que não tenho. E tu estás tão distante.<br />
Meu tédio mede forças com os lentos crepúsculos.<br /> Mas a noite enche e começa a cantar-me.<br /> A lua faz girar sua arruela de sonho.<br />
Olham-me com teus olhos as estrelas maiores.<br /> E como eu te amo, os pinheiros no vento,<br /> querem cantar o teu nome, com suas folhas de cobre.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Áspero amor, violeta coroada de espinhos,<br /> cipoal entre tantas paixões eriçado, lanãa das dores,<br /> corola da colera, por que caminhos<br /> e como te dirigiste a minha alma?<br /> Por que precipitaste teu fogo doloroso, de repente,<br /> entre as folhas frias do meu caminho?<br /> Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?<br /> que flor, que pedra, que fumaãa<br /> mostraram minha morada?<br /> O certo é que tremeu noite pavorosa,<br /> a aurora encheu todas as taãas com teu vinho<br /> e o sol estabeleceu sua presenãa celeste,<br /> enquanto o cruel amor sem trégua me cercava,<br /> até que lacerando-me com espadas<br /> e espinhos abriu no coração um caminho queimante.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
De noite, amada, amarra teu coração ao meu<br /> e que eles no sonho derrotem<br /> as trevas como um duplo tambor<br /> combatendo no bosque<br /> contra o espesso muro das folhas molhadas.<br /> Noturna travessia, brasa negra do sonho.<br /> Interceptando o fio das uvas terrestres<br /> com pontualidade de um trem descabelado<br /> que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.<br /> Por isso, amor, amarra-me ao movimento puro,<br /> à tenacidade que em teu peito bate.<br />
Com as asas de um cisne submergido,<br /> para que as perguntas estreladas do céu<br /> responda nosso sonho com uma só chave,<br /> com uma só porta fechada pela sombra.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
O VENTO NA ILHA<br />
O vento é um cavalo<br /> Ouça como ele corre<br /> Pelo mar, pelo céu.<br /> Quer me levar: escuta<br /> como recorre ao mundo<br /> para me levar para longe.<br />
Me esconde em teus braços<br /> por somente esta noite,<br /> enquanto a chuva rompe<br /> contra o mar e a terra<br /> sua boca inumerável.<br />
Escuta como o vento<br /> me chama calopando<br /> para me levar para longe.<br />
Com tua frente a minha frente,<br /> com tua boca em minha boca,<br /> atados nossos corpos<br /> ao amor que nos queima,<br /> deixa que o vento passe<br /> sem que possa me levar.<br />
Deixa que o vento corra<br /> coroado de espuma,<br /> que me chame e me busque<br /> galopandanto eu, emergido<br /> debaixo teus grandes olhos,<br /> por somente esta noite<br />
descansarei, amor meu.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.<br /> Amor, dor, trabalho, devem dormir agora.<br /> Gira a noite sobre suas invisíveis rodas<br /> e junto a mim és pura como âmbar dormido…<br /> Nenhuma mais, amor, dormira com meus sonhos…<br /> Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.<br /> Nenhuma viajará pela sombra comigo, só tu.<br /> sempre viva. sempre sol… sempre lua…<br /> Já tuas mãos abriram os punhos delicados<br /> e deixaram cair suaves sinais sem rumo…<br /> teus olhos se fecharam como<br /> duas asas cinzas, enquanto eu sigo a água<br /> que levas e me leva.<br /> A noite… o mundo… o vento enovelam seu destino,<br /> e já não sou sem ti senão apenas teu sonho…<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
GOSTO QUANDO TE CALAS<br />
Gosto quando te calas porque estás como ausente,<br /> e me ouves de longe, minha voz não te toca.<br /> Parece que os olhos tivessem de ti voado<br /> e parece que um beijo te fechara a boca.<br />
Como todas as coisas estão cheias da minha alma<br /> emerge das coisas, cheia da minha alma.<br /> Borboleta de sonho, pareces com minha alma,<br /> e te pareces com a palavra melancolia.<br />
Gosto de ti quando calas e estás como distante.<br /> E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.<br /> E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:<br /> Deixa-me que me cale com o silêncio teu.<br />
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio<br /> claro como uma lâmpada, simples como um anel.<br /> És como a noite, calada e constelada.<br /> Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.<br />
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.<br /> Distante e dolorosa como se tivesses morrido.<br /> Uma palavra então, um sorriso bastam.<br /> E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Para meu coração basta teu peito<br /> para tua liberdade bastam minhas asas.<br /> Desde minha boca chegará até o céu<br /> o que estava dormindo sobre tua alma.<br />
E em ti a ilusão de cada dia.<br /> Chegas como o sereno às corolas.<br /> Escavas o horizonte com tua ausência<br /> Eternamente em fuga como a onda.<br />
Eu disse que cantavas no vento<br /> como os pinheiros e como os hastes.<br /> Como eles és alta e taciturna.<br /> e intristeces prontamente, como uma viagem.<br />
Acolhedora como um velho caminho.<br /> Te povoa ecos e vozes nostálgicas.<br /> eu despertei e as vezes emigram e fogem<br /> pássaros que dormiam em tua alma.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Plena mulher, maçã carnal, lua quente,<br /> espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,<br /> que obscura claridade se abre entre tuas pernas?<br /> que antiga noite o homem toca com seus sentidos?<br /> Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,<br /> com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:<br /> amar é um combate de relâmpagos e dois corpos<br /> por um so mel derrotados.<br /> Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,<br /> tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,<br /> e o fogo genital transformado em delícia<br /> corre pelos tênues caminhos do sangue<br /> até precipitar-se como um cravo noturno,<br /> até ser e não ser senão na sombra de um raio.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
POEMA #20<br />
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.<br /> Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,<br /> e tiritam, azuis, os astros lá ao longe”.<br /> O vento da noite gira no céu e canta.<br />
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.<br /> Eu amei-a e por vezes ela também me amou.<br /> Em noites como esta tive-a em meus braços.<br /> Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.<br />
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.<br /> Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.<br /> Posso escrever os versos mais tristes esta noite.<br /> Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.<br />
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.<br /> E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.<br /> Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.<br /> A noite está estrelada e ela não está comigo.<br />
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.<br /> A minha alma não se contenta com havê-la perdido.<br /> Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.<br /> O meu coração procura-a, ela não está comigo.<br />
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.<br /> Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.<br /> Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.<br /> Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.<br />
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.<br /> A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.<br /> Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.<br /> É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.<br />
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,<br /> a minha alma não se contenta por havê-la perdido.<br /> Embora seja a última dor que ela me causa,<br /> e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
TALVEZ<br />
Talvez não ser,<br /> é ser sem que tu sejas,<br /> sem que vás cortando<br /> o meio dia com uma<br /> flor azul,<br /> sem que caminhes mais tarde<br /> pela névoa e pelos tijolos,<br /> sem essa luz que levas na mão<br /> que, talvez, outros não verão dourada,<br /> que talvez ninguém<br /> soube que crescia<br /> como a origem vermelha da rosa,<br /> sem que sejas, enfim,<br /> sem que viesses brusca, incitante<br /> conhecer a minha vida,<br /> rajada de roseira,<br /> trigo do vento,<br />
E desde então, sou porque tu és<br /> E desde então és<br /> sou e somos…<br /> E por amor<br /> Serei… Serás…Seremos…<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Vês estas mãos?<br /> Mediram a terra, separaram os minerais e os cereais,<br /> fizeram a paz e a guerra, derrubaram as distâncias<br /> de todos os mares e rios,<br /> e, no entanto, quando te percorrem a ti,<br /> pequena, grão de trigo, andorinha,<br /> não chegam para abarcar-te,<br /> esforçadas alcançam as palomas gêmeas<br /> que repousam ou voam no teu peito,<br /> percorrem as distâncias de tuas pernas,<br /> enrolam-se na luz de tua cintura.<br /> Para mim és tesouro mais intenso de imensidão<br /> que o mar e seus racimos<br /> e és branca, és azul e extensa como a terra na vindima.<br /> Nesse território, de teus pés à tua fronte,<br /> andando, andando, andando, eu passarei a vida.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
É assim que te quero, amor,<br /> assim, amor, é que eu gosto de ti,<br /> tal como te vestes<br /> e como arranjas<br /> os cabelos e como<br /> a tua boca sorri,<br /> ágil como a água<br /> da fonte sobre as pedras puras,<br /> é assim que te quero, amada,<br /> Ao pão não peço que me ensine,<br /> mas antes que não me falte<br /> em cada dia que passa.<br /> Da luz nada sei, nem donde<br /> vem nem para onde vai,<br /> apenas quero que a luz alumie,<br /> e também não peço à noite explicações,<br /> espero-a e envolve-me,<br /> e assim tu pão e luz<br /> e sombra és.<br /> Chegastes à minha vida<br /> com o que trazias,<br /> feita<br /> de luz e pão e sombra, eu te esperava,<br /> e é assim que preciso de ti,<br /> assim que te amo,<br /> e os que amanhã quiserem ouvir<br /> o que não lhes direi, que o leiam aqui<br /> e retrocedam hoje porque é cedo<br /> para tais argumentos.<br /> Amanhã dar-lhes-emos apenas<br /> uma folha da árvore do nosso amor, uma folha<br /> que há de cair sobre a terra<br /> como se a tivessem produzido os nosso lábios,<br /> como um beijo caído<br /> das nossas alturas invencíveis<br /> para mostrar o fogo e a ternura<br /> de um amor verdadeiro.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Tu eras também uma pequena folha<br /> que tremia no meu peito.<br /> O vento da vida pôs-te ali.<br /> A princípio não te vi: não soube<br /> que ias comigo,<br /> até que as tuas raízes<br /> atravessaram o meu peito,<br /> se uniram aos fios do meu sangue,<br /> falaram pela minha boca,<br /> floresceram comigo.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Dois amantes felizes não têm fim nem morte,<br /> nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,<br /> são eternos como é a natureza.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
É assim que te quero, amor,<br /> assim, amor, é que eu gosto de ti,<br /> tal como te vestes<br /> e como arranjas<br /> os cabelos e como<br /> a tua boca sorri,<br /> ágil como a água<br /> da fonte sobre as pedras puras,<br /> é assim que te quero, amada,<br /> Ao pão não peço que me ensine,<br /> mas antes que não me falte<br /> em cada dia que passa.<br /> Da luz nada sei, nem donde<br /> vem nem para onde vai,<br /> apenas quero que a luz alumie,<br /> e também não peço à noite explicações,<br /> espero-a e envolve-me,<br /> e assim tu pão e luz<br /> e sombra és.<br /> Chegastes à minha vida<br /> com o que trazias,<br /> feita<br /> de luz e pão e sombra, eu te esperava,<br /> e é assim que preciso de ti,<br /> assim que te amo,<br /> e os que amanhã quiserem ouvir<br /> o que não lhes direi, que o leiam aqui<br /> e retrocedam hoje porque é cedo<br /> para tais argumentos.<br /> Amanhã dar-lhes-emos apenas<br /> uma folha da árvore do nosso amor, uma folha<br /> que há de cair sobre a terra<br /> como se a tivessem produzido os nosso lábios,<br /> como um beijo caído<br /> das nossas alturas invencíveis<br /> para mostrar o fogo e a ternura<br /> de um amor verdadeiro.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
Não te quero senão porque te quero,<br /> e de querer-te a não te querer chego,<br /> e de esperar-te quando não te espero,<br /> passa o meu coração do frio ao fogo.<br /> Quero-te só porque a ti te quero,<br /> Odeio-te sem fim e odiando te rogo,<br /> e a medida do meu amor viajante,<br /> é não te ver e amar-te,<br /> como um cego.<br />
Tal vez consumirá a luz de Janeiro,<br /> seu raio cruel meu coração inteiro,<br /> roubando-me a chave do sossego,<br /> nesta história só eu me morro,<br /> e morrerei de amor porque te quero,<br /> porque te quero amor,<br /> a sangue e fogo.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
WALKING AROUND<br />
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,<br /> do meu cabelo e até da minha sombra.<br /> Acontece que me canso de ser homem.<br />
Todavia, seria delicioso<br /> assustar um notário com um lírio cortado<br /> ou matar uma freira com um soco na orelha.<br /> Seria belo<br /> ir pelas ruas com uma faca verde<br /> e aos gritos até morrer de frio.<br />
Passeio calmamente, com olhos, com sapatos,<br /> com fúria e esquecimento,<br /> passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas,<br /> e pátios onde há roupa pendurada num arame:<br /> cuecas, toalhas e camisas que choram<br /> lentas lágrimas sórdidas.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
OS TEUS PÉS<br />
Quando não te posso contemplar<br /> Contemplo os teus pés.<br />
Teus pés de osso arqueado,<br /> Teus pequenos pés duros,<br />
Eu sei que te sustentam<br /> E que teu doce peso<br /> Sobre eles se ergue.<br />
Tua cintura e teus seios,<br /> A duplicada purpura<br /> Dos teus mamilos,<br /> A caixa dos teus olhos<br /> Que há pouco levantaram voo,<br /> A larga boca de fruta,<br /> Tua rubra cabeleira,<br /> Pequena torre minha.<br />
Mas se amo os teus pés<br /> É só porque andaram<br /> Sobre a terra e sobre<br /> O vento e sobre a água,<br /> Até me encontrarem.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
ANGELA ADONICA<br />
Hoje deitei-me junto a uma jovem pura<br /> como se na margem de um oceano branco,<br /> como se no centro de uma ardente estrela<br /> de lento espaço.<br />
Do seu olhar largamente verde<br /> a luz caía como uma água seca,<br /> em transparentes e profundos círculos<br /> de fresca força.<br />
Seu peito como um fogo de duas chamas<br /> ardía em duas regiões levantado,<br /> e num duplo rio chegava a seus pés,<br /> grandes e claros.<br />
Um clima de ouro madrugava apenas<br /> as diurnas longitudes do seu corpo<br /> enchendo-o de frutas extendidas<br /> e oculto fogo..<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br />
*<br />
POEMA XLIV<br />
Saberás que não te amo e que te amo<br /> posto que de dois modos é a vida,<br /> a palavra é uma asa do silêncio,<br /> o fogo tem uma metade de frio.<br />
Eu te amo para começar a amar-te,<br /> para recomeçar o infinito<br /> e para não deixar de amar-te nunca:<br /> por isso não te amo ainda.<br />
Te amo e não te amo como se tivesse<br /> em minhas mãos as chaves da fortuna<br /> e um incerto destino desafortunado.<br />
Meu amor tem duas vidas para amar-te.<br /> Por isso te amo quando não te amo<br /> e por isso te amo quando te amo.<br />
( <a href="http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/pablo-neruda-poemas/">Pablo Neruda</a> )<br /> <em>(Retirado de: Cem sonetos de amor)</em><br />
Conheça Também:<br /> <a href="http://www.fundacionneruda.org/" target="_blank" title="Fundação Pablo Neruda">Fundação Pablo Neruda</a></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-53930012701845128462012-01-24T04:40:00.000-08:002012-01-24T04:42:32.392-08:00Pablo Alborán - Desencuentro<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="344" src="http://www.youtube.com/embed/H8CmvDG_n40?fs=1" width="459"></iframe><br />
<div id="div_letra"> No puedo seguir<br />
buscando tu aroma en el viento<br />
no puedo mentir<br />
y ocultar lo que siento<br />
Intento vivir sufriendo bajo este silencio y de nuevo por ti<br />
me hundo en un infierno<br />
no era prisionero de tus<br />
labios y ahora que estas lejos yo te deseo como el aire<br />
del baile de tu cuerpo<br />
Puedes olvidar mi nombre<br />
puedes olvidar mis besos<br />
pero en el aire permanece<br />
mi voz y mi recuerdo.<br />
Sufriendo por ti me pierdo en un mar de dudas<br />
me mata este dolor, me ahoga mis lagrimas<br />
en dudas mi mar es cada noche mi cuerpo y mi alba haces<br />
lloras mis ojos haces que pierda la calma<br />
No era prisionero de tus labios y ahora que estás lejos<br />
Te deseo como el aire del baile de tu cuerpo<br />
no era prisionero de tus labios y ahora que estas lejos<br />
Yo te deseo como el aire del baile de tu cuerpo<br />
Puedes olvidar mi nombre<br />
Puedes olvidar mis besos<br />
Pero en el aire permanece<br />
mi voz y mi recuerdo</div></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-36809952814854662212012-01-20T07:15:00.000-08:002012-01-20T07:15:41.546-08:00Carlos Drummond de Andrade<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<table border="0" cellpadding="0" cellspacing="0" dir="ltr">
<tbody>
<tr>
<td valign="top"><span style="font-size: small;">
<blockquote>
<br />
<table>
<tbody>
<tr>
<td></td>
<td><br /></td></tr>
</tbody></table>
<br />Os ombros suportam o mundo <br />Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. <br />Tempo de absoluta depuração. <br />Tempo em que não se diz mais: meu amor. <br />Porque o amor resultou inútil. <br />E os olhos não choram. <br />E as mãos tecem apenas o rude trabalho. <br />E o coração está seco. <br /><br />Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. <br />Ficaste sozinho, a luz apagou-se, <br />mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. <br />És todo certeza, já não sabes sofrer. <br />E nada esperas de teus amigos. <br /><br />Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? <br />Teus ombros suportam o mundo <br />e ele não pesa mais que a mão de uma criança. <br />As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios <br />provam apenas que a vida prossegue <br />e nem todos se libertaram ainda. <br />Alguns, achando bárbaro o espetáculo <br />prefeririam (os delicados) morrer. <br />Chegou um tempo em que não adianta morrer. <br />Chegou um tempo que a vida é uma ordem. <br />A vida apenas, sem mistificação.<br /><br />
<hr />
<br /><b>As sem razões do amor</b><br /><br />Eu te amo porque te amo.<br />Não precisas ser amante,<br />e nem sempre sabes sê-lo.<br />Eu te amo porque te amo.<br />Amor é estado de graça<br />e com amor não se paga.<br /><br />Amor é dado de graça,<br />é semeado no vento,<br />na cachoeira, no elipse.<br />Amor foge a dicionários<br />e a regulamentos vários.<br /><br />Eu te amo porque não amo<br />bastante ou demais a mim.<br />Porque amor não se troca,<br />não se conjuga nem se ama.<br />Porque amor é amor a nada,<br />feliz e forte em si mesmo.<br /><br />Amor é primo da morte,<br />e da morte vencedor,<br />por mais que o matem (e matam)<br />a cada instante de amor.<br /><br />
<hr />
<br />Por muito tempo achei que a ausência é falta. <br />E lastimava, ignorante, a falta. <br />Hoje não a lastimo. <br />Não há falta na ausência. <br />A ausência é um estar em mim. <br />E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, <br />que rio e danço e invento exclamações alegres, <br />porque a ausência, essa ausência assimilada, <br />ninguém a rouba mais de mim.<br /><br />
<hr />
<br /><b>Quadrilha</b><br /><br />João amava Teresa que amava Raimundo<br />que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili<br />que não amava ninguém.<br />João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,<br />Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,<br />Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes<br />que não tinha entrado na história.<br /><br />
<hr />
<br />Que pode uma criatura senão,<br />entre outras criaturas, amar?<br />amar e esquecer,<br />amar e malamar,<br />amar, desamar, amar?<br />sempre, e até de olhos vidrados, amar?<br /><br />
<hr />
<br /><b>Destruição</b><br /><br />Os amantes se amam cruelmente <br />e com se amarem tanto não se vêem. <br />Um se beija no outro, refletido. <br />Dois amantes que são? Dois inimigos. <br /><br />Amantes são meninos estragados <br />pelo mimo de amar: e não percebem <br />quanto se pulverizam no enlaçar-se, <br />e como o que era mundo volve a nada. <br /><br />Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma <br />que os passeia de leve, assim a cobra <br />se imprime na lembrança de seu trilho. <br /><br />E eles quedam mordidos para sempre. <br />deixaram de existir, mas o existido <br />continua a doer eternamente.</blockquote>
</span></td></tr>
</tbody></table>
<table border="0" cellpadding="0" cellspacing="0">
<tbody>
<tr>
<td>
<form action="/din/sendmail.php" method="post" name="email" target="Envio">
<input name="subject" type="hidden" /> <input name="url" type="hidden" /> <input name="html" type="hidden" /> </form>
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<!--
function SymError()
{
return true;
}
window.onerror = SymError;
//-->
</script>
<script language="javascript">
function mailpage()
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document.email.subject.value = document.title;
document.email.url.value = location.href;
document.email.html.value = document.all(0).outerHTML;
OpenWin = this.open("", "Envio", "toolbar=no,menubar=no,location=no,scrollbars=auto,resizable=no,width=600,height=250");
document.email.submit();
}
</script>
<div align="center">
<span style="font-size: xx-small;"> <span style="font-family: Comic Sans MS;">Compiladas por <a href="mailto:webmaster@astormentas.com?subject=As%20Tormentas">Luis Rodrigues</a> </span></span></div>
Carlos Drummond de Andrade (Itabira do Mato Dentro [Itabira] MG, 1902 -
Rio de Janeiro RJ, 1987) formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano,
fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico
modernista A Revista. Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde
assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da
Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período,
colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos,
principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a
dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando
poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas
principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930),
Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951),
Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984),
além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e
Farewell (1996). Drummond produziu uma das obras mais significativas da
poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra
tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas
pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a
família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da
existência, e a própria poesia.</td></tr>
</tbody></table>
</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-13306169876793454032012-01-18T10:21:00.000-08:002012-01-18T10:21:17.442-08:00AS ESTÂNCIAS DE DZYAN<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<h3>
<a href="http://eusouu.blogspot.com/2009/12/as-estancias-de-dzyan-estancia-iii.html"><span style="color: windowtext; text-decoration: none;">AS ESTÂNCIAS
DE DZYAN (Estancia I )</span></a></h3>
<h3>
A NOITE DO UNIVERSO<br />
<br />
1 – O PAI ETERNO, ENVOLTO NAS SUAS ROUPAGENS SEMPRE INVISÍVEIS,REPOUSA MAIS UMA
VEZ DORAVANTE SETE ETERNIDADES.<br />
Pai eterno: o espaço mãe.<br />
Roupagens sempre invisíveis: a matéria-raiz.<br />
Sete eternidades: 311.040.000.000.000 anos.<br />
<br />
2 – NÃO EXISTIA O TEMPO, QUE DORMIA NO SEIO INFINITO DE DURAÇÃO.<br />
Seio infinito da duração: onde as duas eternidades do passado e do futuro
fundem-se numa só, o eterno presente.<br />
<br />
3 – NÃO EXISTIA A MENTE UNIVERSAL,PORQUE NÃO EXISTIAM SERES CELESTIAS PARA
CONTÊ-LA.<br />
Para conter: e, portanto para manifestar-se.<br />
<br />
4 – NÃO EXISTIAM OS SETE CAMINHOS PARA AS BEM-AVENTURANÇAS. NÃO EXISTIAM AS
GRANDES CAUSAS DA MISERIA,PORQUE NÃO EXISTIA NINGUEM PARA AS PRODUZIR E SER POR
ELAS ILUDIDO.<br />
Sete caminhos: entrar na corrente, voltar uma única vez, não voltar,
Arhat,seguidos pelos três estágios superiores do Arhatado, dos quais o ultimo é
chamado “o Arhat da névoa de fogo”.<br />
As grandes causas da miséria: que são doze: ignorância, actividades formadoras,
consciência, nome e forma, as seis regiões dos sentidos, contacto, sensação,
sede, apego, existência, nascimento, velhice e morte.<br />
<br />
5 – SOMENTE AS TREVAS ENCHIAM TODO O ESPAÇO ILIMITADO, PORQUE PAI, MÃE E FILHO
ERAM NOVAMENTE UM SÓ, E O FILHO AINDA NÃO DESPERTARA PARA A NOVA RODA E SUA
PEREGRINAÇÃO SOBRE ELA.<br />
Pai, mãe e filho: espírito, substancia, cosmo; tempo, espaço, movimento;
mônada,ego, pessoa.<br />
Roda: globo, cadeia planetária, sistema solar, cosmo.<br />
<br />
6 – OS SETE SENHORES SUBLIMES E AS SETE VERDADES TINHAM DEIXADO DE SER,E O
UNIVERSO, O FILHO DA NECESSIDADE, ESTAVA IMERSO NA BEM-AVENTURANÇA SUPREMA,PARA
SER DESPERTADO POR AQUILO QUE É, NO ENTANTO, NÃO É. NADA EXISTIA.<br />
Sete verdades: somente quatro foram reveladas até agora, umas por cada ronda.<br />
Necessidade: lei da causalidade.<br />
Bem-aventuranças suprema: perfeição absoluta.<br />
<br />
7 – AS CAUSAS DA EXISTÊNCIA TINHAM SIDO EXTINTAS; O VISIVEL QUE EXISTIA, E O
UNIVERSO QUE EXISTE, DESCANSAVAM NO ETERNO NÃO-SER O UNO QUE É.<br />
Causas da existência: idênticas ás causas da miséria do verso 4.<br />
<br />
8 – SÓ, A ÚNICA FORMA DE EXISTÊNCIA ESTENDIA-SE ILIMITADA, INFINITA IMOTIVADA,
NUM SONO SEM SONHOS; E A VIDA PULSAVA INCONSCIENTE NO ESPAÇO UNIVERSAL,ATRAVÉS
DAQUELA ONIPRESENÇA SENTIDA PELO OLHO ABERTO DA ALMA PURIFICADA.<br />
Uma forma de existência: base e fonte de todas as coisas.<br />
Sono sem sonhos: existência sem forma, sem imagens.<br />
Olho aberto: a visão espiritual do vidente.<br />
Alma purificada: Adepto de nível superior.<br />
<br />
9 – MAS ONDE ESTAVA A ALMA PURIFICADA QUANDO A ALMA-RESERVA DO UNIVERSO VIVIA A
REALIDADE ABSOLUTA, E A GRANDE RODA ERA ÓRFÃ.<br />
Alma-reserva: super-alma universal, alma-grupo cósmica.</h3>
<h3>
<a href="http://eusouu.blogspot.com/2009/12/as-estancias-de-dzyan-estancia-iii.html"><span style="color: windowtext; text-decoration: none;">AS ESTÂNCIAS
DE DZYAN (Estancia II)</span></a></h3>
<h3>
<!--[if !supportEmptyParas]--> <!--[endif]--><o:p _moz-userdefined=""></o:p></h3>
<h3>
A IDÉIA DA DIFERENCIAÇÃO<br />
<br />
<br />
1 – ONDE ESTAVAM OS CONTRUTORES, OS FILHOS RESPLANDECENTES DA AURORA DA
EVOLUÇÃO ? NAS SOMBRAS DESCONHECIDAS DA SUA SUPREMA BEM-AVENTURANÇA CELESTIAL.
OS CRIADORES QUE TIRARAM A FORMA DA NÃO-FORMA – A RAIZ DO MUNDO – A MÃE DOS
DEUSES E A SUBSTANCIA-RAIZ, REPOUSAVAM NA BEM-AVENTURANÇA DO NÃO-SER<br />
<i><span style="font-weight: normal;"><br />
<strong><span style="font-weight: normal;">Construtores</span></strong></span></i>:
arquitectos do sistema planetário.<br />
<em><span style="font-weight: normal;">Mãe dos deuses</span></em>: espaço
cósmico.<br />
<br />
2 – ONDE ESTAVA O SILÊNCIO ? ONDE O OUVIDO PARA OUVI-LO ? NÃO, NÃO HAVIA NEM
SILÊNCIO NEM SOM; NÃO HAVIA NADA A NÃO SER O ALENTO INCESSANTE E ETERNO, QUE
NÃO SE CONHECE A SI MESMO.<br />
<i><span style="font-weight: normal;"><br />
<em>Alento eterno</em></span></i>: movimento eterno.<br />
<br />
3 – AINDA NÃO TINHA SOADO A HORA; O RAIO AINDA NÃO TINHA FAISCADO DENTRO DO
GERME; O LÓTUS-MÃE AINDA NÃO TINHA DESABROCHADO.<br />
<i><span style="font-weight: normal;"><br />
<em>Germe</em></span></i>: o ponto no ovo humano que representa a raiz da
matéria.<br />
<em><span style="font-weight: normal;">Lótus</span></em>: símbolo do cosmos.<br />
<br />
4 – SEU CORAÇÃO AINDA NÃO SE ABRIRA PARA QUE NELE PENETRASSE O RAIO ÚNICO PARA
DEPOIS CAIR, COMO OS TRÊS NOS QUATRO, NO SEIO DA ILUSÃO.<br />
<i><span style="font-weight: normal;"><br />
<em>Três</em></span></i>: pai, mãe, filho.<br />
<br />
5 – OS SETE AINDA NÃO TINHAM NASCIDO DA TRAMA DA LUZ. SOMENTE AS TREVAS ERAM O
PAI-MÃE, A SUBSTÂNCIA-RAIZ; E A SUBSTÂNCIA RAIZ EXISTIA NAS TREVAS.<br />
<i><span style="font-weight: normal;"><br />
<em>Os sete</em></span></i>: os sete filhos, os criadores da cadeia planetária.<br />
<em><span style="font-weight: normal;">Substancia-raiz</span></em>: a que enche o
Universo, a raiz de todas as coisas.<br />
<br />
6 – ESSES DOIS SÃO O GERME, E O GERME É UM. O UNIVERSO AINDA ESTAVA OCULTO<br />
NO PENSAMENTO DIVINO E NO REGAÇO DIVINO.</h3>
<h3>
<!--[if !supportEmptyParas]--> <!--[endif]--><o:p _moz-userdefined=""></o:p></h3>
<h3>
<a href="http://eusouu.blogspot.com/2009/12/as-estancias-de-dzyan-estancia-iii.html"><span style="color: windowtext; text-decoration: none;">AS ESTÂNCIAS
DE DZYAN (Estancia III )</span></a></h3>
<div style="margin-bottom: 12pt;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 12pt;">
O DESPERTAR DO COSMOS<br />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br />
<!--[endif]--></div>
<div class="MsoNormal">
1 – A ULTIMA VIBRAÇAO DA SETIMA ETERNIDADE PALPITA ATRAVÉS
DA INFINITUDE. A MÃE INTUMESCE ( INCHA ), EXPANDINDO-SE DE DENTRO PARA FORA,
COMO O BOTAO DO LOTUS.<br />
<em><b>Mãe</b></em>: águas do espaço.<br />
<br />
2 – A VIBRAÇÃO ALASTRA-SE POR TODA A PARTE, TOCANDO COM SUA ASA VELOZ TODO O
UNIVERSO E O GERME ( EMBRIÃO )QUE VIVIA NAS TREVAS , AS TREVAS QUE RESPIRAM
SOBRE AS ADORMECIDAS ÁGUAS DA VIDA.<br />
<em><b>Asa veloz</b></em>: simultaneamente por toda a parte.<br />
<em><b>Que respiram</b></em>: que se movem<br />
<em><b>Águas da vida</b></em>: caos; simbolicamente o principio feminino.<br />
<br />
3 – AS TREVAS IRRADIAM LUZ, E A LUZ LANÇA UM RAIO SOLITARIO NO MEIO DAS ÁGUAS,
NO ABISMO-MÃE. O RAIO PROJECTA-SE ATRAVÉS DO OVO VIRGEM, O RAIO FAZ VIBRAR O
OVO ETERNO, E DEIXA CAIR O GERME NÃO-ETERNO, QUE SE CONDENSA NO INTERIOR DO<br />
OVO-MUNDO.<br />
<em><b>Raio solitário</b></em>: pensamento divino.<br />
<em><b>Ovo-virgem</b></em>: ovário abstracto, existência potencial.<br />
<em><b>Não eterno</b></em>: periódico.<br />
<em><b>Ovo-mundo</b></em>: existência real, concreta.<br />
<br />
4 – OS TRÊS CAEM NOS QUATRO. A ESSÊNCIA RADIANTE TRANSFORMA-SE EM SETE INTERNAS
E SETE EXTERNAS. O OVO LUMINOSO, QUE É TRIPLICE EM SI MESMO, COALHA-SE E
ESPALHA-SE EM COÁGULOS DA BRANCURA DO LEITE ATRAVÉS DAS PROFUNDEZAS DA MÃE, A
RAIZ QUE CRESCE NAS PROFUNDEZAS DO OCEANO DA VIDA. <em><b>Coágulos da brancura
do leite</b></em>: a Via Láctea.<br />
<br />
5 – A RAIZ PERMANECE, A LUZ PERMANECE, OS COÁGULOS PERMANECEM, E O PAÍ-MÃE DOS
DEUSES AINDA É UM SÓ.<br />
<em><b>Pai-mãe dos deuses</b></em>: os seis em um, a raiz septenária que dá
origem a todos.<br />
<br />
6 – A RAIZ DA VIDA ESTAVA EM TODAS AS GOTAS DO OCEANO DA IMORTALIDADE, E O
OCEANO ERA A LUZ RADIANTE, QUE ERA FOGO, CALOR E MOVIMENTO. AS TREVAS
DESAPARECERAM E JÁ NÃO EXISTIAM; DESAPARECERAM NA SUA PROPRIA ESSÊNCIA, O CORPO
DO FOGO E DA ÁGUA, DO PAI E DA MÃE.<br />
<em><b>Fogo, calor, movimento</b></em>: a alma ou essência do fogo físico,
calor, movimento.<br />
<br />
7 – CONTEMPLA, Ó DISCÍPULO, O FILHO RADIOSO DOS DOIS, A GLÓRIA RESPLANDECENTE
SEM IGUAL, O ESPAÇO RESPLANDECENTE, FILHO DO ESPAÇO NEGRO, QUE EMERGE DAS
PROFUNDEZAS DAS GRANDES ÁGUAS NEGRAS. É O PAI-MÃE DOS DEUSES, O MAIS JOVEM, O (
LOGOS ). BRILHA COMO O SOL, É O FLAMEJANTE DRAGÃO DIVINODA SABEDORIA; O UM É
QUATRO, E OS QUATRO TOMAM MAIS TRÊS, E A UNIÃO PRODUZ OS SETE, NA QUAL ESTÃO OS
SETE, QUE SE TRANSFORMAM EM TRINTA, AS HOSTES E MULTIDÕES. CONTEMPLA-O
LEVAN-TANDO O VÉU, E DESFRALDA-O DO ORIENTE PARA O OCIDENTE. ELE CERRA O QUE
ESTA EM CIMA, E DEIXA QUE O QUE ESTÁ EM BAIXO POSSA SER VISTO COMO A GRANDE
ILUSÃO. MARCA OS LUGARES PARA AS QUE RESPLANDECEM, E TRANSFORMA O DE CIMA NUM
MAR DE FOGO SEM PRAIA, E O UM MANIFESTADO NAS GRANDES ÁGUAS.<br />
<em><b>O mais jovem</b></em>: a nova vida.<br />
<em><b>O Um</b></em>: o dragão da sabedoria.<br />
<em><b>As que resplandecem</b></em>: estrelas.<br />
<strong><i>O de cima:</i></strong> espaço.<br />
<em><b>Manifestado</b></em>: elemento.<br />
<br />
8 – ONDE ESTAVA O GERME, E ONDE ESTAVAM AS TREVAS?<br />
ONDE ESTA O ESPIRITO DA CHAMA QUE ARDE NA LÂMPADA, Ó DISCIPULO? O GERME É
AQUILO, E AQUILO É LUZ, O FILHO BRANCO E LUMINOSO DO PAI NEGRO OCULTO.<br />
<em><b>Aquilo:</b></em> o principio irrevelado, a divindade abstracta.<br />
<br />
9 – A LUZ É A CHAMA FRIA, E A CHAMA É O FOGO, E O FOGO GERA O CALOR, QUE PRODUZ
ÁGUA ---- A ÁGUA DA VIDA NA GRANDE MÃE.<br />
<em><b>Luz</b></em>: essência dos nossos ancestrais divinos.<br />
<em><b>Chama fria</b></em>: alma das coisas, nem quente nem fria.<br />
<em><b>Fogo:</b></em> criador, preservador, destruidor.<br />
<em><b>Grande mãe</b></em>: caos.<br />
<br />
10 – O PAI-MÃE TECE UMA TEIA, CUJA PONTA SUPERIOR ESTÁ ATADA AO ESPÍRITO, A LUZ
DA TREVA UNA, E A PONTA INFERIOR AO SEU FIM SOMBRIO, A MATÉRIA; E ESSA TEIA É O
UNIVERSO, TECIDO DAS DUAS SUBSTÂNCIAS REUNIDAS EM UMA, QUE É A SUBSTANCIA-RAIZ.<br />
<br />
11 – EXPANDE-SE QUANDO RECEBE O HÁLITO DO FOGO; CONTRAI-SE AO RECEBER O HÁLITO
DA MÃE. ENTÃO, OS FILHOS SEPARAM-SE E DISPERSAM-SE PARA VOLTAR AO SEIO DA MÃE,
AO FIM DO “ DIA GRANDE ”, E VOLTAM NOVAMENTE A SER UNO COM ELA. AO ESFRIAR-SE,
TORNA-SE RADIANTE. SEUS FILHOS SE EXPANDEM E SE CONTRAEM ATRAVÉS DOS PRÓPRIOS
EGOS E CORAÇÕES; ABARCAM O INFINITO.<br />
<em><b>Ela</b></em>: a teia.<br />
<em><b>Hálito do fogo</b></em>: o pai<br />
<strong><i>Mãe</i></strong>: matéria-raiz.<br />
<em><b>Filhos</b></em>: elementos com os respectivos poderes ou inteligências.<br />
<br />
12 – A SUBSTANCIA-RAIZ ENVIA O TURBILHÃO ÍGNIO ( NATUREZA DO FOGO ) PARA
SOLIDIFICAR O ÁTOMO. CADA UM É PARTE DA TEIA. REFLECTINDO O “ SENHOR AUTO--EXISTENTE
” COMO UM ESPELHO, CADA QUAL TRANSFORMA-SE POR SUA VEZ NUM MUNDO.<br />
<em><b>Turbilhão ígnio</b></em>: electricidade cósmica.<br />
<em><b>Solidificar</b></em>: transmitir energia.<br />
<em><b>Cada um</b></em>: átomo.<br />
<em><b>Teia:</b></em> Universo.<br />
<em><b>Senhor auto-existente</b></em>: a luz original.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-65663397999079137292011-12-15T06:31:00.001-08:002011-12-15T06:31:25.950-08:00António Alçada Baptista<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div align="center">
Extratos da reflexão de António Alçada
Baptista na obra <span style="text-decoration: underline;">O
riso de Deus.</span></div>
"Acho que a grande criatividade é aquela que soubermos pôr nos
nossos atos: fazer da nossa vida uma obra de arte: pôr na nossa
vida a nossa individualidade mais identificada e com um verdadeiro
sentido estético na relação com os outros e com o mundo, é a nossa
grande criação."<br />
<br />
"Amar é uma atitude de compreender e aceitar: é reconhecer os
outros e respeitar a sua liberdade."<br />
<br />
"Possivelmente, o amor continua a chamar-nos do centro do
labirinto e nós andamos às voltas sem sermos capazes de o
encontrar(...) e talvez seja necessário despojarmo-nos de muitas
coisas e tornar a vestir as vestes da inocência para que o amor nos
possa ser revelado."<br />
<br />
"A letra de Deus nem sempre é decifrável e ninguém conhece a
língua em que escreveu a alma humana. Tudo me leva a crer que as
marcações que nos deram para o desempenho da vida passam ao lado do
caminho por onde os nossos afectos poderiam fluir conforme o que
está inscrito no mapa oculto do ser humano(...) Algumas vezes, até
parece que a simplicidade emana do andamento da vida e que bastaria
um pequeno gesto de espírito para passarmos para o lado de lá de
tantas incomodidades que nos fazem viver como se tivéssemos calçado
dois números abaixo da forma da alma."<br />
<br />
"Procurei analisar o que são as minhas angústias. Creio que são
assim uma espécie de reacção a uma forma incómoda que impede o meu
desenvolvimento. Como se eu, periodicamente, tivesse que fazer um
esforço para alargar o meu espaço, como se o estado do meu projecto
interior não fosse cabendo no módulo que estou a usar.<br />
Depois de cada depressão sinto que qualquer coisa em mim ficou
mais livre. É como se eu estivesse preso com várias cadeias e,
depois de atravessar o túnel da depressão, conseguisse libertar-me
de uma. Pergunto-me se cada homem não estará aprisionado pelos
modelos de comportamento que herdou e se isso não atingirá a
própria respiração da sua alma(...)<br />
As minhas depressões talvez sejam as minhas metamorfoses: é a
maneira que eu tenho de passar de lagarta a crisálida. São etapas
de libertação."</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-6643730000811395052011-07-25T07:29:00.000-07:002011-07-25T07:29:09.042-07:00Arthur RimbaudMODERNIDADE, FUTURO E PROGRESSO EM ARTHUR RIMBAUD<br />
<br />
<br />
<br />
Modernity, future and progress in Arthur Rimbaud<br />
<br />
<br />
<br />
Adalberto Luis VICENTE (UNESP/Araraquara)<br />
<br />
RESUMO: Tomando como referência a última parte de Une saison en enfer e, sobretudo, a “Segunda carta do vidente”, endereçada a Paul Demeny, este artigo pretende discutir de que modo a poética de Rimbaud contribui para incluir nas discussões sobre a modernidade conceitos como o novo, o progresso e a crença no futuro, antecipando, assim, questões que serão fundamentais para compreender a modernidade do século XX.<br />
<br />
PALAVRAS-CHAVE: Modernidade; Poesia francesa; Arthur Rimbaud.<br />
<br />
ABSTRACT: Taking as a reference the last part of Une saison en enfer, and especially, the “Second letter of the seer”, addressed to Paul Demeny, this article intends to discuss how Rimbaud’s poetry contributes to including, in discussions about modernity, concepts such as the new, progress, and the belief in the future, anticipating thus issues that will be fundamental to understanding the modernity of the twentieth century.<br />
<br />
KEYWORS: Modernity; French poetry, Arthur Rimbaud.<br />
<br />
O epílogo de Une saison en enfer, ao qual Rimbaud dá o título de “Adieu”, divide-se em duas partes. A primeira delas é célebre por tratar-se do texto em que o poeta parece despedir-se da literatura depois de um breve balanço de sua empreitada poética:<br />
<br />
<br />
<br />
– Vejo às vezes no céu praias sem fim cobertas de brancas nações de júbilo. Grande nave dourada, acima de mim, agita pavilhões multicores à brisa da manhã. Criei todas as festas, todos os triunfos, todos os dramas. Tentei inventar novas flores, novos astros, novas carnes, novas línguas. Acreditei-me possuído de poderes sobrenaturais. Pois bem! devo enterrar minha imaginação e minhas lembranças! Bela glória de artista e prosador que lá se vai!<br />
<br />
Eu! Eu me dizia mago ou anjo, eximido de qualquer moral, sou devolvido ao solo, com um dever a cumprir e forçado a abraçar a áspera realidade! Aldeão! (RIMBAUD, 1998, p. 189).<br />
<br />
<br />
<br />
Na segunda parte do epílogo, no entanto, o tom de fracasso ameniza-se. O poeta alude a uma “hora nova” e afirma “ter alcançado a vitória” para então anunciar uma das mais contundentes afirmações sobre a modernidade:<br />
<br />
Sim, a hora nova é pelo menos severíssima.<br />
<br />
Porque posso afirmar ter alcançado a vitória: o ranger de dentes, o silvar do fogo, os suspiros pestilentos se moderam. Todas as lembranças imundas se esvanecem. Meus últimos pesares se retiram – inveja dos mendigos, malfeitores, amigos da morte, retardados de todas as espécies. Danados, se eu me vingasse!<br />
<br />
Sejamos absolutamente modernos.<br />
<br />
Nada de cânticos: manter o terreno conquistado. Dura noite! O sangue seco esturrica no meu rosto, atrás de mim só tenho aquele horrendo arbusto!... (RIMBAUD, 1998, p. 191).<br />
<br />
<br />
<br />
Depois que Baudelaire introduziu o termo modernidade no horizonte literário do século XIX, dando-lhe o significado particular de conciliação do contingente e do eterno, nenhum outro poeta havia enfatizado tanto a necessidade de ser moderno. O contexto em que a afirmação aparece em “Adieu” marca, no entanto, uma postura diferente daquela do autor de Les fleurs du mal. O fim de uma etapa de vida e de um projeto poético anunciados na parte anterior propicia uma “hora nova”, um tempo novo em que o poeta alcança a vitória pelo esvanecimento de “todas as lembranças imundas”. A necessidade de ser moderno é vista agora como a manutenção do “terreno conquistado”. Expressões como “novo”, “alcançar vitória” e, sobretudo, “manter o terreno conquistado” projetam a idéia de modernidade para a temporalidade futura: o presente agora se abre ao futuro e não mais se coloca em sua união com o eterno. O poeta pretende ser o primeiro dos novos videntes, aos quais virão suceder, no futuro, outros “horríveis trabalhadores”, que “começarão pelos horizontes em que o outro [vidente] foi abatido” (RIMBAUD, 1980, p. 186), como afirma o poeta na Carta a Paul Demeny. A modernidade rimbaudiana afasta-se assim da visão pessimista que Baudelaire tinha do futuro e marca uma nova aliança com o tempo, que integrará o projeto de modernidade das vanguardas históricas. Com Rimbaud, o culto ao novo e a crença no futuro tornam-se componentes importantes do conceito de modernidade.<br />
<br />
Dois anos antes de escrever “Adieu”, Rimbaud já havia anunciado seu projeto poético nas duas cartas conhecidas como Cartas do Vidente: a primeira, mais sintética, é destinada a Georges Izambard e está datada de 13 de maio de 1871. A segunda, endereçada Paul Demeny, foi escrita dois dias depois e constitui o texto mais importante para compreensão da poética rimbaudiana. Nessas Cartas, o poeta-adolescente delineia sua compreensão da relação entre tradição e inovação; entre presente, futuro e progresso. Encontramos, sobretudo na segunda Carta, alguns vocábulos que, a partir de então, vão compor o campo de discussão em torno da modernidade. Como lembra Antoine Compagnon no primeiro capítulo de Os Cinco paradoxos da modernidade (2003), adentrar no conceito de modernidade é embrenhar-se em um labirinto de vocábulos que aparecem aos pares: “antigo e moderno, clássico e romântico, tradição e originalidade, rotina e novidade, imitação e inovação, evolução e revolução, decadência e progresso, etc” (p. 15). Pensar a modernidade parece ser assim um jogo de conceitos que, se não são necessariamente sinônimos, “formam um paradigma e se interpenetram” (COMPAGNON, 2003, p.15). As duas Cartas do Vidente são documentos significativos para se detectar o momento em que esse paradigma se estabelece nos moldes que tomará nas discussões sobre a modernidade no século XX.<br />
<br />
O poeta apresenta a Segunda Carta como “uma hora de literatura nova” (RIMBAUD, 1980, p. 185) e inicia o texto com o poema “Chant de guerre parisien” ao qual atribui a qualificação de “salmo de atualidade” (RIMBAUD, 1980, p.185). O texto foi inspirado na Comuna de Paris, episódio que marcou profundamente o adolescente de Charleville e que elevou o tom crítico de sua poesia e a revolta que então impregnava seu espírito. Essa relação com o fato histórico demonstra o compromisso desta “literatura nova” com o presente, com os fatos do momento. Matei Calinescu (1991) afirma que o adjetivo e o substantivo “modernus” surgem na Baixa Idade Média, derivados de “modo”, que significa recente, do agora. Embora ainda não haja uma oposição forte entre os termos, os “moderni” representavam os autores da atualidade, do presente, que pertenciam ao agora e que nele estavam imersos, em oposição aos “antiqui”, termo que designava os autores do passado, no caso, os escritores gregos e os pais da Igreja (cf. CALINESCU, 1991, p. 23-25). O termo moderno preserva, de seus primeiros empregos, esse traço semântico de compromisso com o presente, e é neste sentido que Rimbaud nos apresenta o poema “Chant de guerre parisien” como exemplo de literatura nova e compromissada com o presente.<br />
<br />
O poeta inicia então a Carta propriamente dita, que nos é apresentada como “prosa sobre o futuro da poesia” (RIMBAUD, 1980, p. 185). O texto constitui, portanto, um projeto de poesia futura. O momento é de um novo tempo para a poesia, que, aliada agora ao presente, pretende antecipar o futuro, ou seja, “buscar o novo no presente voltado para o futuro” (COMPAGNON, 2003, p. 38). Para o autor de Os Cinco Paradoxos da Modernidade (2003), essa postura distingue os primeiros modernos, “[...] que não acreditavam [...] no dogma do progresso, do desenvolvimento e da superação. Não depositavam sua confiança no tempo nem na história, onde não esperavam obter revanche.” (p. 37), dos modernos da geração de 1870, entre os quais se destacam Rimbaud e Lautréamont. Estes dois poetas, embora atentos ao presente, projetam seu olhar para o futuro e para a coletividade. É natural, portanto, que manifestem a pretensão de fazer tábua rasa do passado, antecipando assim a militância das vanguardas históricas em sua pretensão antipassadista.<br />
<br />
Nos parágrafos seguintes da Segunda Carta, Rimbaud exprime sua revolta contra a tradição e passa a pôr abaixo a “velharia poética”, da poesia grega aos românticos. No entanto, é preciso atentar para argumento particular que o poeta utiliza para negar o passado: “se os velhos imbecis não tivessem encontrado apenas a significação falsa do Eu, não teríamos que varrer esses milhões de esqueletos que, há um tempo infinito, acumularam os produtos de sua inteligência caolha proclamando-se autores”. (RIMBAUD, 1980, p. 196).<br />
<br />
A diferença entre os “velhos imbecis” e o poeta moderno está, portanto, ancorada na significação do Eu. Para fazer-se vidente, o poeta deve antes conhecer a si mesmo, “ele procura sua alma, inspeciona-a, tenta-a, aprende-a” (p. 196) a fim de alcançar um sentido mais autêntico do Eu. Como já anunciara na Primeira Carta do Vidente por meio da célebre frase “Eu é um outro”, Rimbaud considera o Eu como o repositório da imaginação, das sensações e das infinitas possibilidades do ser. A afirmação de que o eu é um outro, em sua complexa singeleza, tem gerado diversas leituras, sobretudo com a intenção de apreender a pluralidade da personalidade do poeta. Fala-se em dupla personalidade, consciência de um dualismo interno profundo, oposição entre o Rimbaud-menino, afável e bem comportado, mas oprimido pelos cuidados maternos, e o Rimbaud-poeta, embriagado pela revolta e pelo desejo de liberdade. Guy Michaud e Hugo Friedrich, apoiados em certas passagens da Carta, lembram que a frase “eu é um outro” alude ao processo de criação e às manifestações do inconsciente. O poeta vidente não é mais subjugado pelas musas, mas pelas camadas coletivas profundas que o poeta chama de “alma universal”. Esta se manifesta a partir de idéias que brotam das profundezas do Eu: “asssisto à eclosão do meu pensamento: eu a observo, eu a ouço: lanço uma flecha: a sinfonia revolve-se nas profundezas ou vem de um salto para a cena” (RIMBAUD, 1980, p. 186). É possível imaginar a fascinação que uma declaração dessa natureza causou nos surrealistas, que viram no texto das Cartas do Vidente uma primeira teorização da escrita automática e da livre associação. Para Rimbaud, portanto, a poesia é uma forma de conhecimento e para isso o criador necessita, antes de tudo, cultivar sua alma. E é preciso ser vidente, fazer-se vidente. Por um ato volitivo, o poeta atinge o “Inconnu”. No entanto, há um método para se chegar a ele, o desregramento de todos os sentidos:<br />
<br />
<br />
<br />
O poeta se faz vidente por um longo, imenso, e racional desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura, ele procura a si mesmo, ele esgota nele todos os venenos, para guardar apenas a quintessência. Inefável tortura na qual tem necessidade de toda fé, de toda força sobre-humana, onde ele se torna, entre todos, o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito – e o Supremo Sábio! – Pois ele chegou ao Desconhecido. (RIMBAUD, 1980, p. 186).<br />
<br />
<br />
<br />
Mesmo antes de aventurar-se em Paris – a partida só se efetivará quatro meses depois da escritura das Cartas –, o adolescente de Charleville já possui, como lembra Suzanne Bernard, um dogma, a vidência, e um método, o desregramento de todos os sentidos. (cf. Introduction. In: RIMBAUD, 1980, p. XXXIII). Além disso, a criação poética está associada ao conhecimento de si mesmo e do mundo. O ato criador constitui, portanto, um ato vital, enraizado na reorganização da realidade por meio da imaginação, das pulsões interiores e das sensações. A poética de Rimbaud sugere, como outras poéticas da modernidade, a inseparabilidade entre arte e vida. Mas fazer-se vidente é também um processo de renovação da linguagem. “As invenções do desconhecido exigem formas novas” (RIMBAUD, 1980, p.188), escreve o poeta, que se propõe a “encontrar uma língua” (p. 187) para exprimir “o novo: idéias e formas” (p. 188). A experiência da vidência está, portanto, associada à criação de uma linguagem nova, capaz de transmitir da maneira mais intacta possível as criações do Desconhecido.<br />
<br />
A rejeição do passado se dá porque, para Rimbaud, o verdadeiro poeta, alimentado pelo desejo de chegar ao Desconhecido, busca inspecionar sua alma por meio de um método consciente e bem definido e ao fazê-lo necessita de meios de expressão adequados para expressar o inaudito, a “nova língua”, que rejeita o discurso racional e lógico e desafia nossos hábitos de leitura conforme codificados pela tradição.<br />
<br />
Depois de incluir na Carta outro salmo, o poema “Mes petites amoureuses”, que o poeta considera “hors texte”, Rimbaud retoma a discussão sobre a poesia e sua função. Chama atenção, nessa passagem, a predominância de verbos no futuro ou em tempos que remetem ao futuro. É o momento em que o poeta apresenta seu ideal de poesia vindoura e antecipa os princípios que regerão o fazer poético vindouro. Primeiramente o poeta é definido como um “ladrão de fogo”. Como Prometeu, ele deverá encarregar-se de toda humanidade, mas de um modo particular, fazendo sentir, apalpar, escutar suas invenções (cf. RIMBAUD, 1980, p. 187). Assim como Lautréamont aventou a possibilidade de uma poesia coletiva, Rimbaud alude a uma língua universal, que fale a todos os homens: “Esta língua será de alma para alma, resumindo tudo, perfumes, sons, cores, pensamento tocando o pensamento e puxando” (RIMBAUD, 1980, p. 187). Nota-se, portanto, que a língua universal está fundamentada nas sensações e, como estas estão ancoradas no corpo, chega-se à universalidade e à materialidade. Além da criação da língua universal, o poeta tem outra missão importante: “definir a quantidade de desconhecido que se revela em seu tempo”. O poeta é responsável pelo novo, é capaz de criar, por meio de seu poder imaginativo, um novo núcleo, um novo nó no universo. Esse nó é o poema, organização verbal única, que estabelece novas modalidades de relação entre as coisas. O verdadeiro poeta não reproduz a realidade, mas acrescenta a ela algo novo. Dois elementos importantes associados à modernidade estão presentes nessa idéia. A primeira delas diz respeito ao culto do novo como valor absoluto, que no limite vai estar condenado a ser superado. O segundo é a idéia do progresso no campo artístico: o poeta, diz Rimbaud, será um multiplicador de progresso, a poesia não ritmará a ação, estará avante. E avisa: “Esses poetas serão!”. Ao pensar no poeta como um multiplicador de progresso, Rimbaud, como lembra Renato Poggioli (1997), parece tentar conciliar duas vanguardas, a de tradição sócio-política, que inspirou Saint-Simon e Fourier, que acreditavam no progresso das artes e concebiam o poeta como um guia para a humanidade, e a vanguarda estética do final do século, completamente arredia ao conceito de progresso e ao engajamento, fechada no esteticismo dos decadentes, na ambição metafísica de Mallarmé, ou na torre de marfim dos simbolistas. Comentando a Carta do vidente, afirma Poggioli:<br />
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<br />
Por um instante, as duas vanguardas parecem estar aliadas ou unidas, renovando assim a precedente tradição romântica estabelecida no decorrer das gerações encerradas entre as revoluções de 1830 e 1848 [...] Esta aliança sobreviveu na França até a primeira das modernas revistas literárias, intitulada significativamente La Revue independente. Esta revista, fundada em 1880, foi talvez o último órgão que reuniu fraternalmente os rebeldes da política e os rebeldes da arte, os representantes das opiniões avançadas nas esferas do pensamento social e artístico. Depois, logo houve o que poderíamos chamar de divórcio entre as duas vanguardas. (1997, p. 11-12).<br />
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<br />
Ao comentar o texto de Poggioli, Calinescu atenua a separação absoluta entre as duas vanguardas. No entanto, esse reencontro pleno entre a vanguarda estética e a vanguarda política só se fará presente novamente no início do século passado, com a militância política das vanguardas históricas. Para Rimbaud, o futuro já se projeta como continuidade e completude do presente. Evidentemente é preciso relativizar o conceito de progresso em Rimbaud. Não está presente em sua concepção de progresso a ideia de evolução, nem existe um juízo de valor. Para ele o progresso é, sobretudo, cumulativo. Cada poeta é responsável pela quantidade de desconhecido em seu tempo, pois o ato de criar o novo força as portas do conhecimento presente. Assim, os poetas do futuro, vivendo o presente do porvir, virão somar suas visões àquelas dos poetas do passado.<br />
<br />
A aliança entre o presente e o futuro torna-se um tema relativamente frequente na produção poética de Rimbaud e se reveste das mais variadas roupagens poéticas. Uma das ocorrências mais significativas desse tema encontra-se no último poema das Illuminations, “Génie”. Apesar da diversidade de interpretações que o poema suscita entre os estudiosos da obra de Rimbaud, é inegável que o Gênio de que trata o poema é o próprio poeta. Seu canto vem anunciar os tempos novos. No primeiro parágrafo do texto, o Gênio é apresentado em sua relação com o presente e com o futuro:<br />
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<br />
Ele é a afeição e o presente pois fez a casa aberta ao inverno espumoso e ao rumor do verão, ele que purificou as bebidas e os alimentos, ele que é o encanto dos lugares fugazes e a delícia sobreumana das estações. Ele é o afeto e o futuro, a força e o amor que nós, tesos nas iras e nos tédios, vemos passar no céu de tempestade e as bandeiras de êxtase (RIMBAUD, 1998, p. 301).<br />
<br />
<br />
<br />
A condição do Gênio realiza-se na intersecção do presente e do futuro. Ele é o ídolo de uma nova era, o primeiro dos tempos novos, aquele que abre as portas para o que virá, antecipando o futuro no presente. Por isso o poeta, ao final do poema, convida-nos a “convocá-lo e vê-lo”, a “seguir suas vistas, seus sopros, seu corpo, seu dia” (p. 303). Definido inicialmente como a afeição presente e futura, o Gênio é também “a força e o amor” e Rimbaud celebra nele “a fecundidade do espírito” e a “imensidão do universo”. Ele encarna a era moderna que vê a abolição das superstições, a migração dos povos e, enfim, o amor universal, “medida perfeita e reinventada” (p.301). Mas para que o presente torne-se sinal do futuro é preciso romper com certos preceitos ultrapassados. A voz do Gênio faz-se profética, pois é um convite a uma mudança de rumo, a um novo presente: “Afaste estas superstições, esses antigos corpos, as idades e comodidades. Foi esta época que soçobrou” (p. 301). O Gênio traz em seu próprio corpo “o estilhaçar da graça cruzada de violência nova”, pois o futuro só se instaurará por um ato de violência contra a tradição, contra a retórica desgastada, contra as limitações do ser. Como se pode notar, o tom entusiástico, a eloquência das imagens, a dialética da ruptura e a “religião” do futuro dão a “Génie” o tom de um manifesto cujos princípios e cuja retórica não estão muito distantes daqueles que adotarão as vanguardas de tendência futurista.<br />
<br />
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<br />
REFERÊNCIAS<br />
<br />
CALINESCU, M. Cinco caras de la modernidad. Traducción de María Teresa Beguiristain. Madrid: Tecnos, 1991.<br />
<br />
COMPAGNON, A. Os Cinco paradoxos da modernidade. Tradução de Cleonice P. B. Mourão, Consuelo F. Santiado e Eunice D. Galéry. Belo Horizonte: UFMG, 2003.<br />
<br />
POGGIOLI, R. The Theory of Avant-Garde. Cambridge/London: Harvard University Press, 1997.<br />
<br />
RIMBAUD, A. Oeuvres. Édition de Suzanne Bernard. Paris: Garnier, 1960.<br />
<br />
______. Prosa poética. Tradução, prefácio e notas de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.<br />
<br />
RIMBAUD, A.; LAUTRÉAMONT; CORBIÈRE, T.; CROS, C. Oeuvres poétiques complètes. Paris: Robert Lafont, 1980.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-47260247605745176212011-07-25T07:16:00.001-07:002011-07-25T07:16:29.196-07:00Edgar Morin e Rimbaud“A questão do amor regressa a esta posse recíproca: possuir o que nos possui. Somos produzidos por processos que nos precederam; somos possuídos por coisas que nos ultrapassam e que irão para além de nós, mas de uma certa forma, somos capazes de as possuir.<br />
<br />
Por outro lado, sempre, a dupla posse, constitui a trama e a própria experiência das nossas vidas.<br />
<br />
E terminarei dando à procura do amor a fórmula de Rimbaud, a da procura de uma verdade que esteja, ao mesmo tempo, numa alma e num corpo.”<br />
<br />
<br />
<br />
Edgar Morin. Amor, Poesia, SabedoriaAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-51984240613794763402011-06-17T07:40:00.001-07:002011-06-17T08:08:15.277-07:00Dante Alighieri - Opera Omnia A Divina ComédiaTraduzido por José Pedro Xavier Pinheiro<br />
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INFERNO<br />
<br />
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<br />
CANTO I<br />
<br />
[ Dante, perdido numa selva escura, erra nela toda a noite. Saindo ao amanhecer, começa a subir por uma colina, quando lhe atravessam a passagem uma pantera, um leão e uma loba, que o repelem para a selva. Aparece-lhe então a imagem de Virgílio, que o reanima e se oferece a tirá-lo de lá, fazendo-o passar pelo Inferno e pelo Purgatório. Beatriz, depois, o guiará ao Paraíso. Dante o segue. ]<br />
<br />
DA nossa vida, em meio da jornada,<br />
Achei-me numa selva tenebrosa,<br />
Tendo perdido a verdadeira estrada.<br />
<br />
Dizer qual era é cousa tão penosa,<br />
Desta brava espessura a asperidade,<br />
Que a memória a relembra inda cuidosa.<br />
<br />
Na morte há pouco mais de acerbidade;<br />
Mas para o bem narrar lá deparado<br />
De outras cousas que vi, direi verdade.<br />
<br />
Contar não posso como tinha entrado;<br />
Tanto o sono os sentidos me tomara,<br />
Quando hei o bom caminho abandonado.<br />
<br />
Depois que a uma colina me cercara,<br />
Onde ia o vale escuro terminando,<br />
Que pavor tão profundo me causara.<br />
<br />
Ao alto olhei, e já, de luz banhando,<br />
Vi-lhe estar às espaldas o planeta,<br />
Que, certo, em toda parte vai guiando.<br />
<br />
Então o assombro um tanto se aquieta,<br />
Que do peito no lago perdurava,<br />
Naquela noite atribulada, inquieta.<br />
<br />
E como quem o anélito esgotava<br />
Sobre as ondas, já salvo, inda medroso<br />
Olha o mar perigoso em que lutava,<br />
<br />
O meu ânimo assim, que treme ansioso,<br />
Volveu-se a remirar vencido o espaço<br />
Que homem vivo jamais passou ditoso.<br />
<br />
Tendo já repousado o corpo lasso,<br />
Segui pela deserta falda avante;<br />
Mais baixo sendo o pé firme no passo.<br />
<br />
Eis da subida quase ao mesmo instante<br />
Assoma ágil e rápida pantera<br />
Tendo a pele por malhas cambiante.<br />
<br />
Não se afastava de ante mim a fera;<br />
E em modo tal meu caminhar tolhia,<br />
Que atrás por vezes eu tornar quisera.<br />
<br />
No céu a aurora já resplandecia,<br />
Subia o sol, dos astros rodeado,<br />
Seus sócios, quando o Amor divino um dia<br />
<br />
A tais primores movimento há dado.<br />
Me infundiam desta arte alma esperança<br />
Da fera o dorso alegre e mosqueado,<br />
<br />
A hora amena e a quadra doce e mansa.<br />
De um leão de repente surge o aspecto,<br />
Que ao meu peito o pavor de novo lança.<br />
<br />
Que me investisse então cuido inquieto;<br />
Com fome e raiva atroz fronte levanta;<br />
Tremer parece o ar ao seu conspeto.<br />
<br />
Eis surge loba, que de magra espanta;<br />
De ambições todas parecia cheia;<br />
Foi causa a muitos de miséria tanta!<br />
<br />
Com tanta intensa torvação me enleia<br />
Pelo terror, que o cenho seu movia,<br />
Que a mente à altura não subir receia.<br />
<br />
Como quem lucro anela noite e dia,<br />
Se acaso o tempo de perder lhe chega,<br />
Rebenta em pranto e triste se excrucia,<br />
<br />
A fera assim me fez, que não sossega;<br />
Pouco a pouco me investe até lançar-me<br />
Lá onde o sol se cala e a luz me nega.<br />
<br />
Quando ao vale eu já ia baquear-me<br />
Alguém fraco de voz diviso perto,<br />
Que após largo silêncio quer falar-me.<br />
<br />
Tanto que o vejo nesse grão deserto,<br />
— “Tem compaixão de mim” — bradei transido —<br />
“Quem quer que sejas, sombra ou homem certo!”<br />
<br />
“Homem não sou” tornou-me — “mas hei sido,<br />
Pais lombardos eu tive; sempre amada<br />
Mântua lhes foi; haviam lá nascido.<br />
<br />
“Nasci de Júlio em era retardada,<br />
Vivi em Roma sob o bom Augusto,<br />
Quando em deuses havia a crença errada.<br />
<br />
“Poeta, decantei feitos do justo<br />
Filho de Anquíses, que de Tróia veio,<br />
Depois que Ílion soberbo foi combusto.<br />
<br />
“Mas por que tornas da tristeza ao meio?<br />
Por que não vais ao deleitoso monte,<br />
Que o prazer todo encerra no seu seio?”<br />
<br />
“— Oh! Virgílio, tu és aquela fonte<br />
Donde em rio caudal brota a eloqüência?”<br />
Falei, curvando vergonhoso a fronte. —<br />
<br />
“Ó dos poetas lustre, honra, eminência!<br />
Valham-me o longo estudo, o amor profundo<br />
Com que em teu livro procurei ciência!<br />
<br />
“És meu mestre, o modelo sem segundo;<br />
Unicamente és tu que hás-me ensinado;<br />
O belo estilo que honra-me no mundo.<br />
<br />
“A fera vês que o passo me há vedado;<br />
Sábio famoso, acude ao perseguido!<br />
Tremo no pulso e veias, transtornado!”<br />
<br />
Respondeu, do meu pranto condoído;<br />
“Te convém outra rota de ora avante<br />
Para o lugar selvagem ser vencido.<br />
<br />
“A fera, que te faz bradar tremante,<br />
Aqui passar não deixa impunemente;<br />
Tanto se opõe, que mata o caminhante.<br />
<br />
“Tem tão má natureza, é tão furente,<br />
Que os apetites seus jamais sacia,<br />
E fome, impando, mais que de antes sente.<br />
<br />
“Com muitos animais se consorcia,<br />
Há-de a outros se unir té ser chegado<br />
Lebréu, que a leve à hórrida agonia.<br />
<br />
“Por ouro ou por poder nunca tentado<br />
Saber, virtude, amor terá por norte,<br />
Sendo entre Feltro e Feltro potentado.<br />
<br />
“Será da humilde Itália amparo forte,<br />
Por quem Camila a virgem dera a vida,<br />
Turno Eurialo, Niso acharam morte.<br />
<br />
“Por ele, em toda parte, repelida<br />
Irá lançar-se no infernal assento,<br />
Donde foi pela Inveja conduzida.<br />
<br />
“Agora, por teu prol, eu tenho o intento<br />
De levar-te comigo; ir-te-ei guiando<br />
Pela estância do eterno sofrimento,<br />
<br />
“Onde, estridentes gritos escutando,<br />
Verás almas antigas em tortura<br />
Segunda morte a brados suplicando.<br />
<br />
“Outros ledos verás, que, em prova dura<br />
Das chamas, inda esperam ter o gozo<br />
De Deus no prêmio da imortal ventura.<br />
<br />
“Se lá subir quiseres, um ditoso<br />
Espírito, melhor te será guia,<br />
Quando eu deixar-te, ao reino glorioso.<br />
<br />
“Do céu o Imperador, a rebeldia<br />
Minha à lei castigando, não consente<br />
Que eu da cidade sua haja a alegria.<br />
<br />
“Em toda parte impera onipotente,<br />
Mas tem no Empíreo sua augusta sede:<br />
Feliz, por ele, o eleito à glória ingente!”<br />
<br />
— “Vate, rogo-te” — eu disse — “me concede,<br />
Por esse Deus, que nunca hás conhecido,<br />
Porque este e maior mal de mim se arrede.<br />
<br />
“Que, até onde disseste conduzido,<br />
À porta de São Pedro eu vá contigo<br />
E veja os maus que houveste referido”.<br />
<br />
Move-se o Vate então, após o sigo.<br />
CANTO II<br />
<br />
[ Depois da invocação às Musas, Dante, considerando a sua fraqueza, duvida de aventurar-se na viagem. Dizendo-lhe, porém, Virgílio, que era Beatriz quem o mandava, e que havia quem se interessava pela sua salvação, determina-se segui-lo e entra com o seu guia no difícil caminho. ]<br />
<br />
FORA-se o dia; e o ar, se enevoando,<br />
Aos animais, que vivem sobre a terra,<br />
As fadigas tolhia; eu só, velando,<br />
<br />
Me aparelhava a sustentar a guerra<br />
Da jornada, assim como da piedade,<br />
Que vai pintar memória, que não erra.<br />
<br />
Ó Musas! Ó do gênio potestade!<br />
Valei-me! Aqui, ó mente, que guardaste<br />
Quanto vi, mostra a egrégia qualidade.<br />
<br />
“Poeta”, — assim falei, — “que começaste<br />
A guiar-me, vê bem se em mim persiste<br />
Calor que, à empresa que me fias, baste.<br />
<br />
“Que o pai do Sílvio fora, referiste,<br />
Corrutível ainda, até o inferno<br />
Sem perder o que em corpo humano existe.<br />
<br />
“Se do mal assim quis o imigo eterno,<br />
Origem vendo nele do alto efeito,<br />
O que e o qual, segundo o que discerno,<br />
<br />
“Pela razão bem pode ser aceito;<br />
Que para Roma e o império se fundarem<br />
Fora no céu por genitor eleito;<br />
<br />
“À qual e ao qual cabia aparelharem,<br />
Dizendo-se a verdade, o lugar santo<br />
Aos que do maior Pedro o sólio herdaram.<br />
<br />
“Nessa empresa, em que o hás louvado tanto,<br />
Cousas ouviu, de que surgiu motivo<br />
Ao seu triunfo e ao pontifício manto.<br />
<br />
“Lá foi o Vaso Eleito ainda vivo:<br />
Conforto ia buscar, à fé, que à estrada<br />
Da salvação princípio é decisivo.<br />
<br />
“Por que irei? Quem permite esta jornada?<br />
Enéias, Paulo sou? Essa ventura<br />
Nem eu, nem outrem crê ser-me adatada.<br />
<br />
“Receio, pois seja ato de loucura,<br />
Se eu me resigno a cometer a empresa.<br />
Supre, és sábio, o que digo em frase escura”.<br />
<br />
Como quem ora quer, ora despreza,<br />
Sua alma a idéias novas tem disposta,<br />
Mostrando aos seus desígnios estranheza,<br />
<br />
Assim fiz eu na tenebrosa encosta,<br />
Porque, pensando, abandonava o intento,<br />
Formado à pressa, que ora me desgosta.<br />
<br />
“Do teu dizer se atinjo o entendimento”<br />
— Do magnânimo a sombra me tornava, —<br />
“Eivado estás de ignóbil sentimento,<br />
<br />
“Que do homem muita vez faz alma ignava,<br />
Das honrosas ações o desviando,<br />
Qual sombra, que o corcel ao medo trava.<br />
<br />
“Desse temor livrar-te desejando,<br />
Por que vim te direi e quanto ouvido<br />
Hei logo ao ver-te mísero lutando.<br />
<br />
“No Limbo era suspenso: eis requerido<br />
Por Dama fui tão bela, tão donosa,<br />
Que as ordens suas presto lhe hei pedido.<br />
<br />
“Brilhavam mais que a estrela radiosa<br />
Os seus olhos; suave assim dizia<br />
De anjo com voz, falando-me piedosa:<br />
<br />
— “De Mântua alma cortês, que inda hoje em dia<br />
No mundo gozas fama tão sonora,<br />
Que, enquanto existir mundo, mais se amplia,<br />
<br />
“Amigo meu, que a sorte desadora,<br />
Pela deserta falda indo, impedido<br />
De medo, atrás os passos volta agora.<br />
<br />
“Temo que esteja tanto já perdido,<br />
Que tarde eu tenha vindo a socorrê-lo,<br />
Pelo que lá no céu dele hei sabido.<br />
<br />
“Parte, pois, e com teu discurso belo<br />
E quanto o salvar possa do perigo<br />
Lhe acode; e me console o teu desvelo.<br />
<br />
“Sou Beatriz, que envia-te ao que digo,<br />
De lugar venho a que voltar desejo:<br />
Amor conduz-me e faz-me instar contigo.<br />
<br />
“Voltando ao meu Senhor, em todo o ensejo<br />
Repetirei louvor, que hás merecido”. —<br />
“Tornei-lhe, quando já calar-se a vejo:<br />
<br />
— “Senhora da virtude, a quem tem sido<br />
Dado só que proceda a espécie humana<br />
Quanto é no mundo sublunar contido,<br />
<br />
“Tanto praz-me a ordem que de ti dimana,<br />
Que, já cumprida, houvera inda demora:<br />
Em me abrir teu querer não mais te afana.<br />
<br />
“Diz-me, porém, por que razão, Senhora,<br />
Baixar a este centro hás resolvido<br />
Do céu, a que ardes por voltar agora”.<br />
<br />
— “Se queres tanto ser esclarecido<br />
Eu te direi” — tornou-me — “frase breve<br />
Por que sem medo às trevas hei descido.<br />
<br />
“Somente as cousas recear se deve<br />
Que a outrem podem ser causa de dano<br />
Não das mais: a temor a causa é leve.<br />
<br />
“De Deus favor criou-me soberano<br />
Tal, que a vossa miséria não me empece<br />
Nem deste incêndio assalta o fogo insano.<br />
<br />
“Nobre Dama há no céu, que compadece<br />
O mal, a que te envio; e tanto implora,<br />
Que lá decreto austero se enternece.<br />
<br />
— “Volvendo-se a Luzia, assim a exora:<br />
“O teu servo fiel tanto periga,<br />
Que ao teu amparo o recomendo agora”. —<br />
<br />
“Luzia, sempre do que é mau imiga<br />
Ergue-se e ao lugar foi, em que eu sentada<br />
Ao lado estava de Raquel antiga.<br />
<br />
“De Deus vero louvor!” — diz-me apressada —<br />
“Por que não socorrer quem te amou tanto,<br />
Que só por ti deixou do vulgo a estrada?<br />
<br />
“Não lhe ouves, Beatriz, o amargo pranto?<br />
Não vês que junto ao rio é combatido,<br />
Que ao mar não corre, por mortal espanto?” —<br />
<br />
“Os danos, tão veloz, não tem fugido<br />
Ninguém, nem procurado o que deseja,<br />
Como eu, em tendo vozes tais ouvido;<br />
<br />
“O trono meu deixei, por que te veja,<br />
Fiada em teus discursos eloqüentes,<br />
Honra tua e de quem te ouvindo esteja”. —<br />
<br />
“Assim falava e os olhos fulgentes<br />
Com lágrimas a mim ela volvia,<br />
Para apressar-me a vir assaz potentes.<br />
<br />
“A ti vim, pois, como ela requeria;<br />
Da fera te livrei, que da colina<br />
Tão perto já, teus passos impedia.<br />
<br />
“Que fazes, pois? Por que, por que domina<br />
Tanta fraqueza o peito espavorido?<br />
Por que ao valor tua alma não se inclina,<br />
<br />
“Quando és pelas três santas protegido,<br />
Que na corte do céu por ti se esmeram,<br />
E gozar tanto bem lhe é prometido?” —<br />
<br />
Quais flores, que, fechadas, se abateram<br />
Da noite ao frio, e, quando o sol aquece,<br />
Erguem-se abertas na hástea, tais como eram,<br />
<br />
Tal meu valor renova e fortalece.<br />
Tanto ardimento o coração me aviva,<br />
Que exclamei, como quem jamais temesse:<br />
<br />
“Ó Dama em socorrer-me compassiva!<br />
E tu, que a voz lhe ouvindo, obedeceste,<br />
Cortês ao rogo e com vontade ativa,<br />
<br />
“Por teu dizer no peito me acendeste<br />
Desejo tal de vir, que sou tornado<br />
Ao propósito, a que antes me trouxeste.<br />
<br />
“Vai, pois nosso querer ’stá combinado.<br />
Serás meu guia, meu senhor, meu mestre!”<br />
Disse-lhe assim. Moveu-se ele; ao seu lado<br />
<br />
Pelo caminho entrei alto e silvestre.<br />
CANTO III<br />
<br />
[ Chegam os Poetas à porta do Inferno, na qual estão escritas terríveis palavras. Entram e no vestibulo encontram as almas dos ignavos, que não foram fiéis a Deus, nem rebeldes. Seguindo o caminho, chegam ao Aqueronte, onde está o barqueiro infernal, Caron, que passa as almas dos danados à outra margem, para o suplício. Treme a terra, lampeja uma luz e Dante cai sem sentidos. ]<br />
<br />
“POR mim se vai das dores à morada,<br />
Por mim se vai ao padecer eterno,<br />
Por mim se vai à gente condenada.<br />
<br />
“Moveu Justiça o Autor meu sempiterno,<br />
Formado fui por divinal possança,<br />
Sabedoria suma e amor supremo.<br />
<br />
No existir, ser nenhum a mim se avança,<br />
Não sendo eterno, e eu eternal perduro:<br />
Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!”<br />
<br />
Estas palavras, em letreiro escuro,<br />
Eu vi, por cima de uma porta escrito.<br />
“Seu sentido” — disse eu — “Mestre me é duro”<br />
<br />
Tornou Virgílio, no lugar perito:<br />
— “Aqui deixar convém toda suspeita;<br />
Todo ignóbil sentir seja proscrito.<br />
<br />
“Eis a estância, que eu disse, às dores feita,<br />
Onde hás de ver atormentada gente,<br />
Que da razão à perda está sujeita”.<br />
<br />
Pela mão me travando diligente,<br />
Com ledo gesto e coração me erguia,<br />
E aos mistérios guiou-me incontinênti.<br />
<br />
Por esse ar sem estrelas irrompia<br />
Soar de pranto, de ais, de altos gemidos:<br />
Também meu pranto, de os ouvir, corria.<br />
<br />
Línguas várias, discursos insofridos,<br />
Lamentos, vozes roucas, de ira os brados,<br />
Rumor de mãos, de punhos estorcidos,<br />
<br />
Nesses ares, pra sempre enevoados,<br />
Retumbavam girando e semilhando<br />
Areais por tufão atormentados.<br />
<br />
A mente aquele horror me perturbando,<br />
Disse a Virgílio: — “Ó Mestre, que ouço agora?<br />
“Quem são esses, que a dor está prostrando?” —<br />
<br />
“Deste mísero modo” — tornou — “chora<br />
Quem viveu sem jamais ter merecido<br />
Nem louvor, nem censura infamadora.<br />
<br />
“De anjos mesquinhos coro é-lhes unido,<br />
Que rebeldes a Deus não se mostraram,<br />
Nem fiéis, por si sós havendo sido”.<br />
<br />
“Desdouro aos céus, os céus os desterraram;<br />
Nem o profundo inferno os recebera,<br />
De os ter consigo os maus se gloriaram”.<br />
<br />
— “Que dor tão viva deles se apodera,<br />
Que aos carpidos motivo dá tão forte?” —<br />
“Serei breve em dizer-to” — me assevera. —<br />
<br />
“Não lhes é dado nunca esperar morte;<br />
É tão vil seu viver nessa desgraça,<br />
Que invejam de outros toda e qualquer sorte.<br />
<br />
“No mundo o nome seu não deixou traça;<br />
A Clemência, a Justiça os desdenharam.<br />
Mais deles não falemos: olha e passa”.<br />
<br />
Bandeira então meus olhos divisaram,<br />
Que, a tremular, tão rápida corria,<br />
Que avessa a toda pausa a imaginaram.<br />
<br />
E após, tão basta multidão seguia,<br />
Que, destruído houvesse tanta gente<br />
A morte, acreditado eu não teria.<br />
<br />
Alguns já distinguira: eis, de repente,<br />
Olhando, a sombra conheci daquele<br />
Que a grã renúncia fez ignobilmente.<br />
<br />
Soube logo, o que ao certo me revele,<br />
Que era a seita das almas aviltadas,<br />
Que os maus odeiam e que Deus repele.<br />
<br />
Nunca tiveram vida as desgraçadas;<br />
Sempre, nuas estando, as torturavam<br />
De vespas e tavões as ferroadas.<br />
<br />
Os rostos seus as lágrimas regavam,<br />
Misturadas de sangue: aos pés caindo,<br />
A imundos vermes o repasto davam.<br />
<br />
De um largo rio à margem dirigindo<br />
A vista, de almas divisei cardume.<br />
— “Mestre, declara, aos rogos me anuindo,<br />
<br />
“Que turba é essa” — eu disse — “e qual costume<br />
Tanto a passar a torna pressurosa,<br />
Se bem discirno ao duvidoso lume?” —<br />
<br />
Tornou-me: — “Explicação minuciosa<br />
Darei, quando tivermos atingido<br />
Do Aqueronte a ribeira temerosa”.<br />
<br />
Então, baixos os olhos e corrido<br />
Fui, de importuno a culpa receando,<br />
Té o rio, em silêncio recolhido.<br />
<br />
Eis vejo a nós em barca se acercando,<br />
De cãs coberto um velho — “Ó condenados,<br />
Ai de vós! — alta grita levantando.<br />
<br />
“O céu nunca vereis, desesperados:<br />
Por mim à treva eterna, na outra riva,<br />
Sereis ao fogo, ao gelo transportados.<br />
<br />
“E tu que estás aqui, ó alma viva,<br />
De entre estes que são mortos, já te ausenta!”<br />
Como não lhe obedeço à voz esquiva,<br />
<br />
“Por outra via irás” — ele acrescenta —<br />
“Ao porto, onde acharás fácil transporte;<br />
Lá pássaras sem barca menos lenta”. —<br />
<br />
“Não te agastes, Caronte! Desta sorte<br />
Se quer lá onde” — disse-lhe o meu Guia —<br />
“Quem pode ordena. E nada mais te importe”.<br />
<br />
Sereno, ouvido, o gesto se fazia<br />
Da lívida lagoa ao nauta idoso,<br />
Quem em círculos de fogo olhos volvia.<br />
<br />
As desnudadas almas doloroso<br />
O gesto descorou; dentes rangeram<br />
Logo em lhe ouvindo o vozear raivoso.<br />
<br />
Blasfemaram de Deus e maldisseram<br />
A espécie humana, a pátria, o tempo, a origem<br />
Da origem sua, os pais de quem nasceram.<br />
<br />
Todas no pranto acerbo, em que se afligem,<br />
Se acolhem juntas ao lugar tremendo,<br />
Dos maus destinos, que se não corrigem.<br />
<br />
Caronte, os ígneos olhos revolvendo,<br />
Lhes acenava e a todos recebia:<br />
Remo em punho, as tardias vai batendo.<br />
<br />
Como no outono a rama principia<br />
As flores a perder té ser despida,<br />
Dando à terra o que à terra pertencia,<br />
<br />
Assim de Adam a prole pervertida,<br />
Da praia um após outro se enviavam,<br />
Qual ave dos reclamos atraída.<br />
<br />
Sobre as túrbidas águas navegavam;<br />
E pojado não tinham no outro lado,<br />
Mais turbas já no oposto se apinhavam.<br />
<br />
“Aqui meu filho” — disse o Mestre amado —<br />
“concorrem quantos há colhido a morte,<br />
De toda a terra, tendo a Deus irado.<br />
<br />
“O rio prontos buscam desta sorte,<br />
De Deus tanto a justiça os punge e excita,<br />
Tornando-se o temor anelo forte!<br />
<br />
“Alma inocente aqui jamais transita,<br />
E, se Caronte contra ti se assanha,<br />
Patente a causa está, que tanto o irrita”.<br />
<br />
Assim falava; a lúrida campanha<br />
Tremeu e foi tão forte o movimento,<br />
Que do medo o suor ainda me banha.<br />
<br />
Da terra lacrimosa rompeu vento,<br />
Que um clarão respirou avermelhado;<br />
Tolhido então de todo o sentimento,<br />
<br />
Caí, qual homem que é do sono entrado.<br />
<br />
<br />
CANTO IV<br />
<br />
[ Dante é despertado por um trovão e acha-se na orla do primeiro círculo. Entra depois no Limbo, onde estão os que não foram batizados, crianças e adultos. Mais adiante, num recinto luminoso, vê os sábios da antigüidade, que, embora não cristãos, viveram virtuosamente. Os dois poetas descem depois ao segundo círculo. ]<br />
<br />
DESSE profundo sono fui tirado<br />
Por hórrido estampido, estremecendo<br />
Como quem é por força despertado.<br />
<br />
Ergui-me, e, os olhos quietos já volvendo,<br />
Perscruto por saber onde me achava,<br />
E a tudo no lugar sinistro atendo.<br />
<br />
A verdade é que então na borda estava<br />
Do vale desse abismo doloroso,<br />
Donde brado de infindos ais troava.<br />
<br />
Tão escuro, profundo e nebuloso<br />
Era, que a vista lhe inquirindo o fundo,<br />
Não distinguia no antro temeroso.<br />
<br />
“Eia! Baixemos, pois, da treva ao mundo!” —<br />
O Poeta então disse-me enfiando —<br />
“Eu descerei primeiro, tu segundo”. —<br />
<br />
Tornei-lhe, a palidez sua notando:<br />
“Como hei-de ir, se és de espanto dominado,<br />
Quando conforto estou de ti sperando?” —<br />
<br />
“Dos que lá são o angustioso estado<br />
Causa a que vês no rosto meu impressa,<br />
Piedade, medo não, como hás cuidado.<br />
<br />
“Vamos: longa a jornada exige pressa”.<br />
Entrou, e eu logo, o círculo primeiro<br />
Em que o abismo a estreitar-se já começa,<br />
<br />
Escutei: não mais pranto lastimeiro<br />
Ouvi; suspiros só, que murmuravam,<br />
Vibrando do ar eterno o espaço inteiro.<br />
<br />
Pesares sem martírio os motivavam<br />
De varões e de infantes, de mulheres<br />
Nas multidões, que ali se apinhoavam.<br />
<br />
“Conhecer” — meu bom Mestre diz — “não queres<br />
Quais são os que assim vês ora sofrendo?<br />
Antes de avante andar convém saberes<br />
<br />
“Que não pecaram: boas obras tendo<br />
Acham-se aqui; faltou-lhes o batismo,<br />
Portal da fé, em que és ditoso crendo.<br />
<br />
“Na vida antecedendo o Cristianismo,<br />
Devido culto a Deus nunca prestaram:<br />
Também sou dos que penam neste abismo.<br />
<br />
“Por tal defeito — os mais nos não mancharam —<br />
Perdemo-nos: a pena é desesp’rança,<br />
Desejos, que para sempre se frustaram”.<br />
<br />
Ouvi-lo, em dor o coração me lança,<br />
Pois muitos conheci de alta valia,<br />
A quem do Limbo a suspenção alcança.<br />
<br />
“Ó Mestre! Ó meu Senhor! diz-me — inquiria,<br />
Para ter da certeza o firme esteio<br />
À fé, que os erros todos desafia,<br />
<br />
“Por seu merecimento ou pelo alheio<br />
Daqui alguém ao céu já tem subido?”<br />
Da mente minha ao alvo o Mestre veio,<br />
<br />
E falou-me: “Des’pouco aqui trazido,<br />
Descer súbito vi forte guerreiro;<br />
De triunfal coroa era cingido.<br />
<br />
“Almas levou — do nosso pai primeiro,<br />
Abel, Noé, Moisés, que legislara,<br />
Abraam, na fé, na obediência inteiro,<br />
<br />
“Davi, que sobre o povo hebreu reinara,<br />
Israel com seu pai e a prole basta,<br />
E Raquel, por quem tanto se afanara.<br />
<br />
“Para a glória outros muitos mais afasta<br />
Do Limbo; e sabe tu que antes não fora<br />
Salvo quem pertencera à humana casta”.<br />
<br />
Andávamos, enquanto isto memora,<br />
Sem parar, pela selva penetrando,<br />
Selva de almas, que aumenta de hora em hora,<br />
<br />
E da entrada não longe ainda estando,<br />
Eis um clarão brilhante divisamos<br />
Das trevas o hemisfério alumiando.<br />
<br />
Dali distantes ainda nos achamos<br />
Não tanto, que eu não discernisse em parte<br />
Que à sede de almas nobres caminhamos.<br />
<br />
“Ó tu, que és honra da ciência e da arte,<br />
Quem são” — disse — “os que, aos outros preferidos,<br />
Privilégio tamanho assim disparte?”<br />
<br />
Falou Virgílio: “— Assim são distinguidos<br />
Do céu, que atende à fama alta e preclara,<br />
Com que foram na terra engrandecidos”.<br />
<br />
Eis voz escuto sonorosa e clara:<br />
“Honrai todos o altíssimo poeta!<br />
A sombra sua torna, que ausentara”.<br />
<br />
Quatro sombras notei, quando aquieta<br />
O rumor, que a nós vinham: nos semblantes<br />
Nem prazer, nem tristeza se interpreta.<br />
<br />
E disse o Mestre, após alguns instantes:<br />
“Aquele vê, que, qual monarca ufano,<br />
Empunha espada e os três deixa distantes.<br />
<br />
É Homero, o poeta soberano;<br />
O satírico Horácio é o outro, e ao lado<br />
Ovídio, em lugar último Lucano.<br />
<br />
Como lhes cabe o nome assinalado<br />
Que soou nessa voz há pouco ouvida,<br />
Me honrando, honrosa ação têm praticado”.<br />
<br />
A bela escola assim vi reunida<br />
Do Mestre egrégio do sublime canto,<br />
Águia em seu vôo além dos mais erguida.<br />
<br />
Discursado entre si tendo algum tanto,<br />
A mim volveram gracioso o gesto:<br />
Sorriu Virgílio, dessa mostra ao encanto.<br />
<br />
Mais foi-me alto conceito manifesto,<br />
Quando acolher-me ao grêmio seu quiseram,<br />
Entre eles me cabendo o lugar sexto.<br />
<br />
Té o clarão comigo se moveram,<br />
Prática havendo, que omitir é belo,<br />
Sublime no lugar, onde a teceram.<br />
<br />
Chegamos junto a um fúlgido castelo<br />
Sete vezes de muro alto cercado:<br />
Cinge-o ribeiro lindo, mas singelo.<br />
<br />
Passei-o a pé enxuto; acompanhado<br />
Entrei por sete portas, caminhando<br />
De fresca relva até ameno prado.<br />
<br />
Graves, pausados olhos meneando<br />
Stavam sombras de aspecto majestoso,<br />
Com voz suave rara vez falando.<br />
<br />
A um lado, sobre viso luminoso<br />
Subimo-nos: de lá se divisava<br />
Dessas almas o bando numeroso.<br />
<br />
No verde esmalte o Mestre me indicava<br />
Egrégias sombras: inda me extasia<br />
O prazer com que vê-los exultava.<br />
<br />
Eletra vi de heróis na companhia,<br />
Enéias com Heitor e guarnecido<br />
Grifanhos olhos César nos volvia.<br />
<br />
Pentesiléia vi e o rosto ardido<br />
De Camila, e sentado o rei Latino<br />
Junto a Lavinia estava enternecido.<br />
<br />
Notei Márcia, Lucrécia e o que Tarquino<br />
Lançou, Cornélia e Júlia; retirado<br />
De todos demorava Saladino.<br />
<br />
Alçando os olhos, de respeito entrado,<br />
O Mestre vejo dos que mais se acimam<br />
Em saber, de filósofos cercado.<br />
<br />
Todos com honra e acatamento o estimam.<br />
Aqui Platão e Sócrates estavam,<br />
Que na grandeza mais se lhe aproximam.<br />
<br />
Demócrito, o atomista, acompanhavam<br />
Tales, Zeno, Heráclito e Anaxagora.<br />
Empédocle e Diógenes falavam,<br />
<br />
Dióscoris, o que a natura outrora<br />
Sábio estudara, Orfeu, Túlio eloqüente,<br />
Sêneca, o douto, que a moral explora,<br />
<br />
Lívio, Euclides, Hipócrates ingente,<br />
Ptolomeu, Galeno e o Avicena;<br />
Averróis, nos comentos sapiente.<br />
<br />
Resenha não me é dado fazer plena<br />
De todos; longo o assunto está-me urgindo,<br />
E a ser omisso muita vez condena.<br />
<br />
A companhia então se dividindo,<br />
Comigo o Mestre outra vereda trilha,<br />
Do ar sereno ao ar, que treme, vindo:<br />
<br />
Chegados somos onde luz não brilha.<br />
<br />
CANTO V<br />
<br />
[ No ingresso do segundo circulo está Minos, que julga as almas e designa-lhes a pena. No repleno desse círculo estão os luxuriosos, que são continuamente arrebatados e atormentados por um horrível turbilhão. Aqui Dante encontra Francesca de Rimini, que lhe narra a história do seu amor infeliz. ]<br />
<br />
DESCI desta arte ao círculo segundo,<br />
Que o espaço menos largo compreendia,<br />
Onde o pungir da dor é mais profundo.<br />
<br />
Lá stava Minos e feroz rangia:<br />
Examinava as culpas desde a entrada,<br />
Dava a sentença como ilhais cingia.<br />
<br />
Ante ele quando uma alma desditada<br />
Vem, seus crimes confessa-lhe em chegando,<br />
Com perícia em pecados consumada.<br />
<br />
Lugar no inferno, Minos, lhe adaptando,<br />
Do abismo o círc’lo arbitra, a que pertença,<br />
Pelas voltas da cauda graduando.<br />
<br />
Sempre muitas se lhe acham na presença;<br />
Cada qual tem sua vez de ser julgada,<br />
Diz, ouve, cai, se some sem detença.<br />
<br />
Minos, logo me vendo, iroso brada,<br />
Do grave ofício no ato sobrestando:<br />
— “Ó tu, que vens das dores à morada;<br />
<br />
“Olha como entras e em quem stás fiando:<br />
Não te engane do entrar tanta largueza!”<br />
— “Por que falar” — meu guia diz — “gritando?”<br />
<br />
“Vedar não tentes a fatal empresa:<br />
Assim se quer lá onde o que se ordena<br />
Se cumpre. Assaz te seja esta certeza!”<br />
<br />
Eis já começo da infernal geena<br />
A ouvir os lamentos: sou chegado<br />
Onde intenso carpir me aviva a pena.<br />
<br />
Em lugar de luz mudo tenho entrado:<br />
Rugia, como faz mar combatido<br />
Dos ventos, pelo ímpeto encontrado.<br />
<br />
Da tormenta o furor, nunca abatido,<br />
Perpetuamente as almas torce, agita,<br />
Molesta, em seus embates recrescido.<br />
<br />
Quando à borda do abismo as precipita,<br />
Ais, soluços, lamentos vão rompendo.<br />
Blasfema a Deus a multidão maldita.<br />
<br />
Ouvi que estão no padecer horrendo<br />
Os que aos vícios da carne se entregavam,<br />
Razão aos apetites submetendo.<br />
<br />
Quais estorninhos, que a voar se travam<br />
Em densos bandos na estação já fria,<br />
Em rodopio as almas volteavam,<br />
<br />
Ao capricho do vento, que as trazia.<br />
De pausa não, de menos dor a esp’rança<br />
Conforto lhes não dá nessa agonia.<br />
<br />
Como nos ares longa série avança<br />
De grous, que vão cantado o seu grasnido,<br />
Assim no gemer seu, que não descansa,<br />
<br />
Traz o tufão as sombras desabrido.<br />
— “Mestre” — disse eu — “quais almas são aquelas<br />
Que o vendaval fustiga denegrido?”<br />
<br />
— “A primeira” — tornou Virgílio — “entre elas<br />
De quem notícias ter desejarias,<br />
Regeu nações, diversas nas loquelas.<br />
<br />
“De luxúria fez tantas demasias<br />
Que em lei dispôs ser lícito e agradável<br />
Para desculpa às torpes fantasias.<br />
<br />
“Semíramis chamou-se: o trono estável<br />
Herdou de Nino e foi a sua esposa.<br />
Do Soldão teve a terra memorável.<br />
<br />
“A morte deu-se a outra, de amorosa,<br />
Às cinzas de Siqueu traidora e infida;<br />
Cleópatra após vem luxuriosa”.<br />
<br />
Helena vi, a causa fementida<br />
De tanto mal, e Aquiles celebrado<br />
Que teve por amor a extrema lida.<br />
<br />
Páris, Tristão e um bando assinalado<br />
De sombras me indicou, nomes dizendo,<br />
Que à sepultura amor tinha arrojado.<br />
<br />
A compaixão me estava confrangendo,<br />
Dessas damas e antigos cavaleiros<br />
Nomes ouvindo e mágoas conhecendo.<br />
<br />
Então disse eu: — “Poeta, aos companheiros<br />
Dois, que ali vêm, falar muito desejo:<br />
Ao vento ser parecem tão ligeiros!”<br />
<br />
“Hás de ter” — me tornou — “asado ensejo,<br />
Quando forem mais perto; então lhes pede<br />
Pelo amor que os uniu: virão sem pejo”. —<br />
<br />
Quando acercar-se o vento lhes concede<br />
A voz alcei: — “Ó! vinde, almas aflitas,<br />
Falar-nos, se alta lei não vo-lo impede”. —<br />
<br />
Quais pombas, que saudosas de asas fitas,<br />
Ao doce ninho, em vôo despedido,<br />
Vão pelo ar, aos desejos seus adstritas:<br />
<br />
Tais saíram da turba, em que era Dido,<br />
A nós as duas sombras se inclinando,<br />
Tanto as moveu da voz o tom sentido!<br />
<br />
— “Entre beni’no, compassivo e brando,<br />
Que nos vem visitar por este ar perso,<br />
Tendo nós dado o sangue ao mundo infando,<br />
<br />
“Se amigo o Senhor fosse do universo,<br />
Da paz aos rogos nossos, gozarias,<br />
Pois te enternece o nosso mal perverso.<br />
<br />
“Enquanto o vento é quedo, o que dirias<br />
Havemos nós de ouvir atentamente;<br />
Diremos quanto ouvir desejarias.<br />
<br />
“Onde, a paz desejando, o Pado ingente<br />
Com seus vassalos para o mar descende,<br />
A terra, em que hei nascido, está jacente.<br />
<br />
“Amor, que os corações súbito prende,<br />
Este inflamou por minha formosura,<br />
Que roubaram-me: o modo inda me ofende.<br />
<br />
“Amor, em paga exige igual ternura,<br />
Tomou por ele em tal prazer meu peito,<br />
Que, bem o vês, eterno me perdura.<br />
<br />
“Amor nos igualou da morte o efeito:<br />
A quem no-la causou, Caína, esperas”.<br />
Após tais vozes foi silêncio feito.<br />
<br />
Daquelas almas as angústias feras<br />
Em meditar amargo a fronte inclino<br />
Té que o Mestre exclamou: “Que consideras?”<br />
<br />
Quando pude, falei: “Cruel destino!<br />
Que doce cogitar! Que meigo encanto,<br />
Precederam do par o fim maligno!” —<br />
<br />
Aos dois voltei-me e disse-lhes, entanto:<br />
“Teus martírios, Francesca, me angustiam,<br />
Movem-me o triste, compassivo pranto.<br />
<br />
“Quando os doces suspiros só se ouviam,<br />
Como, em que Amor mostrar-vos há querido<br />
Os desejos, que ainda se escondiam?” —<br />
<br />
— “Não há” — disse — “tormento mais dorido<br />
Que recordar o tempo venturoso<br />
Na desgraça. Teu Mestre o tem sentido.<br />
<br />
“Mas porque de saber és desejoso,<br />
Como nasceu a flor do nosso afeto,<br />
Direi chorando o lance lastimoso.<br />
<br />
“Por passatempo eu lia e o meu dileto<br />
De Lanceloto extremos namorados;<br />
Éramos sós, de coração quieto.<br />
<br />
“Nossos olhos, por vezes encontrados,<br />
Cessam de ler; ao gesto a cor mudara.<br />
Um ponto só deu causa aos nossos fados.<br />
<br />
“Ao lermos que nos lábios osculara<br />
O desejado riso, o heróico amante,<br />
Este, que mais de mim se não separa,<br />
<br />
“A boca me beijou todo tremante,<br />
De Galeotto fez o autor e o escrito.<br />
Em ler não fomos nesse dia avante”.<br />
<br />
Enquanto a história triste um tinha dito,<br />
Tanto carpia o outro, que eu, absorto<br />
Em piedade, senti letal conflito,<br />
<br />
E tombei, como tomba corpo morto.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
CANTO VI<br />
<br />
[ No terceiro círculo estão os gulosos, cuja pena consiste em ficarem prostrados debaixo de uma forte chuva de granizo, água e neve, e ser dilacerados pelas unhas e dentes de Cérbero. Entre os condenados Dante encontra Ciacco, florentino, que fala com Dante acerca das discórdias da pátria comum. ]<br />
<br />
DO soçobro tornando a aflita mente,<br />
Que da cópia infelice contristado<br />
Havia tanto o padecer pungente,<br />
<br />
Achei-me novamente circundado<br />
De outros míseros, de outras amarguras,<br />
Que via em toda parte, ao longe e ao lado.<br />
<br />
Sou no terceiro círculo, onde escuras,<br />
Eternas chuvas, gélidas caíam,<br />
Pesadas, sempre as mesmas, sempre impuras.<br />
<br />
Saraiva grossa, neve, água desciam<br />
Desse ar pelas alturas tenebrosas:<br />
No chão caindo infeto odor faziam.<br />
<br />
Latia com três fauces temerosas,<br />
Cérbero, o cão multíface e furente,<br />
Contra as turbas submersas, criminosas.<br />
<br />
Sangüíneos olhos tem, o ventre ingente,<br />
Barba esquálida, as mãos de unhas armadas;<br />
Rasga, esfola, atassalha a triste gente.<br />
<br />
Uivam à chuva, quais lebréus, coitados!<br />
Mudam de lado sem cessar, buscando<br />
Defensa e alívio, as almas condenadas.<br />
<br />
Cérbero, o grão réptil, nos divisando<br />
Os dentes mostra, as bocas escancara,<br />
De sanha os membros todos convulsando.<br />
<br />
Meu Guia, as mãos abrindo, se prepara:<br />
Enche-as de terra, e às guelas devorantes<br />
Lança da fera essa iguaria amara.<br />
<br />
Qual mastim, que em latidos retumbantes<br />
Brada de fome, e, apenas a sacia<br />
Devorando, aquieta as iras de antes:<br />
<br />
Tal, aplacando a fúria, parecia<br />
O demônio que as almas atordoa:<br />
Surdez de ouvi-lo o mal lhes pouparia.<br />
<br />
O solo, onde pisamos, se povoa<br />
Das sombras, que essas chuvas derrubavam:<br />
Forma e aparência tinham de pessoa.<br />
<br />
Sobre a terra estendidas, a alastravam;<br />
Mas uma surge, súbito sentada,<br />
Aos passos que adiante nos levavam.<br />
<br />
“Tu” — disse — “que és guiado pela estrada<br />
Do inferno, vê se acaso me conheces:<br />
Nasceste antes de eu ser nesta morada”.<br />
<br />
Tornei-lhe: “A grande angústia em que padeces,<br />
Tua feição lembrar-me não consente:<br />
Inota face aos olhos me ofereces.<br />
<br />
“Quem és que em tal lugar tão duramente<br />
Pelos pecados teus stás dando a pena?<br />
Se há maior, nenhuma é tão displicente”. —<br />
<br />
— “Em tua pátria” — responde — “que tão plena<br />
Já é de inveja, que transborda o saco,<br />
Existência gozei leda e serena.<br />
<br />
“Vós, Florentinos, me chamastes Ciacco:<br />
Por ter da gula a intemperança amado,<br />
À chuva peno enregelado e fraco.<br />
<br />
“Mas sou nesta miséria acompanhado;<br />
Pois quantos aqui estão de igual castigo<br />
Punidos foram por igual pecado”. —<br />
<br />
— “Com dor sincera” — lhe falei — “te digo<br />
Que esse tormento o peito me enternece.<br />
Saberás se os partidos a perigo<br />
<br />
“Florença levarão, que já padece?<br />
Algum justo ali vive? A que motivo<br />
A cizânia se deve, que ali cresce?” —<br />
<br />
— “Virão a sangue após ódio excessivo;<br />
E o partido selvagem triunfante<br />
O outro lançará feroz e esquivo.<br />
<br />
“Três sóis passados, chegará o instante<br />
De ser pelos vencidos suplantado,<br />
Que esforça alguém, que aos dois faz bom semblante.<br />
<br />
“Por algum tempo o vencedor ousado<br />
A cerviz calcará do outro partido<br />
Que se aflige oprimido e envergonhado.<br />
<br />
“Justos há dois: ninguém lhes presta ouvido.<br />
Três brandões — Avareza, Orgulho, Inveja,<br />
Incêndio têm nos peitos acendido”. —<br />
<br />
Assim a flébil narração boqueja.<br />
Eu lhe respondo: “A informação completa;<br />
Favor farás a quem te ouvir almeja.<br />
<br />
“Farinata e Tegghiaio, de alma reta,<br />
Jacopo Rusticucci, Mosca, Arrigo,<br />
E os mais que da virtude o amor inquieta,<br />
<br />
“Onde estão? Diz e franco sê comigo!<br />
Saber qual seja anelo a sorte sua:<br />
Stão no céu, ou no inferno têm castigo?” —<br />
<br />
“Entre os que sofrem punição mais crua<br />
Estão, por seus maus feitos, lá no fundo:<br />
Se lá desces, verão a face tua.<br />
<br />
“Quando tomares ao saudoso mundo,<br />
De mim aviva aos meus o pensamento...<br />
Não mais: volto ao silêncio meu profundo” —<br />
<br />
Os olhos que não tinham movimento,<br />
Torcendo fita em mim; já curva a frente<br />
E cai entre os mais cegos num momento.<br />
<br />
E disse, o Vate: “Em sono permanente<br />
Hão de aguardar a angélica chamada,<br />
Quando os julgar severo o Onipotente.<br />
<br />
“Cad’um, a triste sepultura achada,<br />
Ressurgindo na carne e na figura,<br />
Voz ouvirá pra sempre reboada”. —<br />
<br />
A passo lento assim pela mistura<br />
Das sombras e da chuva caminhando,<br />
Falávamos da vida, que é futura.<br />
<br />
— “Mestre” — lhe disse então — “irá medrando<br />
Depois da grã sentença esse tormento?<br />
Igual pungir terá? Será mais brando?” —<br />
<br />
— “Do teu saber recorre ao documento:<br />
Verás que ao ente quando mais se eleva<br />
Do bem, da dor mais cresce o sentimento.<br />
<br />
“Bem que esta raça condenada à treva<br />
Jamais da perfeição se eleve à altura<br />
Ressurgindo, há de ter pena mais seva”. —<br />
<br />
Perlustramos do círculo a cintura,<br />
De cousas praticando que não digo,<br />
Té descer um degrau na estância escura.<br />
<br />
Ali’stá Pluto, o nosso grande imigo.<br />
<br />
CANTO VII<br />
<br />
[ Pluto, que está de guarda à entrada do quarto círculo, tenta amedrontar a Dante com palavras irosas. Mas Virgílio o faz calar-se, e conduz o discípulo a ver a pena dos pródigos e dos avarentos, que são condenados a rolar com os peitos grandes pesos e trocarem-se injúrias. Os Poetas discorrem sobre a Fortuna, e, depois, descem ao quinto círculo e vão margeando o Estiges, onde estão mergulhados os irascíveis e os acidiosos. ]<br />
<br />
PAPE Satan, pape Satan, aleppe:<br />
Pluto com rouca voz, ao ver-nos brada.<br />
Para que eu do conforto não discrepe,<br />
<br />
Virgílio, em tudo sábio: — “Da aterrada<br />
Mente” — me diz — “se desvaneça o susto!<br />
Poder Pluto não tem, que tolha a entrada”.<br />
<br />
E, se volvendo ao vulto, de ira adusto,<br />
Lhe grita: — “Cal’-te, ó lobo abominoso!<br />
Em ti consome esse furor injusto!<br />
<br />
“Se ao abismo descemos tenebroso,<br />
A lei se cumpre do alto, onde, em castigo,<br />
Suplantara Miguel bando orgulhoso”. —<br />
<br />
Como o mastro, abatendo, traz consigo<br />
Velas, que o vento de feição tendia,<br />
Baqueou-se por terra o monstro imigo.<br />
<br />
E, pois que o quarto círculo se abria,<br />
Mais penetramos pela estância horrenda,<br />
A que todo seu mal o mundo envia.<br />
<br />
Ah! justiça de Deus! Que lei tremenda,<br />
Dores, penas, quais vi, tanto amontoa?<br />
Por que da culpa nos obceca a venda?<br />
<br />
Como em Caribde a vaga que ressoa<br />
Embate noutra, e quebram-se espumantes:<br />
Assim turba com turba se abalroa.<br />
<br />
Almas em cópia, nunca vista de antes,<br />
Fardos de um lado e de outro, em grita ingente,<br />
Rolavam com seus peitos ofegantes.<br />
<br />
Batiam-se encontrando rijamente,<br />
E gritavam depois, atrás voltando:<br />
“Por que tens?” “Por que empurras loucamente?”<br />
<br />
Assim no tetro círc’lo volteando<br />
Iam de toda parte ao ponto oposto,<br />
Por injúria o estribilho apregoando.<br />
<br />
Nos semicírc’lo novamente rosto<br />
Faziam, té o embate reiterarem.<br />
Eu, me sentindo à compaixão disposto,<br />
<br />
— “Quem são? Que razão há para aqui estarem?”<br />
Ao Mestre disse — “À esquerda os colocados<br />
Clérigos são para tonsura usarem?”<br />
<br />
— “Da mente sendo vesgos, transviados”<br />
— Tornou — “andaram na primeira vida,<br />
Sempre os bens aplicando desregrados.<br />
<br />
“Quem seus clamores ouve não duvida:<br />
Levantam grita aos termos dois chegados,<br />
Onde oposta os separa a culpa havida:<br />
<br />
“Os que então de cabelos despojados<br />
Clérigos, papas, cardeais hão sido,<br />
Pela nímia avareza subjugados”. —<br />
<br />
— “Entre eles” — respondi — “Mestre querido,<br />
Muitos serão, por certo, que eu conheça,<br />
Imundos desse mal aborrecido”. —<br />
<br />
— “Te enganas, quando assim — diz — “te pareça:<br />
Da sua ignóbil vida a oscuridade<br />
Vestígio não deixou, que ora apareça:<br />
<br />
“Eles se hão de embater na eternidade:<br />
Ressurgindo, uns terão as mãos fechadas,<br />
Os outros de cabelos pouquidade.<br />
<br />
“Por dar mal, por mal ter, viram cerradas<br />
Do céu as portas; penam nesta lida,<br />
Com mágoas, que não podem ser contadas.<br />
<br />
“Vês quanto é de vaidade iludida<br />
A ambição, em que os homens a porfiam,<br />
Da Fortuna anelando os bens na vida.<br />
<br />
“Todo o ouro, que as entranhas conteriam<br />
Da terra, não pudera dar repouso<br />
A um dos que em fadiga se cruciam”. —<br />
<br />
— “Quem é Mestre” — falei — “o portentoso<br />
Ser, que chamas Fortuna, que à vontade<br />
Bens distribui ao mundo cobiçoso?” —<br />
<br />
Responde o Vate: — “Ó cega humanidade,<br />
Quanta ignorância a mente vos ofende.<br />
Do meu pensar direi toda a verdade.<br />
<br />
“Quem pelo seu saber tudo transcende,<br />
Os céus criando, guias elegeu-lhes;<br />
E toda parte a toda parte esplende,<br />
<br />
“Pela luz que igualmente concedeu-lhes.<br />
Assim fez aos mundanos esplendores,<br />
Geral ministra e diretora deu-lhes,<br />
<br />
“Que em tempo os bens mudasse enganadores<br />
De nação a nação, de raça a raça<br />
Contra esforços de humanos sabedores.<br />
<br />
“A pujança de um povo é grande ou escassa<br />
Segundo o seu querer, que, se escondendo<br />
Qual serpe em erva triunfante passa.<br />
<br />
“Contra ela o saber vosso não valendo,<br />
No seu reino ela tem poder e mando,<br />
Como os outros o seu, estão regendo.<br />
<br />
“Mudanças incessante efetuando,<br />
Se apressa por fatal necessidade,<br />
E assim tantas no mundo vai formando.<br />
<br />
“Tal é Fortuna, a quem por má vontade<br />
Insulta o que louvá-la deveria,<br />
Censurando-a com dura iniqüidade.<br />
<br />
“Mas, feliz, não escuta a vozeria,<br />
E entre iguais criaturas primitivas,<br />
Volvendo a esfera, em paz goza alegria.<br />
<br />
“Desçamos ora a dores mais esquivas;<br />
Estrelas baixam, que ao partir surgiram;<br />
Demoras são defesas, são nocivas”. —<br />
<br />
Os nossos passos através seguiram<br />
Do círculo até fonte, que, fervendo,<br />
As águas brota, que torrente abriram,<br />
<br />
A cor mais negra do que persa tendo.<br />
Ao longo do seu curso nós baixamos,<br />
Por caminho diverso nos movendo.<br />
<br />
Lagoa, dita Stígia, deparamos,<br />
Junto à encosta maligna produzida<br />
Pelo triste ribeiro, que notamos.<br />
<br />
Eu, que tinha a atenção toda embebida,<br />
Vi sombras, nesse pântano, lodosas,<br />
Desnudas, de face enfurecida.<br />
<br />
Não só co’as mãos batiam-se raivosas;<br />
Peitos, cabeças, pés armas lhes sendo,<br />
Com dentes laceravam-se espantosas.<br />
<br />
— “As almas, filho meu, que ora estás vendo<br />
São dos que” — disse o mestre — “venceu ira.<br />
Como certo também fica sabendo<br />
<br />
“Que sob as águas multidão suspira,<br />
E em borbulhões as águas entumece<br />
Por toda essa extensão, que vista gira”. —<br />
<br />
— “Nos doces ares, a que o sol aquece”<br />
— No ceno imersas dizem — “tristes fomos:<br />
Dentro em nós fumo túrbido recresce.<br />
<br />
“Ora no lodo inda mais triste somos”. —<br />
Com voz cortada assim gargarejavam,<br />
De palavras somente havendo assomos.<br />
<br />
“Os passos, em grande arco, nos levavam.<br />
Do paul sobre a borda seca; o bando,<br />
Tendo à vista, que assim lodo tragavam,<br />
<br />
E junto de uma torre alfim chegando.<br />
<br />
<br />
<br />
CANTO VIII<br />
<br />
[ Flégias corre com a sua barca para os dois Poetas serem conduzidos, passando à lagoa, à cidade de Dite. No trajeto encontram a Filipe Argenti, florentino, que discute com Dante. Chegando às portas de Dite, os demônios não o querem deixar entrar. Virgílio, porém, diz a Dante que não lhe falte a coragem, pois vencerão a prova e que não há de estar longe quem os socorra. ]<br />
<br />
ACRESCENTAR eu devo, prosseguindo,<br />
Que da torre inda estávamos distantes,<br />
Quando os olhos ao cimo dirigindo,<br />
<br />
Dois fanais brilhar vemos vacilantes,<br />
A que outro de tão longe respondia,<br />
Que mal se avistam seus clarões tremantes.<br />
<br />
E eu de todo o saber ao mar dizia:<br />
— “Os lumes dois por que? Por que o terceiro?<br />
Para acendê-los quem razão teria?” —<br />
<br />
— “Pela onda impura” — me tornou — “ligeiro<br />
Quem se aguarda já vês, se não te empece<br />
A vista do paul o nevoeiro”. —<br />
<br />
Qual seta, que pelo ar veloz corresse<br />
Da corda arremessada, discernimos<br />
Tênue batel, que vir pra nós parece.<br />
<br />
A regê-lo um arrais distinguimos:<br />
— “Alfim chegaste, espírito execrando!”<br />
Em retumbante grita nós lhe ouvimos,<br />
<br />
— “Flégias, Flégias, estás em vão bradando!” —<br />
Disse-lhe o Mestre — “nos terás somente<br />
Enquanto formos o paul passando.” —<br />
<br />
Como quem reconhece, e pesar sente,<br />
Um grande engano, que se lhe há tecido,<br />
Flégias assim na sua ira ardente.<br />
<br />
Tendo Virgílio à barca descendido,<br />
Eu segui-o: somente aos meus pesados<br />
Passos mostrou ter carga recebido.<br />
<br />
Em sendo o Mestre e eu no lenho entrados,<br />
O lago foi cortando a antiga proa<br />
Com sulcos mais que de antes profundados,<br />
<br />
Enquanto assim corremos, eis me soa<br />
De lutulenta sombra voz que exclama:<br />
— “Quem és que em vida vens para a lagoa?”<br />
<br />
— “Sim, venho, mas não fico nesta lama.<br />
E tu quem és que imundo te hás tornado?” —<br />
— “Bem vês: um sou que lágrimas derrama.”<br />
<br />
E eu então: — “Fica em lodo mergulhado.<br />
Em dor, em pranto, espírito maldito!<br />
Sei quem és, se bem stás desfigurado”. —<br />
<br />
Tendeu à barca as mãos aquele aflito,<br />
Mas por Virgílio, que o repele presto<br />
— “Com teus iguais vai, cão, te unir!” — foi dito.<br />
<br />
Abraçando-me então com ledo gesto<br />
Me oscula e diz: — “Abençoado seja,<br />
Quem tão altivo te gerou e honesto!<br />
<br />
“Essa alma, que de orgulho inda esbraveja,<br />
Avessa ao bem, de raiva possuída,<br />
Deixou em si memória, que negreja.<br />
<br />
Quantos reis, grandes na terrena vida,<br />
Virão, quais cerdos, se atascar no lodo,<br />
Fama de si deixando poluída!” —<br />
<br />
— “Mestre, grato me fora sobremodo<br />
Vê-lo no ceno mergulhar profundo,<br />
Antes de eu ter daqui saído em todo”. —<br />
<br />
— “Antes que a margem — respondeu jocundo —<br />
Avistes, gozarás dessa alegria,<br />
Verás penar o espírito iracundo”. —<br />
<br />
E logo ao pecador, como à porfia,<br />
Tanta aflição causou a imunda gente,<br />
Que ainda louvo a Deus, que o permitia.<br />
<br />
Gritavam todos: — “A Filipe Argenti!” —<br />
E a florentina sombra, se volvendo<br />
Contra si, se mordia insanamente:<br />
<br />
Lá o deixei, não mais nele entendendo.<br />
Súbito, ouvindo um lamentar amaro,<br />
Os olhos fitos para além e atendo.<br />
<br />
E o bom Mestre me disse: — “Ó filho caro,<br />
Stá perto Dite, de Satã cidade,<br />
Que há povo infindo para o bem avaro”. —<br />
<br />
— “Lá do vale no fundo em quantidade<br />
Mesquitas” — respondi — “rubras discerno<br />
De flama, creio, pela intensidade”. —<br />
<br />
E o Mestre a mim: — “As faz o fogo eterno<br />
Vermelhas, que lá dentro está lavrando<br />
Como tens visto neste baixo inferno”. —<br />
<br />
Já nos profundos fossos penetrando<br />
De que o triste alcáçar é circundado,<br />
Me estavam ferro os muros semelhando.<br />
<br />
Mas, após grande giro, hemos tocado<br />
Na parte, onde o barqueiro com voz forte<br />
— “Saí” — gritou — “à entrada haveis chegado!”<br />
<br />
À porta vi daqueles grã coorte<br />
Que o céu choveu; bramiam de despeito:<br />
“Este quem é que, antecipando a morte,<br />
<br />
“Tem dos mortos no reino sido aceito?” —<br />
Meu sábio Mestre então lhes fez aceno<br />
Para, em secreto, expor-lhe seu conceito.<br />
<br />
Contendo um pouco às sanhas o veneno<br />
Disseram: — “Vem tu só; vá-se o imprudente,<br />
Que neste reino entrou, de audácia pleno;<br />
<br />
“Só deixe a empresa em que embarcou demente;<br />
Tente-o, se sabe; ficarás no entanto;<br />
Pois és seu guia à região nocente”. —<br />
<br />
Imagina, ó leitor, qual fosse o espanto<br />
Meu escutando a horrífica ameaça:<br />
Não deixar a mansão temi do pranto.<br />
<br />
“Ó Mestre meu, que tanta vez a graça<br />
Fizeste de alentar-me o peito aflito<br />
No perigo iminente e atroz desgraça,<br />
<br />
“Não me deixes” — disse eu — “neste conflito!<br />
E, se avante passar é defendido,<br />
Ambos voltemos do lugar maldito!” —<br />
<br />
Quem tão longe me havia conduzido<br />
— “Não temas” — diz — “não pode ser vedado<br />
O passo, que por Deus foi permitido.<br />
<br />
“Aqui me espera e o ânimo prostrado<br />
Fortalece e alimenta de esperança:<br />
Não hás de ser no inferno abandonado”. —<br />
<br />
O doce pai se afasta e à porta avança.<br />
Ficando assim na dúvida e incerteza,<br />
No pró, no contra a mente se abalança.<br />
<br />
Não pude o que propôs ouvir; na empresa<br />
Curta há sido a detença: de repente<br />
Esquivam-se os precitos com presteza.<br />
<br />
De roldão cerra a porta a imiga gente<br />
Do Mestre à face, que, ficando fora,<br />
A mim se restitui mui lentamente.<br />
<br />
De olhos baixos, faltava-lhe a de outrora<br />
Afouteza, e dizia suspirando:<br />
“Quem me tolhe da dor a estância agora?” —<br />
<br />
E logo a minha alteração notando<br />
“Não te aflijas; que os óbices te digo<br />
Hei de vencer que a entrada estão vedando.<br />
<br />
“Não é nova esta audácia do inimigo;<br />
Em mais patente porta há já mostrado,<br />
Que sem ferrolho está: viste-a comigo,<br />
<br />
“E a lúgubre inscrição lhe hás contemplado.<br />
Deixou atrás e desce a penedia,<br />
Pelos círc’los passando não guiado,<br />
<br />
Abrir quem pode esta cidade ímpia”. —<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
CANTO IX<br />
<br />
[ Dante pergunta a Virgílio se havia já percorrido outra vez o Inferno. Virgílio responde que já percorreu todo o Inferno e narra como e quando. Na torre de Dite se apresentam, no entanto, as três Fúrias e depois Medusa, que ameaçam a Dante. Virgílio, porém, o defende. Chega um anjo do Céu que abre aos Poetas as portas da cidade rebelde. ]<br />
<br />
DO medo a cor, que o gesto me alterara,<br />
Ao ver tornar Virgílio em retirada,<br />
Serenou turvação, que o seu mudara.<br />
<br />
Como escutando, espreita; que a cerrada<br />
Névoa os ares em torno enegrecia,<br />
E a vista, incerta, achava-se atalhada.<br />
<br />
— “Mas é mister vencer nesta porfia...” —<br />
Lhe ouvi — “se não ... socorro é prometido...<br />
Oh! quanto a vinda sua é já tardia!” —<br />
<br />
Bem vi que das palavras o sentido,<br />
Que a declarar apenas começava,<br />
Fora por outros logo confundido.<br />
<br />
Porém maior receio me assaltava,<br />
Na reticência auspício triste vendo,<br />
Que na expressão talvez não se encerrava.<br />
<br />
— “A esta hórrida estância, descendendo<br />
Do limbo, pode vir quem só padece,<br />
A esperança”, — inquiri — “toda perdendo?”<br />
<br />
O Mestre respondeu: — “Raro aparece<br />
Ensejo, que um de nós a andar obriga<br />
Pelo caminho, que aos abismos desce.<br />
<br />
“Ali, porém, já fui, quando inimiga<br />
Esconjurou-me Ericto, que os esp’ritos<br />
Constrangia a fazer c’os corpos liga.<br />
<br />
“Des’pouco eu me finara: por seus ritos<br />
Ao círculo de Judas fui trazido<br />
Para a sombra tirar de um dos precitos.<br />
<br />
“É o lugar mais fundo e denegrido,<br />
Mais remoto do céu, que os orbes gira.<br />
Sei o caminho: esforça-te, ó querido!<br />
<br />
“Este paul, que o bruto cheiro expira,<br />
A cidade circunda do tormento,<br />
Onde entrar não podemos já sem ira”.<br />
<br />
Deslembro o que mais disse: o pensamento<br />
Da torre altiva ao cimo chamejante,<br />
Que os olhos me prendia, estava atento.<br />
<br />
Lá o aspecto se erguia horripilante<br />
De fúrias três; de sangue eram tingidas,<br />
Feminis no meneio e no semblante.<br />
<br />
De hidras verdes mostravam-se cingidas,<br />
Cerastes, serpes cada uma tinha<br />
Por coma, em torno à fronte entretecidas.<br />
<br />
Virgílio, que conhece da rainha<br />
Do eterno pranto essas ancilas cruas,<br />
— “Nas Érinis atenta” diz-me asinha.<br />
<br />
“Megera à esquerda está das outras duas,<br />
Chora à direita Aleto e fica ao meio<br />
Tisífone”. — E pôs termo às vozes suas.<br />
<br />
Co’as unhas cada qual rasgava o seio,<br />
Com seus punhos batiam-se, em tal brado,<br />
Que ao Vate me acerquei, de pavor cheio.<br />
<br />
Olhando-me dizia: — “Transformado<br />
Em pedra seja por Medusa; o assalto<br />
Do ímpio Teseu não foi assaz vingado.<br />
<br />
— “Volta a face; de luz o rosto falto<br />
Conserva; que, se a Górgona encarar-te,<br />
Tu não mais tornarás da terra ao alto”. —<br />
<br />
Disse o Mestre, e volveu-me à oposta parte;<br />
E as mãos juntando às minhas que não bastam,<br />
Os olhos amparar-me quis dessa arte.<br />
<br />
Ó vós cujas idéias não se afastam<br />
Das leis da sã razão, vede os preceitos<br />
Que destes versos sobre o véu se engastam.<br />
<br />
Eis sobre as águas túrbidas desfeitos<br />
Troam sons de fracasso temeroso;<br />
Tremendo, as margens sentem-lhe os efeitos.<br />
<br />
O tufão assim freme impetuoso,<br />
Que, de ardores contrários se excitando,<br />
Sem pausa fere a selva, e furioso,<br />
<br />
Quebrando ramas, flores arrancando,<br />
Entre nuvens de pó soberbo assalta<br />
Feras, pastores e lanoso bando.<br />
<br />
Os olhos descobriu-me e disse: “Exalta<br />
A vista agora até a espuma antiga,<br />
Onde mais acre a cerração ressalta”.<br />
<br />
Quais rãs, divisando a cobra imiga,<br />
Todas da água no seio desaparecem,<br />
E cada qual no lodo entra e se abriga,<br />
<br />
Tais milhares de espíritos parecem,<br />
Em derrota fugindo ante a figura<br />
Que passa; nágua os pés não se umedecem.<br />
<br />
Movendo a esquerda mão, a névoa escura,<br />
Que lhe era em torno ao vulto, dissipava:<br />
Só este afã lhe altera a face pura.<br />
<br />
Ser ele conheci que o céu mandava;<br />
A Virgílio voltei-me, e mudo e quieto<br />
Ao aceno, que fez, eu me acurvava.<br />
<br />
Quantos lumes reflete o iroso aspecto!<br />
À porta chega: ao toque de uma vara<br />
Abre-se a entrada do alcáçar infecto.<br />
<br />
— “Ó turba vil, que o céu de si lançara!” —<br />
Ao limiar falou da atroz cidade,<br />
— “Donde vos vem da audácia a insânia rara?<br />
<br />
“Por que recalcitrais à alta vontade,<br />
Que sempre cumpre o seu excelso intento,<br />
E à dor já vos cresceu a intensidade?<br />
<br />
“Cuidais pôr ao destino impedimento?<br />
Cérbero, o vosso, na memória tende:<br />
Trilhados inda estão-lhe o colo e o mento”.<br />
<br />
Então pelo caminho imundo estende,<br />
Sem nos falar, os passos semelhante<br />
A quem outros cuidados a alma prende,<br />
<br />
Daqueles, que há presentes, bem distante.<br />
Nós à cidade afoutos caminhamos:<br />
Deu-nos esforço o seu falar pujante.<br />
<br />
Já, removido todo o pejo, entramos.<br />
Eu, que sentia de saber desejo<br />
Quanto o forte contém que franqueamos.<br />
<br />
Como fui dentro, a tudo pronto, vejo<br />
Campanha em toda parte ilimitada,<br />
Mas não espaço às punições sobejo.<br />
<br />
Como em Arle, onde o Rône faz parada<br />
Ou junto a Pola, de Quernaro perto,<br />
De que à Itália a fronteira está banhada,<br />
<br />
Stá de sepulcros desigual e incerto<br />
O solo: outros assim a estância feia,<br />
Mas de modo mais agro, tem coberto.<br />
<br />
Entre eles chama horrífica serpeia<br />
E os abrasa inda mais que frágua ardente<br />
Que arte para amolgar o ferro ateia.<br />
<br />
Alçada a tampa, é cada qual patente.<br />
Dali surgia um lamentar profundo,<br />
De miséreo gemido permanente.<br />
<br />
— “Ó Mestre meu, quais foram lá no mundo” —<br />
Eu disse — “aqueles, que no duro encerro<br />
Denunciam tormento sem segundo?” —<br />
<br />
“Aqui stão os hereges por seu erro,<br />
Com seus sequazes dos diversos cultos:<br />
São mais do que tu crês em cada enterro.<br />
<br />
“Iguais com seus iguais estão sepultos,<br />
Uns túmulos mais que outros são candentes”.<br />
À destra então voltou: com tristes vultos<br />
<br />
Passamos entre o muro e os padecentes.<br />
<br />
<br />
<br />
CANTO X<br />
<br />
[ Caminhando os Poetas entre as arcadas, onde estão penando as almas dos heresiarcas, Dante manifesta a Virgílio o desejo de ver a gente nelas sepultada e de falar a alguém. Nisto ouve uma voz chamá-lo. É Farinata degli Uberti. Enquanto o Poeta conversa com ele é interrompido por Cavalcante Cavalcanti, que lhe indaga por seu filho Guido. Continua Dante o começado discurso com Farinata, que lhe prediz obscuramente o exílio. ]<br />
<br />
ENTRA Virgílio por vereda estreita,<br />
Que entre o muro e os martírios vai seguindo:<br />
Após os seus meu passo se endireita.<br />
<br />
— “Virtude suma! Ó tu, que, dirigindo<br />
Me estás, ao teu sabor na estância triste,<br />
Me instrui, ao meu desejo deferindo.<br />
<br />
“A gente ver se pode que ora existe<br />
Naquelas sepulturas descobertas,<br />
A que nem guarda, nem defesa assiste?” —<br />
<br />
— “Serão” — me respondeu — “todas cobertas<br />
No dia, em que, de Josafá tornando,<br />
Os corpos tragam, de que estão desertas.<br />
<br />
“Epicuro aqui jaz com todo o bando<br />
Dos discípulos seus, que professaram<br />
Que alma fenece, a vida em se acabando.<br />
<br />
“O que as tuas palavras declararam<br />
Satisfeito há de ser, como o que vejo<br />
Dos votos que em teu peito se ocultaram”. —<br />
<br />
— “Não te expus, meu bom Mestre, quanto almejo,<br />
Porque de breve ser tenho o cuidado,<br />
E a mais longo dizer não deste ensejo”. —<br />
<br />
— “Ó Toscano, que, vivo hás penetrado<br />
Do fogo na cidade e és tão modesto,<br />
Detém-te um pouco, se te for de agrado.<br />
<br />
“Por teu falar me está bem manifesto<br />
Que nessa nobre pátria tens nascido,<br />
A que fora eu talvez assaz molesto”. —<br />
<br />
Ouço este som, de súbito saído<br />
De um dos jazigos: tanto eu me torvara,<br />
Que ao Mestre me achegava espavorido.<br />
<br />
— “Que temes tu?” — Virgílio diz — “Repara:<br />
É Farinata em seu sepulcro alçado,<br />
Do busto em toda a altura, se depara”. —<br />
<br />
Na sombra os olhos tinha eu já fitado:<br />
Altiva levantava a fronte e o peito,<br />
Como em desprezo do infernal estado.<br />
<br />
Por entre as tumbas me levou direito<br />
Ao vulto o Mestre com seu braço presto,<br />
Dizendo-me: — “Sê claro em teu conceito!” —<br />
<br />
Junto ao sepulcro apenas fui, com gesto<br />
Severo um pouco olhou-me e desdenhoso<br />
— “Teus maiores?” — falou — “Faz manifesto”.<br />
<br />
Eu, já de obedecer-lhe desejoso,<br />
Quanto sabia expus-lhe francamente.<br />
O sobrolho arqueava um tanto iroso,<br />
<br />
E tornou: — “Guerra crua fez tua gente<br />
A mim, aos meus avós, ao partido;<br />
Mas duas vezes bani-os justamente”. —<br />
<br />
— “Mas todos os que expulsos tinham sido<br />
Se hão, de uma e de outra vez repatriado:<br />
Não têm essa arte os vossos aprendido”. —<br />
<br />
Surgindo então de Farinata ao lado<br />
Somente o rosto um vulto nos mostrava,<br />
Sobre os joelhos, cheio, levantado.<br />
<br />
Com ansiosos olhos me cercava<br />
A ver se alguém viera ali comigo.<br />
Mas, perdida a esperança, que o animava,<br />
<br />
Pranteando inquiriu: — “Se ao reino imigo<br />
Por prêmio baixas do teu alto engenho,<br />
Onde é meu filho? Pois não vem contigo?<br />
<br />
— “Por moto próprio aqui” — volvi — “não venho;<br />
Perto me aguarda quem meus passos guia,<br />
Vosso Guido talvez teve-o em desdenho”.<br />
<br />
A pena sua e as vozes, que lhe ouvia,<br />
Denunciado haviam-me o seu nome:<br />
Pude assim responder quanto cumpria.<br />
<br />
Súbito ergueu-se o espírito e gritou-me:<br />
“Teve disseste: não mais vive agora?<br />
O corpo seu a terra já consome?”<br />
<br />
Como eu tivesse em responder demora<br />
À pergunta, de costas recaía,<br />
E novamente não mostrou-se fora.<br />
<br />
Mas esse outro magnânimo, que havia<br />
De antes falado não mudou de aspeito;<br />
No colo e busto imóvel persistia.<br />
<br />
— “Se aquela arte não dera ao meu proveito” —<br />
Prosseguiu — “me produz esta certeza<br />
Maior tormento no adurente leito.<br />
<br />
“Porém vezes cinqüenta a face acesa<br />
Não mostrará do inferno a soberana<br />
Sem que tu saibas quanto essa arte pesa.<br />
<br />
“Assim possas voltar à vida humana!<br />
Contra os meus, diz, por que tanta maldade<br />
Em cada lei, que desse povo emana” —<br />
<br />
Eu respondi: — “O estrago, a mortandade,<br />
Que do Árbia as águas de rubor tingira<br />
A cúria nossa move à austeridade”. —<br />
<br />
Inclinando a cabeça então, suspira<br />
E diz: — “não fui lá só naquele dia,<br />
Nem sem motivo aos outros eu seguira.<br />
<br />
“Porém achei-me só, quando exigia<br />
De Florença a ruína o geral brado:<br />
A peito descoberto eu defendia-a”. —<br />
<br />
— “Seja o descanso à vossa prole dado:<br />
Mas, vos suplico, de penoso enleio<br />
Fique o juízo meu descativado.<br />
<br />
“Se bem percebo, do futuro ao seio<br />
Subindo e ao tempo o curso antecipando,<br />
Do presente ignorais todo o rodeio”. —<br />
<br />
— “Os que têm vista má nos semelhando” —<br />
Tornou-me — “as cousas mais distantes vemos,<br />
De Deus última luz em nós raiando.<br />
<br />
“Quando estão perto ou no presente as temos<br />
Se apaga a lucidez, e a mente aprende<br />
Por outrem só o que de vós sabemos.<br />
<br />
“Ciência nossa do porvir depende;<br />
Em sendo a porta do porvir cerrada,<br />
Essa luz morre em nós, não mais se acende”.<br />
<br />
Então minha alma, de remorso entrada,<br />
“Dize” — replico — à sombra, a quem falava,<br />
Que o filho inda entre os vivos tem morada.<br />
<br />
Se presto lhe não disse o que exorava,<br />
Da dúvida, que, há pouco, heis-me explicado<br />
Pela influência dominado eu stava”. —<br />
<br />
Se bem fosse do Mestre apelidado,<br />
Rogando a sombra a me dizer prossigo<br />
As almas, de quem stava acompanhando.<br />
<br />
Respondeu: — “Muitos mil jazem comigo<br />
Aqui dentro, o Segundo Frederico,<br />
Com ele o cardeal, de outros não digo”. —<br />
<br />
Dos olhos se apartou. A cismar fico,<br />
Voltando ao sábio Mestre, na ameaça<br />
Desse, que ouvira, vaticínio único.<br />
<br />
Ele caminha, e, enquanto avante passa,<br />
Me diz: “Por que és torvado?” — Eu tudo conto<br />
Expondo o que me inquieta e me embaraça.<br />
<br />
— “Do que ouviste a memória cada ponto<br />
Conserva!” — o sábio ordena; e, logo, alçando<br />
O dedo, segue: — “Agora escuta pronto.<br />
<br />
“Ante o doce raiar daquela estando,<br />
Que tudo aos belos olhos tem presente,<br />
Se irão da vida os transes revelando”. —<br />
<br />
Moveu-se logo à esquerda diligente;<br />
Deixando o muro, ao centro caminhava<br />
Por senda, que descia ao vale horrente,<br />
<br />
Que hediondos vapores exalava.<br />
<br />
CANTO XI<br />
<br />
[ Os Poetas chegam à beira do sétimo círculo. Sufocados pelo mau cheiro que se levanta daquele báratro, param atrás do sepulcro do papa Anastácio. Virgílio explica a Dante a configuração dos círculos infernais. O primeiro, que é o sétimo, é o círculo dos violentos. Como a violência pode dar-se contra o próximo, contra si próprio e contra Deus, o círculo é dividido em três compartimentos, cada um dos quais contém uma espécie de violentos. O segundo círculo, que é o oitavo, é o dos fraudulentos e se compõe de dez círculos concêntricos. O terceiro, que é o nono, se divide em quatro compartimentos concêntricos. Fala-lhe também acerca dos incontinentes e dos usurários. Movem-se depois para o lugar de onde se desce para o precipício. ]<br />
<br />
À BORDA de alta riba assim chegamos,<br />
Que em círc’lo rotas penhas conformavam:<br />
De lá mais crus tormentos divisamos.<br />
<br />
Do fundo abismo exalações brotavam,<br />
Tão acres, que a fugir nos obrigaram<br />
Para trás das muralhas elevadas<br />
<br />
De um sepulcro, em que os olhos decifraram:<br />
“Sou do papa Anastácio a sepultura,<br />
Que de Fotino os erros transviaram”.<br />
<br />
“Lentamente desçamos desta altura:<br />
Assim, o olfato ao mau odor afeito,<br />
Não hemos de sentir-lhe a ação impura”.<br />
<br />
A Virgílio tornei: “Proceda a jeito,<br />
Ó Mestre, por que o tempo consumido<br />
Na demora, não corra sem proveito”. —<br />
<br />
— “Já stava o meio, ó filho, apercebido.<br />
Nestas penhas três círc’los há menores,<br />
Por degraus, como os outros, que hás descido.<br />
<br />
“Plenos stão de malditos pecadores.<br />
Por que, em vendo, os conheças logo, atende:<br />
Direi seus crimes e da pena as dores.<br />
<br />
“Todo mal, que no céu cólera acende,<br />
Injustiça há por fim, que o dano alheio,<br />
Usando fraude ou violência, tende.<br />
<br />
“Próprio do homem por ser da fraude o meio<br />
Mais descontenta a Deus; mores tormentos<br />
Em lugar sofre de aflições mais cheio.<br />
<br />
“Dos círc’los o primeiro é dos violentos;<br />
Mas, força a três pessoas se fazendo,<br />
Foi construído em três repartimentos.<br />
<br />
“A Deus, a si, ao próximo ofendendo,<br />
Nas pessoas, nos bens a força fere,<br />
Como hás de convencer-te, me entendendo.<br />
<br />
“Morte ou dor força ao próximo confere.<br />
Com ruína, com fogo os bens lhe invade.<br />
Quando pela extorsão não se apodere.<br />
<br />
“Homicidas, os que usam feridade,<br />
Ladrões, desvastadores, torturados<br />
Stão no primeiro, em turmas, sem piedade.<br />
<br />
“Homens há contra si cruéis, irados<br />
Ou contra os próprios bens: pois no segundo<br />
Recinto jazem sempre amargurados,<br />
<br />
“Quem se privara do terreno mundo,<br />
Os que seus cabedais malbarataram,<br />
Quem chora onde pudera estar jucundo.<br />
<br />
“Contra Deus violências homens preparam,<br />
Se o negam, se o blasfemam, desdenhando<br />
Natura e os dons, que nela se deparam.<br />
<br />
“No recinto menor sinal nefando<br />
Caors marca igualmente com Sodoma,<br />
E os que pecaram contra Deus falando.<br />
<br />
“A fraude em que o remorso tanto assoma,<br />
Ou trai a confiança ou premedita<br />
Danos a quem desprevenido toma.<br />
<br />
“A fraude desta espécie se exercita<br />
Contra os laços de amor, que faz natura:<br />
Portanto no segundo círc’lo habita<br />
<br />
“Adulação com simonia impura,<br />
Hipócritas, falsários, feiticeiros,<br />
Rufiães e outros dessa laia escura.<br />
<br />
“Transtorna a outra afetos verdadeiros,<br />
Que inspira a natureza e os que origina<br />
A mútua fé nos ânimos inteiros.<br />
<br />
“E, pois, no círc’lo extremo, que domina<br />
Da terra o centro e onde Dite pesa,<br />
Eterna pena aos tredos se destina”. —<br />
<br />
“Tem, Mestre” — eu disse — “o cunho da clareza<br />
O que expões, distinguindo exatamente<br />
A geena do inferno e a gente presa.<br />
<br />
“Diz-me: os que jazem na lagoa ingente,<br />
Os que flagela o vento ou chuva imiga,<br />
Os que se encontram em frêmito insolente,<br />
<br />
“Por que Deus lá em Dite os não castiga,<br />
Se a ira a Deus seus feitos acenderam?<br />
Se não, por que a aflição tanto os fustiga?” —<br />
<br />
“Deliras? Da tua mente se varreram<br />
Princípios sãos” — tornou — “a que és afeito?<br />
A que rumo as idéias se volveram?<br />
<br />
“Olvidas, porventura, esse preceito,<br />
De que houveste na Ética a ciência,<br />
Das três disposições, que em mau conceito<br />
<br />
“Estão do céu, — malícia, incontinência<br />
E furor bestial? — como a segunda<br />
Importa a Deus menor irreverência?<br />
<br />
“Se atentas em verdade tão profunda,<br />
Se lembras quais são esses que padecem<br />
Acima da mansão, que o fogo inunda,<br />
<br />
“Verás então ser justo não sofressem<br />
Daqueles maus a par, menos pesada<br />
Punição culpas suas merecessem”. —<br />
<br />
“Sol, que me aclara a vista perturbada,<br />
Às lições tuas dou tamanho apreço,<br />
Que o duvidar, como o saber, me agrada.<br />
<br />
“Tornando ao que disseste, expliques peço,<br />
Por que motivo, Mestre, usura ofende<br />
A divina bondade em tanto excesso”. —<br />
<br />
“Filosofia” — disse — “quem a atende<br />
Tem demonstrado, quase em toda parte,<br />
Que a natureza a sua origem prende<br />
<br />
“Do divino intelecto e da sua arte.<br />
Da Física em princípio hás conhecido<br />
Preceito, que hei mister recomendar-te:<br />
<br />
Que é da vossa arte ir sempre que há podido<br />
Após natura — à mestra obediente; —<br />
Neta de Deus chamá-la é permitido.<br />
<br />
“Da natureza e da arte, se tua mente<br />
O Gênese em começo lembra, colhe<br />
O seu sustento e haver a humana gente.<br />
<br />
“Usura bem diversa estrada escolhe<br />
Natura e a aluna sua menospreza,<br />
Esperança e cuidado e mal recolhe.<br />
<br />
Mas andemos; prossiga a nossa empresa.<br />
Vão no horizonte os Peixes assomando;<br />
Voltando sobre o coro o culto pesa<br />
<br />
E, além, a rocha está passagem dando”. —<br />
<br />
CANTO XII<br />
<br />
[ O Minotauro está de guarda ao sétimo círculo. Vencida a ira dele, chegam os Poetas ao vale, em cujo primeiro compartimento vêem um rio de sangue fervendo, no qual são punidos os que praticaram violências contra a vida ou as coisas do próximo. Uma esquadra de Centauros anda em volta do paul vigiando os condenados, frechando-os se tentam sair do rio de sangue. Alguns desses Centauros pretendem deter os Poetas, porém Virgílio os domina, conseguindo que um deles os escolte e transporte na garupa a Dante. Na passagem o Centauro, que é Nesso, fala a respeito dos danados que sofrem a pena no rio de sangue. ]<br />
<br />
DA descida era o passo tão fragoso<br />
E tal por quem lá estava à guarda e atento,<br />
Que se fazia à vista pavoroso.<br />
<br />
Como a ruína, que daquém de Trento,<br />
O Ádige feriu, por terremoto<br />
Ou por faltar de chofre o fundamento;<br />
<br />
Do viso ao val do monte, que foi roto,<br />
Tão derrocada vê-se a penedia,<br />
Que a descê-la o caminho é quase imoto.<br />
<br />
A ribanceira assim nos parecia.<br />
E à borda do penedo fracassado<br />
De Creta o monstro infame se estendia,<br />
<br />
Da falsa vaca torpemente nado.<br />
Apenas viu-nos, se mordeu fremente,<br />
Como quem pela raiva é devorado.<br />
<br />
“Cuidas” — bradou-lhe o sábio incontinente —<br />
“Ser de Atenas o príncipe, o que à morte<br />
Lá sobre a terra te arrojou valente?<br />
<br />
“Arreda, bruto! Que este é de outra sorte;<br />
Da tua irmã não recebera ensino;<br />
De vós outros vem ver a pena forte”.<br />
<br />
Qual touro desprendido, quando o tino<br />
Mortal golpe lhe rouba, que não pode<br />
Correr, mas salta a vacilar mofino:<br />
<br />
Assim o Minotauro. O Mestre acode<br />
Dizendo-me: “Demanda presto a entrada<br />
E desce, enquanto em vascas se sacode”. —<br />
<br />
A quebrada descíamos formada<br />
De pedras soltas; cada qual, movida,<br />
Cedia, em sendo por meus pés calcada.<br />
<br />
E eu cismava. Ele disse: — “Tens sorvida<br />
A mente na ruína, que do horrendo<br />
Monstro a ira defende já vencida.<br />
<br />
“Deves saber que, de outra vez descendo<br />
Até o extremo lá do baixo inferno,<br />
Esta rocha não vi, como a estás vendo,<br />
<br />
“Mas, pouco antes de vir se bem discerno,<br />
Aquele que há tomado a grande presa,<br />
A Dite, lá no círculo superno,<br />
<br />
“Deste val tremeu tanto a profundeza,<br />
Que sentisse pensei todo o universo<br />
O amor, com que alguém diz ter certeza<br />
<br />
“De que ao caos muita vez será converso.<br />
Foi aqui, noutras partes, nesse instante,<br />
Roto o velho penhasco em treva imerso.<br />
<br />
“Mas olha o vale: o rio é não distante<br />
De sangue, onde verás fervendo aquele,<br />
Que violência exerceu no semelhante.<br />
<br />
“Ó ira louca, ó ambição, que impele<br />
Na curta vida nossa, ao inferno arrasta<br />
E para sempre nos submerge nele!” —<br />
<br />
Eis uma cava divisei mui vasta,<br />
Que abrangia, arqueada, o plano inteiro,<br />
Como dissera quem do mal me afasta.<br />
<br />
No espaço, a que o penhasco é sobranceiro,<br />
Centauros correm, setas agitando,<br />
Como soíam no viver primeiro.<br />
<br />
Descer nos vendo, pára o ardido bando.<br />
Três de entre eles então nos demandaram,<br />
Os arcos e arremessos preparando.<br />
<br />
Os brados de um de longe nos soaram:<br />
— “Vós, que desceis, dizei a pena vossa;<br />
De lá falai, ou tiros se disparam!” —<br />
<br />
Virgílio respondeu: — “Resposta nossa<br />
Terá Quiron de perto, sem demora.<br />
Sempre te dana a pressa que te apossa”. —<br />
<br />
Tocou-me e disse: — “Quem nos fala agora<br />
É Nesso, o que morreu por Dejanira;<br />
Mas se vingou de quem fatal lhe fora.<br />
<br />
“Esse do meio, que o seu peito mira,<br />
Aio de Aquiles, é Quiron famoso;<br />
Esse outro é Folo, sempre aceso em ira”. —<br />
<br />
Aos mil em volta ao rio sanguinoso<br />
As almas seteavam, que excediam,<br />
Mais do que é dado, o líquido horroroso.<br />
<br />
Àqueles monstros que ágeis se moviam,<br />
Chegamo-nos. Quiron com seta ajeita<br />
Os cabelos, que os lábios lhe encobriam.<br />
<br />
Quando desta arte a larga boca afeita,<br />
Disse à companha: — “Haveis já reparado<br />
Que move aquele tudo, em que os pés deita?<br />
<br />
“Nunca assim pés de morto hão caminhado”.<br />
O Guia meu, que junto já lhe estava<br />
Do peito, onde era um ser noutro enleado,<br />
<br />
— “Vivo está, vem comigo” — lhe tornava —<br />
“A visitar o val maldito, escuro<br />
Para cumprir dever, que lho ordenava.<br />
<br />
“Deixando de cantar o hosana puro<br />
Alguém me há cometido o cargo novo.<br />
Não é ladrão, nem eu esp’rito impuro:<br />
<br />
Em nome do poder, por quem eu movo<br />
Os passos meus em tão medonha estrada,<br />
Envia algum, que escolhas no teu povo,<br />
<br />
“Por nos mostrar a parte acomodada<br />
Ao vau, e no seu dorso haver transporte<br />
Quem não é sombra ao vôo aparelhada”.<br />
<br />
Quiron volveu-se à destra e a Nesso forte<br />
— “Torna atrás” — disse — “e serve-lhes de guia:<br />
Que outro bando o caminho lhes não corte!” —<br />
<br />
Já partimos na fida companhia,<br />
As ondas costeando rubras, quentes,<br />
Donde agudo estridor ao ar subia.<br />
<br />
Té os cílios no sangue os padecentes<br />
Eu vi. Disse o Centauro: — “São tiranos<br />
Truculentos e em roubo preminentes.<br />
<br />
“Chora-se aqui por feitos desumanos.<br />
Alexandre aqui está, Dionísio antigo<br />
Que gemer fez Sicília tantos anos.<br />
<br />
“De negra coma, aqui sofre o castigo<br />
Azzolino; e o que está, louro, ao seu lado<br />
Obizzio d’Este, ao qual (verdade eu digo)<br />
<br />
“Roubara a vida o pérfido enteado”. —<br />
E o Vate, a quem voltei-me, assim dizia:<br />
— “O segundo lugar me é reservado”. —<br />
<br />
Pouco além parou Nesso: olhar queria<br />
Uma turba, que, estando submergida,<br />
Toda a cabeça para fora erguia,<br />
<br />
Disse, indicando uma alma retraída:<br />
“Perante Deus um coração ferira,<br />
Que inda Londres venera estremecida”. —<br />
<br />
A cabeça vi de outros, que subira<br />
Do rio à superfície e o inteiro busto,<br />
Suas feições no mundo eu distinguira:<br />
<br />
Ia baixando o sangue até que a custo<br />
Os pés cobria a quem passar quisesse:<br />
O fosso ali vencemos já sem custo.<br />
<br />
“Se desta parte o borbulhão parece<br />
Do rio escassear, eu te asseguro”<br />
— Disse Nesso — “que mais engrossa e desce<br />
<br />
“Na parte oposta até juntar-se ao escuro<br />
Pego em que, como hás visto, a tirania<br />
As penas dá no seu tormento duro.<br />
<br />
“A divina justiça lá crucia<br />
Esse Átila, que açoite foi da terra,<br />
Pirro e Sexto; e redobrar-se a agonia<br />
<br />
“Dos dois Renatos, que tamanha guerra<br />
Fizeram nas estradas, salteando,<br />
— O Pazzo e o de Corneto”. — E a fala cerra.<br />
<br />
Voltou depois do rio o vau passando.<br />
<br />
<br />
CANTO XIII<br />
<br />
[ Os dois Poetas entram no segundo compartimento, onde são punidos os violentos contra si mesmos e os dilapidadores dos próprios bens. Os primeiros são transformados em árvores, cujas negras folhas as Hárpias dilaceram; os outros são perseguidos por cães famintos que os despedaçam. Dante encontra Pedro des Vignes, de quem ouve os motivos pelos quais se suicidou e as leis divinas em relação aos suicidas. Vê depois o senense Lano e o paduano Jacob de Sant’Andréa. Ouve, enfim, de um suicida florentino, qual é a causa dos males da sua pátria. ]<br />
<br />
NÃO stava ainda Nesso do outro lado,<br />
Quando nós por um bosque penetramos,<br />
Dos vestígios de passos não marcado.<br />
<br />
Não fronde verde, mas escura, ramos<br />
Não lisos, mas travados e nodosos,<br />
Não pomos, puas com veneno achamos.<br />
<br />
Por silvados mais densos, mais umbrosos,<br />
Do Cecina a Corneto, a besta brava,<br />
Não foge, agros deixando deleitosos.<br />
<br />
Das Hárpias o bando aqui pousava.<br />
Que expeliram de Strófade os Troianos,<br />
Vaticinando o mal, que os aguardava.<br />
<br />
Asas têm largas, colo e rosto humanos,<br />
Garras nos pés, plumoso e ventre enorme,<br />
Soam na selva os uivos seus insanos.<br />
<br />
E disse o Mestre: “Convém já te informe<br />
Que o recinto segundo vais entrando,<br />
Onde verás spetáculo disforme,<br />
<br />
“Até que ao areal chegues infando.<br />
Atenta! E darás fé à narrativa,<br />
Que fiz, ainda lá no mundo estando”.<br />
<br />
Em toda parte ouvi grita aflitiva:<br />
Como não via quem assim gemesse,<br />
Parei e a torvação se fez mais viva.<br />
<br />
Creio que o Mestre cria então que eu cresse<br />
Que esses lamentos enviava aos ares<br />
Uma turba, que aos olhos se escondesse;<br />
<br />
Pois disse-me: “De um tronco se quebrares<br />
Um só raminho, ficarás ciente<br />
Desse erro em que se enleiam teus pensares”. —<br />
<br />
O braço estendo então e prontamente<br />
Vergôntea quebro. O tronco, assim ferido<br />
“Por que razão me arrancas?” diz fremente.<br />
<br />
De sangue negro o ramo já tingido,<br />
“Por que me rompes?” — prosseguiu gemendo —<br />
Assomos de piedade nunca hás tido?” —<br />
<br />
“Fui homem, hoje o lenho, que estás vendo!<br />
Mais compassiva a tua mão seria<br />
Se alma aqui fosse de um dragão tremendo”.<br />
<br />
Como acha verde, quando se incendia<br />
Num extremo s’estorce, no outro estala,<br />
Chiando e a umidade fora envia:<br />
<br />
Daquela arvora assim brotava a fala,<br />
E o sangue; a minha mão já desprendera<br />
O ramo, e, entanto, o horror no peito cala.<br />
<br />
“Se de antes ele acreditar pudera”<br />
Lhe torna o sábio Mestre “alma agravada,<br />
O que eu nos versos meus lhe descrevera,<br />
<br />
“Por te ferir sua mão não fora alçada.<br />
Não crera eu mesmo, e tanto que o induzira<br />
Ao feito, que me pesa e desagrada.<br />
<br />
“Diz-lhe quem foste e as dúvidas lhe tira.<br />
O mal te compensando, a fama tua<br />
Há de avivar no mundo, a que retira”. —<br />
<br />
E o tronco: “Alívio tanto à dor, que atua,<br />
Causais, que de bom grado eu já explico:<br />
Ao triste dai que a mágoa exprima sua.<br />
<br />
Fui quem do coração de Frederico<br />
As chaves tive e usei com tanto jeito,<br />
Fechando e desfechando que era rico<br />
<br />
“Da fé com que a mim só rendeu seu peito<br />
No glorioso cargo fui constante,<br />
Força, alento exauri por seu proveito.<br />
<br />
“A torpe meretriz, que, a todo instante<br />
Ao régio paço olhos venais volvendo,<br />
Morte comum, das cortes mal flagrante,<br />
<br />
“Contra mim ódio em todos acendendo,<br />
Por eles acendeu iras de Augusto,<br />
Que honras ledas tornou-me em luto horrendo.<br />
<br />
“Ressentindo-me então do mundo injusto,<br />
Por fugir seus desdéns, buscando a morte,<br />
Comigo iníquo fui eu, que era justo.<br />
<br />
“Pelo tronco em que peno desta sorte,<br />
Que jamais infiel hei sido, juro,<br />
Ao Rei meu, que houve a glória por seu norte,<br />
<br />
“De vós o que voltar à luz adjuro<br />
Que a memória me salve ao nome honrado,<br />
Que vulnerou da inveja o golpe duro”. —<br />
<br />
O vate inda esperou. — “Pois se há calado”. —<br />
Disse-me “fala, se tu mais desejas<br />
E pede-lhe: do tempo és apressado”. —<br />
<br />
Tornei: “Tu mesmo inquires quanto vejas<br />
Mais convir-me; que eu sinto-me inibido<br />
Por mágoas, que em minha alma são sobejas”.<br />
<br />
Ele então: “— Se o desejo teu cumprido<br />
For por este homem, nobremente usando,<br />
Te apraza, encarcerada alma, ao pedido<br />
<br />
“Nosso atender, e como nos mostrando<br />
Se liga ao tronco o esp’rito e se é factível<br />
Soltar-se um dia, o vínculo quebrando”. —<br />
<br />
Soprou de rijo o lenho; e perceptível<br />
Aquele som desta arte nos dizia:<br />
— “Resposta breve dou quanto é possível.<br />
<br />
“Quando os laços do corpo uma alma ímpia<br />
Destrói por si, do seu furor no enleio<br />
Ao círc’lo sete Minos logo a envia.<br />
<br />
“Na selva tomba e aonde acaso veio,<br />
E como o seu destino lhe consente,<br />
Aí, qual grão germina de centeio,<br />
<br />
“Vai crescendo até ser árvore ingente:<br />
As Hárpias, que a fronde lhe devoram,<br />
Causam-lhe dor, que rompe em voz plangente.<br />
<br />
“Hemos de ir onde os corpos nossos moram,<br />
Como as outras, mas sem que os revistamos,<br />
Mor pena aos que em perdê-los prestes foram.<br />
<br />
“Arrastados serão por nós: aos ramos<br />
Pendentes ficarão nesta floresta<br />
Nos troncos, em que, assim, vedes, penamos”. —<br />
<br />
Ouvíamos ainda a sombra mesta,<br />
De mais dizer cuidando houvesse o intento.<br />
Eis sentimos rumor, que nos molesta.<br />
<br />
Assim monteiro, à caça pouco atento,<br />
Do javardo e dos cães ouve o estrupido<br />
E das ramadas o estalar violento.<br />
<br />
Súbito vejo à esquerda, espavorido,<br />
Fugindo esp’ritos dois nus, lacerados,<br />
Ramos rompendo ao bosque denegrido.<br />
<br />
“Ó morte!” um clama — “acode aos desgraçados!”<br />
O segundo, que tardo se julgava:<br />
“Ninguém, ó Lano, os pés tanto apressados<br />
<br />
“De Toppo nas refregas te observava!”<br />
Porém, de todo já perdido o alento,<br />
Numa sarça acolheu-se que ali stava.<br />
<br />
Corria, enchendo a selva, em seguimento<br />
De famintas cadelas negro bando,<br />
Quais alões da cadeia ao todo isento<br />
<br />
A sombra homiziada se enviando,<br />
A fez pedaços a matilha brava,<br />
E logo após levou-os ululando.<br />
<br />
Então meu Guia pela mão me trava,<br />
Conduz-me à sarça, que se em vão carpia<br />
Pelas roturas, que o seu sangue lava.<br />
<br />
“Ó Jacó Santo André!” triste dizia —<br />
“Podia eu ser-te acaso amparo certo?<br />
Em mim por crimes teus que culpa havia?” —<br />
<br />
Disse-lhe o Mestre, quando foi mais perto:<br />
“Quem és tu, que o teu sangue e mágoas exalas<br />
Por golpes tantos, de que estás coberto?” —<br />
<br />
Tornou-lhe: “Ó alma que dessa arte falas<br />
E tu que o dano vês, que me separa,<br />
Da fronde minha, agora amontoá-las<br />
<br />
“Dignai-vos junto à rama, que as brotara.<br />
Na cidade nasci que por Batista<br />
Deixou prisco patrão, que da arte amara<br />
<br />
“Sempre pelos efeitos a contrista.<br />
E se do Arno na ponte não restasse<br />
Um vestígio, que traz seu culto à vista<br />
<br />
“Talvez ela à existência não tornasse,<br />
E quem das cinzas, que Átila há deixado,<br />
Levantou-a os esforços malograsse.<br />
<br />
“Na minha própria casa hei-me enforcado”. —<br />
<br />
<br />
<br />
CANTO XIV<br />
<br />
[ O terceiro compartimento no qual agora chegam os Poetas é um campo de areia ardente, devastado por grandes chamas de fogo. Aí estão os violentos contra Deus, contra a natureza e contra a arte. Entre os primeiros está Capaneo, que desafia a Deus. Seguindo, Dante e Virgílio chegam a um regato sangüíneo. Deste e dos outros rios do Inferno Virgílio narra a origem misteriosa. ]<br />
<br />
DE amor do pátrio ninho comovido,<br />
Essas dispersas folhas reunindo,<br />
À sarça as dei, que tinha a voz perdido.<br />
<br />
Ao limite, dali, fomos seguindo,<br />
Em que parte o recinto co’ terceiro,<br />
Onde a justiça horrível stá punindo.<br />
<br />
Para expressar-lhe o aspecto verdadeiro,<br />
Eu digo que à charneca então chegamos,<br />
De plantas nua em seu espaço inteiro.<br />
<br />
Da dor a selva a cerca dos seus ramos,<br />
Como o fosso a torneia sanguinoso:<br />
Ali, rente co’a borda, os pés firmamos.<br />
<br />
O plaino era tão árido e arenoso,<br />
Como o que de Catão os pés outrora<br />
Na jornada calcaram fadigoso.<br />
<br />
Ó vingança de Deus, quem não te adora<br />
Nos tremendos efeitos meditando,<br />
Que eu próprio olhei, que a minha voz memora!<br />
<br />
De almas nuas eu via infindo bando,<br />
Por modos diferentes torturadas,<br />
Miseráveis, mesquinhas pranteando.<br />
<br />
Jaziam sobre o dorso umas deitadas,<br />
Outras, dobrando os membros, se assentavam,<br />
Muitas andavam sempre aceleradas.<br />
<br />
Maior a turba destas se mostrava,<br />
Menor a que, prostrada no tormento.<br />
Maior dor nos lamentos denotava.<br />
<br />
Largas flamas com tardo movimento<br />
Choviam do areal em todo o espaço,<br />
Qual neve em serra, quando é mudo o vento.<br />
<br />
Na Índia sobre o exército, já lasso,<br />
Fogos cair viu Alexandre outrora,<br />
No chão ardendo livres de embaraço.<br />
<br />
Que aos pés no solo os calquem sem demora<br />
Suas falanges avisado ordena:<br />
Matá-los um por um fácil lhes fora.<br />
<br />
Assim baixava, para agravo à pena,<br />
Lume eterno que à areia se prendia,<br />
Como à isca a fagulha mais pequena.<br />
<br />
Cada qual sem repouso se estorcia,<br />
A um lado e a outro os braços revolvendo<br />
A cada chama, que do ar chovia.<br />
<br />
“Mestre” — falei — “que vais tudo vencendo,<br />
Somente exceto a legião furente,<br />
Que em Dite a entrada estava-nos tolhendo,<br />
<br />
“Diz quem seja a grã sombra, que não sente,<br />
Ao parecer, o incêndio, e não domado<br />
Pela chuva, já rápido, insolente?” —<br />
<br />
Reconhecendo o próprio condenado<br />
Que da minha pergunta fora objeto,<br />
“Morto sou qual fui vivo!” clama irado.<br />
<br />
“Que Jove canse o armeiro seu dileto,<br />
De quem tomou fremente o agudo raio<br />
Para em mim saciar rancor abjeto;<br />
<br />
“Que os seus cíclopes sintam já desmaio<br />
De Mongibello na oficina negra,<br />
Aos gritos — “Bom Vulcano, acode ou caio!” —<br />
<br />
“Como fez na peleja lá de Flegra;<br />
Que me fulmine de ódio e sanha cheio:<br />
No gozo da vingança em vão se alegra”. —<br />
<br />
Virgílio então, com voz, como não creio<br />
Lhe ter ouvido, sonorosa e forte,<br />
Bradou-lhe: “Capaneu, pois no teu seio<br />
<br />
“Não mitiga a soberda a própria morte,<br />
Sofre mor pena; igual não há castigo<br />
Ao que a raiva te inflige desta sorte!” —<br />
<br />
Para mim se voltou; com gesto amigo<br />
Falou: — “Dos Reis que Tebas sitiaram<br />
Foi um; de Deus se declarara imigo.<br />
<br />
“Os crimes seus no inferno se agravaram;<br />
Já disse-lhe, as blasfêmias, os furores<br />
Digno prêmio em seu peito lhe deparam.<br />
<br />
“Vem agora após mim; pelos fervores<br />
Não caminhes da areia incandescente;<br />
Da selva ao longo evitas-lhe os ardores”. —<br />
<br />
Fomos andando, cada qual silente,<br />
Até onde jorrar do bosque eu via<br />
Rubro arroio, que lembro inda tremente.<br />
<br />
Do Bulicame qual o que saía,<br />
Das pecadoras em serviço usado:<br />
Tal pela adusta areia este corria.<br />
<br />
As margens e orlas são de cada lado<br />
Feitas de pedra e assim também seu leito:<br />
Caminho ali notei ao passo azado.<br />
<br />
“De quanto aqui te conhecer hei feito,<br />
Depois que atrás deixamos essa porta,<br />
A cujo ingresso todos têm direito,<br />
<br />
“Não se há mostrado à tua vista absorta<br />
Maravilha que iguale a desta veia,<br />
Em que a flama adurente fica morta”. —<br />
<br />
O Mestre diz e assim desejo ateia<br />
De rogar-lhe me preste esse alimento,<br />
Que excitado, o apetite haver anseia.<br />
<br />
“Do mar em meio jaz” — ouvi-lhe atento —<br />
“Destruído país, Creta afamada.<br />
Com seu rei foi do mal o mundo isento.<br />
<br />
“Alça-se ali montanha outrora ornada<br />
De fontes e verdor: chama-se Ida:<br />
Erma está, como cousa desprezada.<br />
<br />
“Foi ao filho pra berço preferida<br />
De Réia, que abafava o seu vagido<br />
Fazer mandando grita desmedida.<br />
<br />
“Nas entranhas do monte um velho erguido<br />
Está: voltando à Damieta as costas,<br />
Como a espelho, olha Roma embevecido.<br />
<br />
“De ouro faces e fronte são compostas,<br />
De pura prata são braços e peito,<br />
Enéias do busto as partes bem dispostas.<br />
<br />
“De ferro estreme tudo o mais foi feito,<br />
O pé direito exceto, que é de argila,<br />
Mas o corpo sustém, sendo imperfeito.<br />
<br />
“Salvo do ouro, do mais sempre destila<br />
De lágrimas por fenda crebro fio,<br />
Que fura a gruta e rápido desfila.<br />
<br />
“Aos negros vales vem correndo em rio,<br />
Forma Stige, Aqueronte e Flegetonte,<br />
Desce depois neste canal esguio<br />
<br />
“Até do inferno o fundo, aonde é fonte<br />
Do Cocito. O que o rio acaso seja<br />
Verás: mister não é que ora te conte”. —<br />
<br />
— “Se desde o nosso mundo ele serpeja,<br />
Dize, ó Mestre, a razão por que a torrente<br />
Só neste abismo lôbrego se veja”. —<br />
<br />
“É circular este lugar horrente,<br />
E posto haja vencido extenso trato,<br />
Descendo tu à esquerda, inteiramente<br />
<br />
“Não hás feito inda ao círc’lo o giro exato.<br />
Não revele o teu rosto maravilha.<br />
Novas cousas em vendo e estranho fato”. —<br />
<br />
Ainda eu perguntei: — “Por onde trilha<br />
O Flegetonte e o Letes? De um te calas,<br />
E do outro a veia é dessa origem filha”. —<br />
<br />
Tornou: — “Muito me agrada quanto falas;<br />
Da água rubra o fervor, porém, solvera<br />
Uma dessas questões, que me assinalas.<br />
<br />
“Do inferno fora o Letes ver espera:<br />
Na linfa sua as almas vão lavar-se<br />
Depois que a penitência o perdão gera”. —<br />
<br />
Disse depois: “É tempo de deixar-se<br />
A selva; os passos meus sempre acompanha,<br />
Pela margem caminho há para andar-se.<br />
<br />
Do fogo ali se extingue toda sanha”. —<br />
<br />
<br />
Continua em : http://alighieri.scarian.net/translate_portuguese/alighieri_dante_a_divina_comedia.htmlAnonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-25535132824585083782011-05-02T16:15:00.001-07:002011-05-02T16:15:45.261-07:00Citações de S. João da Cruz<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Que mais queres, ó alma, e que mais buscas fora de ti, se encontras em teu próprio ser a riqueza, a satisfação, a fartura e o reino, que é teu Amado a quem procuras e desejas?<br />
<br />
Em teu recolhimento interior, regozija-te com ele, pois ele está muito perto de ti.<br />
<br />
A alma que verdadeiramente ama a Deus não deixa de fazer o que pode para achar o Filho de Deus, seu Amado. Mesmo depois de haver empregado todos os esforços, não se contenta e julga não ter feito nada.<br />
<br />
Ó Senhor, Deus meu! Quem te buscará com amor tão puro e singelo que deixe de te encontrar, conforme o desejo de sua vontade, se és tu o primeiro a mostrar-te e a sair ao encontro daqueles que te desejam?<br />
<br />
A alma que busca a Deus e permanece em seus desejos e comodismo, busca-o de noite, e, portanto, não o encontrará. Mas quem o busca através das obras e exercícios da virtude, deixando de lado seus gostos e prazeres, certamente o encontrará, pois o busca de dia.<br />
<br />
Quando a pessoa abre e se liberta de todo condicionamento, e une perfeitamente sua vontade à de Deus, transforma-se naquele que lhe comunica o ser sobrenatural, de tal maneira que se parece com o próprio Deus e se deixa possuir totalmente por ele.<br />
<br />
O amor consiste em despojar-se e desapegar-se, por Deus, de tudo o que não é ele.<br />
<br />
A pessoa, cujo estado de perfeição não corresponde à sua própria capacidade, jamais gozará da verdadeira paz e satisfação, porque, em suas faculdades, não chegou ainda àquele grau de despojamento, que se requer para a simples união.<br />
<br />
O centro da alma é Deus. Quando a pessoa se encontra com ele, em todas as suas faculdades, energias e desejos, terá atingido o cerne e a raiz mais profunda de si mesma, que é Deus.<br />
<br />
Nesta desnudez acha o espírito sua quietação e descanso, pois nada cobiçando, nada o fatiga para cima e nada o oprime para baixo, por estar no centro de sua humildade. Porque quando alguma coisa cobiça, nisto mesmo se cansa e atormenta.<br />
<br />
Quanto mais a pessoa se aproxima de Deus, mais profundas são as trevas que sente, e maior a escuridão, por causa de sua própria fraqueza. Assim, quanto mais alguém se aproxima do sol, sentirá, com seu grande resplendor, maior obscuridade e sofrimento, em razão da fraqueza e incapacidade de seus olhos.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-73958842425215443402011-04-25T16:19:00.000-07:002011-04-25T16:19:25.723-07:00Do blogue http://leitoracritica.blogspot.com/<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
<div align="justify">Um poema inesquecível, o mais belo poema da literatura inglesa do século XX, “A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock”, em versos livres que carregam uma angústia palpável, está no livro de T. S. Eliot (1888-1965), <em>Prufrock e outras observações</em>, de 1917. O poema é um monólogo, clama por imagens burguesas, às vezes marginais, ao mesmo tempo em que se mostra algo erudito ao trazer Michel Ângelo, o Princípe Hamlet etc. Assim, o chá com torradas, os hotéis baratos e a conversa sobre Buonarroti, querem mostrar um mundo onde, na verdade, o que reina é o vazio. A canção é uma canção de amor, como reza o título, só que ela traduz a angústia do amor que todavia vacila entre ousar e não ousar, haja vista a disparidade: há o que é refinado e há o que é burlesco, extravagante. O mundo é retratado de forma quase caricatural. Será que vale a pena arriscar?<br />
</div><div align="justify">A CANÇÃO DE AMOR DE J. ALFRED PRUFROCK</div><div align="justify"><span style="color: white;">----------------------</span><em>T. S. Eliot</em></div><div align="justify"><em></em></div><br />
<br />
<span style="color: white;">-------------------------------</span><span style="color: white;">---</span><em>S’i credesse che mia risposta fosse<br />
<span style="color: white;">----------------------------------</span>A persona che mai tornasse al mondo,<br />
<span style="color: white;">----------------------------------</span>Questa fiamma staria senza più scosse.<br />
<span style="color: white;">----------------------------------</span>Ma però che già mai di questo fondo<br />
<span style="color: white;">----------------------------------</span>Non torno vivo alcun, s’i’odo il vero,<br />
<span style="color: white;">----------------------------------</span>Sanza tema d’infamia ti rispondo.<br />
<br />
<span style="color: white;">---------------------------------</span></em>Dante Alighieri, La Divina Commedia, Inferno<br />
<br />
Então vem, vamos juntos os dois,<br />
A noite cai e já se estende pelo céu,<br />
Parece um doente adormecido a éter sobre a mesa;<br />
Vem comigo por certas ruas semi-desertas<br />
Que são o refúgio de vozes murmuradas<br />
De noites sem repouso em hotéis baratos de uma noite<br />
E restaurantes com serradura e conchas de ostra:<br />
Ruas que se prolongam como argumento enfadonho<br />
De insidiosa intenção<br />
Que te arrasta àquela questão inevitável...<br />
Oh, não perguntes “Qual será?”<br />
Vem lá comigo fazer a tal visita.<br />
<br />
Passeiam damas na sala para além e para aqui<br />
E falam de Miguel Ângelo Buonarroti<br />
A névoa amarela que esfrega as costas nas vidraças<br />
O fumo amarelo que esfrega o focinho nas vidraças<br />
Passou a língua dentro dos recantos da noite,<br />
Demorou-se nos charcos que ficam na sarjeta,<br />
Deixou cair nas costas a fuligem solta das chaminés,<br />
Deslizou pelo terraço, de repente deu um salto,<br />
E, ao ver serena aquela noite de Outubro,<br />
Deu uma volta à casa, enroscou-se e dormiu.<br />
<br />
Haverá por certo um tempo<br />
Para o fumo amarelo que desliza pela rua<br />
E esfrega as costas nas vidraças;<br />
Haverá um tempo, tempo<br />
De compor um rosto para olhares os rostos que te olharem;<br />
Tempo de matar, tempo de criar,<br />
E tempo para todos os trabalhos e os dias, de mãos<br />
Que se erguem e te deixam cair no prato uma pergunta;<br />
Tempo para ti e tempo para mim,<br />
E tempo ainda para cem indecisões<br />
E outras tantas visões e revisões<br />
Antes de tomar o chá e a torrada.<br />
<br />
Passeiam damas na sala para além e para aqui<br />
E falam de Miguel Ângelo Buonarroti.<br />
<br />
Haverá por certo um tempo<br />
De pensar se corro tal risco. “Corro tal risco?”<br />
Tempo de virar costas e descer as escadas<br />
Com esta clareira calva no meio do cabelo –<br />
(Hão-de dizer: “Este já tem pouco cabelo!”)<br />
Com a casaca, colarinho hirto subido até ao queixo,<br />
Gravata distinta e discreta mas ornada de um sóbrio alfinete –<br />
(Hão-de dizer: “Que magro está, nos braços e nas pernas!”)<br />
Vou correr o risco<br />
De perturbar o universo?<br />
Num só minuto há tempo<br />
Para decisões e revisões, a revogar noutro minuto.<br />
<br />
Pois já as conheço todas bem, conheço todas –<br />
Sei as noites, as tardes, as manhãs,<br />
Às colheres de café andei medindo a minha vida;<br />
Sei que em breve agonia se esvaem as vozes<br />
Abafadas na música de um quarto mais além.<br />
Como havia eu de ousar, assim?<br />
<br />
E já conheço os olhares, conheço todos –<br />
Olhares que te reduzem a fórmulas e a dizeres,<br />
E quando eu for apenas fórmula, esticado em alfinete,<br />
Quando estiver na parede, trespassado, contorcido,<br />
Como haverei então de começar<br />
A cuspir as pontas de cigarro dos meus dias e jeitos?<br />
<br />
E como havia eu de ousar, assim?<br />
E já conheço os braços, conheço todos –<br />
Braceletes nos braços brancos e nus<br />
(Mas com uma penugem loira à luz do candeeiro)<br />
Será pelo perfume de um vestido<br />
Que sou levado assim a divagar?<br />
Braços estendidos na mesa ou envoltos num xaile.<br />
E havia eu de ousar assim?<br />
Por onde havia eu de começar?<br />
<br />
E se eu disser que dou passeios por becos quando anoitece,<br />
E vou fitando o fumo que sobe do cachimbo<br />
De homens em mangas de camisa, à janela, solitários?...<br />
<br />
Eu devia ter sido um ferro de duas garras<br />
A rasgar o fundo desses mares de silêncio.<br />
<br />
E a tarde, a noite, a dormir tão sossegada!<br />
Afagada por dedos esguios,<br />
A dormir... exausta... ou a fingir,<br />
Estirada aqui no chão, à beira de nós dois.<br />
Depois do chá, dos bolos, dos gelados, eu tinha ainda<br />
Aquela força que provoca a crise do instante?<br />
Mas apesar de lágrimas e jejuns, lágrimas e preces,<br />
E apesar de ter visto a minha cabeça (um tanto calva já) ser entregue numa salva,<br />
Não sou nenhum profeta – e isso pouco importa;<br />
Já vi tremer o meu instante de esplendor<br />
E vi o eterno lacaio agarrar-me a casaca, rindo sorrateiro,<br />
E bastará dizer que tive medo.<br />
<br />
E tinha valido a pena, depois de tudo isto,<br />
Depois da geleia, das xícaras, do chá,<br />
Entre porcelanas, a meio de qualquer conversa de nós dois,<br />
Tinha valido a pena<br />
Ter rematado o assunto com um sorriso,<br />
Ter estreitado o universo numa bola<br />
E fazê-la rolar, rumo a qualquer questão inevitável,<br />
E dizer: “Sou Lázaro e venho de entre os mortos.<br />
Voltei para vos contar tudo, vou contar-vos tudo” –<br />
Se alguém, ajeitando a cabeça dela numa almofada,<br />
Dissesse: “Não era nada disso que eu queria dizer<br />
Não é isso, nada disso.”<br />
<br />
E tinha valido a pena, depois de tudo,<br />
Tinha mesmo valido a pena,<br />
Depois dos pátios, dos poentes, das ruas chuviscadas,<br />
Dos romances, das xícaras de chá, das saias arrastando pelo chão –<br />
E depois disto e tantas coisas mais? –<br />
Não é possível dizer mesmo o que quero dizer!<br />
Mas se uma lanterna mágica mostrasse na tela a imagem dos nervos:<br />
Tinha valido a pena<br />
Se alguém, compondo a almofada ou tirando um xaile,<br />
Dissesse, ao voltar-se para a janela:<br />
“Não é isso, nada disso,<br />
Não era nada disso que eu queria dizer.”<br />
<br />
Não! Não sou o príncipe Hamlet e nem tinha que ser;<br />
Sou um fidalgo da corte, desses que servem<br />
Para aumentar a comitiva, abrir uma ou duas cenas,<br />
Dar conselhos ao príncipe; instrumento dócil, é claro,<br />
Reverente, satisfeito por ser prestável,<br />
Político, meticuloso e avisado;<br />
Cheio de sentenças doutas, um tanto obtuso todavia;<br />
Às vezes, por sinal, quase ridículo –<br />
Quase o bobo, às vezes.<br />
<br />
Estou a ficar velho... Estou a ficar velho...<br />
Hei-de andar com a dobra da calça revirada.<br />
<br />
E se eu puxar atrás o risco do cabelo? Arrisco-me a trincar<br />
um pêssego?<br />
Hei-de vestir calça de flanela branca e passear na praia.<br />
Já ouvi as sereias cantando, umas às outras.<br />
<br />
Creio que para mim não vão cantar.<br />
Tenho-as visto na direcção do mar a cavalgar as ondas<br />
Penteando crinas brancas de ondas encrespadas<br />
Quando o vento revolve as águas escuras e brancas.<br />
<br />
Ficámos nas mansões do mar nós dois em abandono<br />
Entre as ondinas com grinaldas de algas castanhas purpurinas<br />
Até que vozes humanas nos despertam e morremos naufragados.<br />
<br />
Tradução: João Almeida Flor para a edição da Assírio e Alvim Editora, de 1985, <em>A Canção de Amor de J.</em> <em>Alfred Prufrock</em>.<div align="justify">Ilustração: La Pâtisserie Cloppe, de Jean Béraud (1849-1935).</div></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-42774760690614168442011-03-27T08:15:00.000-07:002011-03-27T08:15:53.577-07:00Fabricio Carpinejar<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"> <br />
<table border="0" cellpadding="0" cellspacing="0" height="21" style="width: 768px;"><tbody>
<tr> <td height="21" width="768"> <table border="0" cellpadding="0" cellspacing="0" height="1" style="width: 768px;"><tbody>
<tr> <td align="right" bgcolor="#666666" height="19" width="86"> <div align="center"><span style="font-family: Verdana; font-size: xx-small;"><a href="" name="top"><img height="12" src="http://www.carpinejar.com.br/violet.gif" width="86" /></a><br />
<a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/cronologia.htm"> Cronologia</a></span></div></td> <td align="right" bgcolor="#666666" height="19" width="86"> <div align="center"><span style="font-family: Verdana; font-size: xx-small;"><img height="12" src="http://www.carpinejar.com.br/green.gif" width="86" /><br />
<a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/livros.htm"> Bibliografia</a></span></div></td> <td align="right" bgcolor="#666666" height="19" width="86"> <div align="center"><span style="font-family: Verdana; font-size: xx-small;"><img height="12" src="http://www.carpinejar.com.br/lilas.gif" width="86" /><br />
<a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/critica.htm"> Crítica</a></span></div></td> <td align="right" bgcolor="#666666" height="19" width="86"> <div align="center"><span style="font-family: Verdana; font-size: xx-small;"><img height="12" src="http://www.carpinejar.com.br/yellow.gif" width="86" /><br />
<a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm">Textos</a></span></div></td> <td align="right" bgcolor="#666666" height="19" width="86"> <div align="center"><span style="font-family: Verdana; font-size: xx-small;"><img height="12" src="http://www.carpinejar.com.br/red.gif" width="86" /><br />
<a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/depoimentos.htm">Depoimentos</a></span></div></td> <td align="right" height="19" width="331"> <div align="center"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b>Fabrício Carpinejar</b></span></div></td> </tr>
<tr bgcolor="#666666"> <td height="1" width="86"><br />
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</td> <td height="1" width="331"><br />
</td> </tr>
</tbody></table></td> </tr>
</tbody></table><table border="0" cellpadding="0" cellspacing="0" height="806" style="width: 770px;"><tbody>
<tr valign="top"> <td height="806" width="180"> <div align="center"><a href="http://www.carpinejar.com.br/home.htm"><img border="0" height="116" src="http://www.carpinejar.com.br/ass.gif" width="172" /> </a> </div><table border="0" cellpadding="0" cellspacing="0"><tbody>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"><b><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"> </span></b></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"><b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"> <a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#Poemas%20do%20livro%20As%20Solas%20do%20Sol">As Solas do Sol</a></span></b></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"><b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"> </span></b></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"><b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"> <a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#Poemas%20de%20Um%20Terno%20de%20P%C3%A1ssaros%20ao%20Sul"> Um Terno<br />
de Pássaros ao Sul</a></span></b></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> <div align="left"><br />
</div></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"><b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"> </span></b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"><b><a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#Poema%20do%20livro%20Terceira%20Sede">Terceira Sede</a></b></span></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"><b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"> </span></b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"><b><a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#Poema%20do%20livro%20Biografia%20de%20uma%20%C3%A1rvore">Biografia de uma Árvore</a></b></span></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"><b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"> <a class="branco" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#In%C3%A9ditos%20de%20Fabr%C3%ADcio%20Carpinejar">Cinco Marias</a></span></b></td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
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<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
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<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
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<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> </td> </tr>
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<tr> <td bgcolor="#999999" width="100%"> <br />
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</tbody></table><div align="left"><b><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"> </span></b></div></td> <td height="806" width="586"> <table border="0" cellpadding="0" cellspacing="0" style="width: 588px;"><tbody>
<tr> <td align="right" bgcolor="#2b8807" width="586"><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b>Textos</b></span> </td></tr>
<tr> <td align="right" bgcolor="#ffffff" width="586"> <div align="center"> <table border="0"><tbody>
<tr> <td align="left" valign="top" width="100%"> <div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poemas do livro As Solas do Sol">Poemas do livro As Solas do Sol<br />
</a></b><br />
<b>Primeira colina - poema 8<br />
</b><br />
Reconheci a antigüidade do rosto<br />
pela fumaça apressada do prado<br />
- ela encorpava,<br />
ardilosa,<br />
uma cobra que endurece<br />
o couro<br />
na estocada da faca.<br />
<br />
<b>Oitava colina - poema 1</b><br />
<br />
As laranjas prematuras,<br />
lâmpadas queimadas,<br />
boiavam no esgoto<br />
do pátio,<br />
com o suco parado,<br />
isoladas da eletricidade.<br />
<br />
<b>Nona colina - poema 3</b><br />
<br />
A vida amou a morte<br />
mais do que havia<br />
para morrer.</span></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poemas de Um Terno de Pássaros ao Sul">Poemas de Um Terno de Pássaros ao Sul</a><br />
<br />
Fragmento I</b><br />
<br />
Pouco crescemos<br />
no que aprendemos,<br />
o sabor<br />
<br />
de um livro antigo<br />
está em jovem<br />
esquecê-lo.<br />
<br />
Eu alterei<br />
a ordem do teu ódio.<br />
Fiz fretes de obras<br />
<br />
na estante.<br />
Mudava os títulos<br />
de endereços<br />
<br />
em tua biblioteca<br />
e rastreavas, ensandecido,<br />
aquele morto encadernado<br />
<br />
que ressuscitou<br />
quando havias enterrado<br />
a leitura,<br />
<br />
aquele coração insistente,<br />
deixando atrás uma cova<br />
aberta na coleção.<br />
<br />
Sou também um livro<br />
que levantou<br />
dos teus olhos deitados.<br />
<br />
Em tudo o que riscavas,<br />
queria um testamento.<br />
Assim recolhia os insetos<br />
<br />
de tua matança,<br />
o alfabeto abatido<br />
nas margens.<br />
<br />
Folheava os textos,<br />
contornando as pedras<br />
de tuas anotações.<br />
<br />
Retraído,<br />
como um arquipélago<br />
nas fronteiras azuis.<br />
<br />
Desnorteado,<br />
como um cão<br />
entre a velocidade<br />
<br />
e os carros.<br />
Descia o barranco úmido<br />
de tua letra,<br />
<br />
premeditando<br />
os tropeços.<br />
Sublinhavas de caneta,<br />
<br />
visceral,<br />
impaciente com o orvalho,<br />
a fúria em devorar as idéias,<br />
<br />
cortar as linhas em estacas da cruz,<br />
marcá-las com a estada.<br />
Tua pontuação delgada,<br />
<br />
um oceano<br />
na fruta branca.<br />
Pretendias impressionar<br />
<br />
o futuro com a precocidade.<br />
A mãe remava<br />
em tua devastação,<br />
<br />
percorria os parágrafos a lápis.<br />
O grafite dela, fino,<br />
uma agulha cerzindo<br />
<br />
a moldura marfim.<br />
Calma e cordata,<br />
sentava no meio-fio da tinta,<br />
<br />
descansando a fogueira<br />
das folhas e grilos.<br />
Cheguei tarde<br />
<br />
para a ceia.<br />
Preparava o jantar<br />
com as sobras do almoço.<br />
<br />
Lia o que lias,<br />
lia o que a mãe lia.<br />
Era o último a sair da luz.</span></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poema do livro Terceira Sede">Poema do livro Terceira Sede</a><br />
</b><br />
<b>Décima elegia<br />
</b><br />
Só na velhice o vento não ressuscita.<br />
A água dos olhos entra na surdez da neve<br />
e escuta a oração do estômago, dos rins, do pulmão.<br />
<br />
O sono desce com a marcha dos ratos no assoalho.<br />
Tudo foi julgado e devemos durar nas escolhas.<br />
<br />
Só na velhice os grilos denunciam o meio-dia.<br />
O exílio é na carne.<br />
<br />
Esmorece o esforço de conciliar a verdade<br />
com a realidade.<br />
A neblina nos enterra vivos.<br />
<br />
Só na velhice o pó atravessa a parede da brasa,<br />
o riso atravessa o osso.<br />
Deciframos a descendência do vinho.<br />
<br />
Os segredos não são contados<br />
porque ninguém quer ouvi-los.<br />
O lume raso do aposento é apanhado pela ave<br />
a pousar o bule das penas na estante do mar.<br />
<br />
Só na velhice acomodo a bagagem nos bolsos do casaco.<br />
O suspiro é mais audível que o clamor.<br />
<br />
Recusamos o excesso, basta uma escova e uma toalha.<br />
<br />
Só na velhice os músculos são armas engatilhadas.<br />
O nome passa a me carregar.<br />
<br />
É penoso subir os andares da voz,<br />
nos abrigamos no térreo de um assobio.<br />
Pedimos desculpa às cadeiras e licença ao pão.<br />
<br />
O ódio esquece sua vingança.<br />
Amamos o que não temos.<br />
<br />
Só na velhice digo bom-dia e recebo<br />
a resposta de noite.<br />
Convém dispor da cautela e se despedir aos poucos.<br />
<br />
Só na velhice quantos sofrem à toa<br />
para narrar em detalhes seu sofrimento.<br />
<br />
O pesadelo impõe dois turnos de trabalho.<br />
Investigo-me a ponto de ser meu inimigo.<br />
<br />
Sustentamos o atrito com o céu, plagiando<br />
com as pálpebras o vôo anzolado, céreo, das borboletas.<br />
<br />
Só na velhice há o receio em folhear edições raras<br />
e rasgar uma página gasta do manuseio.<br />
Embalo a espuma como um neto.<br />
<br />
Confundimos a ordem do sinal da cruz.<br />
O luto não é trégua e descanso, mas a pior luta.<br />
<br />
Só na velhice a forma está na força do sopro.<br />
Respeito Lázaro, que a custo de um milagre<br />
faleceu duas vezes.<br />
<br />
O medo é de dormir na luz.<br />
Lamento ter sido indiscreto<br />
com minha dor e discreto com minha alegria.<br />
<br />
Só na velhice a mesa fica repleta de ausências.<br />
Chego ao fim, uma corda que aprende seu limite<br />
após arrebentar-se em música.<br />
Creio na cerração das manhãs.<br />
Conforto-me em ser apenas homem.<br />
<br />
Envelheci,<br />
tenho muita infância pela frente.</span></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poema do livro Biografia de uma árvore">Poema do livro Biografia de uma árvore</a><br />
<br />
Ouvidos de orvalho</b><br />
<br />
Na eternidade, ninguém se julga eterno.<br />
Aqui, nesta estada, penso que vou durar<br />
além dos meus anos, que terei<br />
outra chance de reaver o que não fiz.<br />
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:<br />
serei esquecido quando redimido.<br />
<br />
Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.<br />
O esquecimento jamais devolve seus reféns.<br />
<br />
A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.<br />
<br />
O fogo é uma noz que não se quebra com as mãos.<br />
A voz vem do fogo, que somente cresce se arremessado.<br />
Não há como recuar depois de arder alto.<br />
Fui lançado cedo demais às cinzas.<br />
<br />
Somos reacionários no trajeto de volta.<br />
Quando estava indo ao teu encontro,<br />
arrisquei atalhos e travessas desconhecidas.<br />
Acreditei que poderia sair pela entrada.<br />
Ao retornar, não improviso.<br />
<br />
Minha conversão é pelo medo,<br />
orando de joelhos diante do revólver,<br />
sem volver aos lados,<br />
na dúvida se é de brinquedo ou de verdade.<br />
<br />
O vento faz curva. Não mexo nos bolsos,<br />
na pasta e na consciência,<br />
nenhum gesto brusco de guitarra,<br />
a ciência de uma mira<br />
e o gatilho rodando próximo<br />
do tambor dos dentes.<br />
<br />
Derramado em Deus, junto meu desperdício.<br />
<br />
Vou te extraviando no ato de nomear.<br />
Melhor seria recuar no silêncio.<br />
<br />
Cantamos em coro como animais da escureza.<br />
Os cílios não germinaram.<br />
Falta plantio em nossas bocas, vegetação nas unhas,<br />
estampas e ervas no peito.<br />
Suplicamos graves e agudos, espasmos e espanto,<br />
compondo esquina com a noite.<br />
<br />
Cantar não é desabafo,<br />
mas puxar os sinos<br />
além do nosso peso,<br />
acordando a cúpula de pombas.<br />
<br />
Somos fumaça e cera,<br />
limo e telha,<br />
névoa e leme.<br />
O inverno nos inventou.<br />
<br />
Não importa se te escuto<br />
ou se explodes meus ouvidos de orvalho:<br />
morre aquilo que não posso conversar?<br />
<br />
Ficarei isolado e reduzido,<br />
uma fotografia esvaziada de datas.<br />
Os familiares tentarão decifrar quem fui<br />
e o que prosperou do legado.<br />
Haverei de ser um estranho no retrato<br />
de olhos vivos em papel velho.<br />
<br />
Escrevo para ser reescrito.<br />
Ando no armazém da neblina, tenso,<br />
sob ameaça do sol.<br />
Masco folhas, provando o ar, a terra lavada.<br />
Depois de morto, tudo pode ser lido.<br />
<br />
Vejo degraus até no vôo.<br />
Tua violência é a suavidade.<br />
Não há queda mais funda<br />
do que não ser o escolhido,<br />
amargar o fim da fila,<br />
ser o que fica para depois,<br />
o que enumera os amigos<br />
pelos obituários de jornal,<br />
o que enterra e se retrai no desterro,<br />
esfacela a rosa ao toque<br />
na palidez das pétalas e velas,<br />
vistoriando cada ruga<br />
e infiltração de heras entre as veias,<br />
nunca adulto para compreender.<br />
<br />
Não há nada de natural na morte natural.<br />
Divorciar-se do corpo, tremer ao segurar<br />
as pernas, acomodar-se no finito<br />
de uma cama e deitar com o tumulto<br />
que vem de um túmulo vazio.</span></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div align="left" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="left" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="left" style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><a href="" name="Inéditos de Fabrício Carpinejar"><b>Poemas do livro Cinco Marias<br />
</b></a><br />
Chega um momento<br />
em que somos aves na noite,<br />
pura plumagem, dormindo de pé,<strong><br />
</strong>com a cabeça encolhida.<br />
O que tanto zelamos<br />
na fileira dos dias,<br />
o que tanto brigamos<br />
para guardar, de repente<br />
não presta mais: jornais, retratos,<br />
poemas, posteridade.<br />
Minha bagagem<br />
é a roupa do corpo.<br />
<br />
...<br />
<br />
Eu fui uma mulher marítima,<br />
as rugas chegaram antes.<br />
<br />
Eu fui uma mulher marítima,<br />
paisagem e pêssego,<br />
uma faísca<br />
entre a corda do barco<br />
e a rocha.<br />
<br />
Eu fui o que não sou.<br />
Depois que inventaram o inconsciente,<br />
a verdade fica sempre para depois.<br />
<br />
...<br />
<br />
A mãe orquestrava a horta.<br />
Reservava espaço para ervas daninhas<br />
e seu alfabeto de moscas.<br />
Não mexia na ordem de Deus.<br />
Louvada seja<br />
a esmola de uma hortaliça.<br />
<br />
...<br />
<br />
Acerto o relógio pelo sol.<br />
Percorro as dez quadras<br />
de meu mundo.<br />
As ruas são conhecidas<br />
e me atalham.<br />
<br />
...<br />
<br />
Meu medo se interessa por qualquer ruído.<br />
Hoje quero alguém para conversar enquanto dirijo,<br />
baixar os faróis em estrada litorânea,<br />
enxergar pelas mãos.<br />
<br />
...<br />
<br />
Fazer as coisas pela metade<br />
é minha maneira de terminá-las.<br />
<br />
Os poemas aqui publicados integram o livro inédito <i> Cinco Marias</i>.</span></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div align="left" style="margin-left: 25px;"><b><span style="color: white; font-family: Verdana; font-size: xx-small;"> </span></b></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><br />
</span> </div></td> </tr>
</tbody></table></div></td></tr>
</tbody></table></td></tr>
</tbody></table><br />
</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-48857554247544535452011-03-27T08:12:00.000-07:002011-03-27T08:12:07.804-07:00Poesia de Fabricio Carpinejar<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poemas do livro As Solas do Sol">Poemas do livro As Solas do Sol<br />
</a></b><br />
<b>Primeira colina - poema 8<br />
</b><br />
Reconheci a antigüidade do rosto<br />
pela fumaça apressada do prado<br />
- ela encorpava,<br />
ardilosa,<br />
uma cobra que endurece<br />
o couro<br />
na estocada da faca.<br />
<br />
<b>Oitava colina - poema 1</b><br />
<br />
As laranjas prematuras,<br />
lâmpadas queimadas,<br />
boiavam no esgoto<br />
do pátio,<br />
com o suco parado,<br />
isoladas da eletricidade.<br />
<br />
<b>Nona colina - poema 3</b><br />
<br />
A vida amou a morte<br />
mais do que havia<br />
para morrer.</span></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poemas de Um Terno de Pássaros ao Sul">Poemas de Um Terno de Pássaros ao Sul</a><br />
<br />
Fragmento I</b><br />
<br />
Pouco crescemos<br />
no que aprendemos,<br />
o sabor<br />
<br />
de um livro antigo<br />
está em jovem<br />
esquecê-lo.<br />
<br />
Eu alterei<br />
a ordem do teu ódio.<br />
Fiz fretes de obras<br />
<br />
na estante.<br />
Mudava os títulos<br />
de endereços<br />
<br />
em tua biblioteca<br />
e rastreavas, ensandecido,<br />
aquele morto encadernado<br />
<br />
que ressuscitou<br />
quando havias enterrado<br />
a leitura,<br />
<br />
aquele coração insistente,<br />
deixando atrás uma cova<br />
aberta na coleção.<br />
<br />
Sou também um livro<br />
que levantou<br />
dos teus olhos deitados.<br />
<br />
Em tudo o que riscavas,<br />
queria um testamento.<br />
Assim recolhia os insetos<br />
<br />
de tua matança,<br />
o alfabeto abatido<br />
nas margens.<br />
<br />
Folheava os textos,<br />
contornando as pedras<br />
de tuas anotações.<br />
<br />
Retraído,<br />
como um arquipélago<br />
nas fronteiras azuis.<br />
<br />
Desnorteado,<br />
como um cão<br />
entre a velocidade<br />
<br />
e os carros.<br />
Descia o barranco úmido<br />
de tua letra,<br />
<br />
premeditando<br />
os tropeços.<br />
Sublinhavas de caneta,<br />
<br />
visceral,<br />
impaciente com o orvalho,<br />
a fúria em devorar as idéias,<br />
<br />
cortar as linhas em estacas da cruz,<br />
marcá-las com a estada.<br />
Tua pontuação delgada,<br />
<br />
um oceano<br />
na fruta branca.<br />
Pretendias impressionar<br />
<br />
o futuro com a precocidade.<br />
A mãe remava<br />
em tua devastação,<br />
<br />
percorria os parágrafos a lápis.<br />
O grafite dela, fino,<br />
uma agulha cerzindo<br />
<br />
a moldura marfim.<br />
Calma e cordata,<br />
sentava no meio-fio da tinta,<br />
<br />
descansando a fogueira<br />
das folhas e grilos.<br />
Cheguei tarde<br />
<br />
para a ceia.<br />
Preparava o jantar<br />
com as sobras do almoço.<br />
<br />
Lia o que lias,<br />
lia o que a mãe lia.<br />
Era o último a sair da luz.</span></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poema do livro Terceira Sede">Poema do livro Terceira Sede</a><br />
</b><br />
<b>Décima elegia<br />
</b><br />
Só na velhice o vento não ressuscita.<br />
A água dos olhos entra na surdez da neve<br />
e escuta a oração do estômago, dos rins, do pulmão.<br />
<br />
O sono desce com a marcha dos ratos no assoalho.<br />
Tudo foi julgado e devemos durar nas escolhas.<br />
<br />
Só na velhice os grilos denunciam o meio-dia.<br />
O exílio é na carne.<br />
<br />
Esmorece o esforço de conciliar a verdade<br />
com a realidade.<br />
A neblina nos enterra vivos.<br />
<br />
Só na velhice o pó atravessa a parede da brasa,<br />
o riso atravessa o osso.<br />
Deciframos a descendência do vinho.<br />
<br />
Os segredos não são contados<br />
porque ninguém quer ouvi-los.<br />
O lume raso do aposento é apanhado pela ave<br />
a pousar o bule das penas na estante do mar.<br />
<br />
Só na velhice acomodo a bagagem nos bolsos do casaco.<br />
O suspiro é mais audível que o clamor.<br />
<br />
Recusamos o excesso, basta uma escova e uma toalha.<br />
<br />
Só na velhice os músculos são armas engatilhadas.<br />
O nome passa a me carregar.<br />
<br />
É penoso subir os andares da voz,<br />
nos abrigamos no térreo de um assobio.<br />
Pedimos desculpa às cadeiras e licença ao pão.<br />
<br />
O ódio esquece sua vingança.<br />
Amamos o que não temos.<br />
<br />
Só na velhice digo bom-dia e recebo<br />
a resposta de noite.<br />
Convém dispor da cautela e se despedir aos poucos.<br />
<br />
Só na velhice quantos sofrem à toa<br />
para narrar em detalhes seu sofrimento.<br />
<br />
O pesadelo impõe dois turnos de trabalho.<br />
Investigo-me a ponto de ser meu inimigo.<br />
<br />
Sustentamos o atrito com o céu, plagiando<br />
com as pálpebras o vôo anzolado, céreo, das borboletas.<br />
<br />
Só na velhice há o receio em folhear edições raras<br />
e rasgar uma página gasta do manuseio.<br />
Embalo a espuma como um neto.<br />
<br />
Confundimos a ordem do sinal da cruz.<br />
O luto não é trégua e descanso, mas a pior luta.<br />
<br />
Só na velhice a forma está na força do sopro.<br />
Respeito Lázaro, que a custo de um milagre<br />
faleceu duas vezes.<br />
<br />
O medo é de dormir na luz.<br />
Lamento ter sido indiscreto<br />
com minha dor e discreto com minha alegria.<br />
<br />
Só na velhice a mesa fica repleta de ausências.<br />
Chego ao fim, uma corda que aprende seu limite<br />
após arrebentar-se em música.<br />
Creio na cerração das manhãs.<br />
Conforto-me em ser apenas homem.<br />
<br />
Envelheci,<br />
tenho muita infância pela frente.</span></div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><b><a href="" name="Poema do livro Biografia de uma árvore">Poema do livro Biografia de uma árvore</a><br />
<br />
Ouvidos de orvalho</b><br />
<br />
Na eternidade, ninguém se julga eterno.<br />
Aqui, nesta estada, penso que vou durar<br />
além dos meus anos, que terei<br />
outra chance de reaver o que não fiz.<br />
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:<br />
serei esquecido quando redimido.<br />
<br />
Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.<br />
O esquecimento jamais devolve seus reféns.<br />
<br />
A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.<br />
<br />
O fogo é uma noz que não se quebra com as mãos.<br />
A voz vem do fogo, que somente cresce se arremessado.<br />
Não há como recuar depois de arder alto.<br />
Fui lançado cedo demais às cinzas.<br />
<br />
Somos reacionários no trajeto de volta.<br />
Quando estava indo ao teu encontro,<br />
arrisquei atalhos e travessas desconhecidas.<br />
Acreditei que poderia sair pela entrada.<br />
Ao retornar, não improviso.<br />
<br />
Minha conversão é pelo medo,<br />
orando de joelhos diante do revólver,<br />
sem volver aos lados,<br />
na dúvida se é de brinquedo ou de verdade.<br />
<br />
O vento faz curva. Não mexo nos bolsos,<br />
na pasta e na consciência,<br />
nenhum gesto brusco de guitarra,<br />
a ciência de uma mira<br />
e o gatilho rodando próximo<br />
do tambor dos dentes.<br />
<br />
Derramado em Deus, junto meu desperdício.<br />
<br />
Vou te extraviando no ato de nomear.<br />
Melhor seria recuar no silêncio.<br />
<br />
Cantamos em coro como animais da escureza.<br />
Os cílios não germinaram.<br />
Falta plantio em nossas bocas, vegetação nas unhas,<br />
estampas e ervas no peito.<br />
Suplicamos graves e agudos, espasmos e espanto,<br />
compondo esquina com a noite.<br />
<br />
Cantar não é desabafo,<br />
mas puxar os sinos<br />
além do nosso peso,<br />
acordando a cúpula de pombas.<br />
<br />
Somos fumaça e cera,<br />
limo e telha,<br />
névoa e leme.<br />
O inverno nos inventou.<br />
<br />
Não importa se te escuto<br />
ou se explodes meus ouvidos de orvalho:<br />
morre aquilo que não posso conversar?<br />
<br />
Ficarei isolado e reduzido,<br />
uma fotografia esvaziada de datas.<br />
Os familiares tentarão decifrar quem fui<br />
e o que prosperou do legado.<br />
Haverei de ser um estranho no retrato<br />
de olhos vivos em papel velho.<br />
<br />
Escrevo para ser reescrito.<br />
Ando no armazém da neblina, tenso,<br />
sob ameaça do sol.<br />
Masco folhas, provando o ar, a terra lavada.<br />
Depois de morto, tudo pode ser lido.<br />
<br />
Vejo degraus até no vôo.<br />
Tua violência é a suavidade.<br />
Não há queda mais funda<br />
do que não ser o escolhido,<br />
amargar o fim da fila,<br />
ser o que fica para depois,<br />
o que enumera os amigos<br />
pelos obituários de jornal,<br />
o que enterra e se retrai no desterro,<br />
esfacela a rosa ao toque<br />
na palidez das pétalas e velas,<br />
vistoriando cada ruga<br />
e infiltração de heras entre as veias,<br />
nunca adulto para compreender.<br />
<br />
Não há nada de natural na morte natural.<br />
Divorciar-se do corpo, tremer ao segurar<br />
as pernas, acomodar-se no finito<br />
de uma cama e deitar com o tumulto<br />
que vem de um túmulo vazio.</span></div><div align="right" style="margin-left: 25px;"><a class="cinza" href="http://www.carpinejar.com.br/textos.htm#top">sobe</a></div><div align="left" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="left" style="margin-left: 25px;"><br />
</div><div align="left" style="margin-left: 25px;"><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><a href="" name="Inéditos de Fabrício Carpinejar"><b>Poemas do livro Cinco Marias<br />
</b></a><br />
Chega um momento<br />
em que somos aves na noite,<br />
pura plumagem, dormindo de pé,<strong><br />
</strong>com a cabeça encolhida.<br />
O que tanto zelamos<br />
na fileira dos dias,<br />
o que tanto brigamos<br />
para guardar, de repente<br />
não presta mais: jornais, retratos,<br />
poemas, posteridade.<br />
Minha bagagem<br />
é a roupa do corpo.<br />
<br />
...<br />
<br />
Eu fui uma mulher marítima,<br />
as rugas chegaram antes.<br />
<br />
Eu fui uma mulher marítima,<br />
paisagem e pêssego,<br />
uma faísca<br />
entre a corda do barco<br />
e a rocha.<br />
<br />
Eu fui o que não sou.<br />
Depois que inventaram o inconsciente,<br />
a verdade fica sempre para depois.<br />
<br />
...<br />
<br />
A mãe orquestrava a horta.<br />
Reservava espaço para ervas daninhas<br />
e seu alfabeto de moscas.<br />
Não mexia na ordem de Deus.<br />
Louvada seja<br />
a esmola de uma hortaliça.<br />
<br />
...<br />
<br />
Acerto o relógio pelo sol.<br />
Percorro as dez quadras<br />
de meu mundo.<br />
As ruas são conhecidas<br />
e me atalham.<br />
<br />
...<br />
<br />
Meu medo se interessa por qualquer ruído.<br />
Hoje quero alguém para conversar enquanto dirijo,<br />
baixar os faróis em estrada litorânea,<br />
enxergar pelas mãos.<br />
<br />
...<br />
<br />
Fazer as coisas pela metade<br />
é minha maneira de terminá-las.<br />
</span><span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"><br />
Os poemas aqui publicados integram o livro inédito <i> Cinco Marias</i>.</span></div></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-61473084523585778492011-03-15T07:55:00.000-07:002011-03-15T07:55:22.063-07:00Odes de Mitilene - Orlando Neves<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><center><span style="font-family: geneva,arial,helvetica;"><b>ODES DE MITILENE</b></span> <span style="font-family: geneva,arial,helvetica;"><b>(texto integral)</b></span></center> <span style="font-family: geneva,arial,helvetica;">No vazio, o eco vagueia em vão<br />
e junto dos mortos se cala.<br />
<br />
<b>Erina de Rodes</b><i><br />
A doçura do amor ultrapassa todas as coisas.<br />
Quem não conheceu o beijo de Cípris<br />
não sabe distinguir, entre as flores, as rosas.</i><br />
<b>Nossis de Locres</b><i><br />
Morro na seca areia, entre os juncos,<br />
sob o traiçoeiro recuo das águas.<br />
</i><br />
<b>Aniteia de Tegeia<br />
</b><i><br />
Inocência, terna virtude,<br />
minha inocência, onde estás?<br />
<br />
<br />
Amei-te, minha Átis,<br />
quando nos meus verdes anos<br />
virgens eram as flores...</i> <br />
<b>Safo de Lesbos</b> <br />
<br />
<br />
<br />
<b>I</b>lesa do tempo, cuidas, Safo, que o tão pouco<br />
que a vida dura, o nosso destino consome<br />
nas primeiras chamas do fogo e o que resta<br />
é o olhar sem peso, permanecente barro<br />
de que fazes a rebeldia ou com que matas<br />
a fragilidade do sangue. Cuidas, Safo, que<br />
nem o erro nem a verdade existem e, nua<br />
sobre as heras, és, enfim, consciência<br />
dos deuses, eterna pureza do exemplo livre,<br />
pele sobre pele, de neblina. Trabalhosos<br />
e vazios dias vives, para apenas respirares<br />
a usura da saudade e nos sinais da pedra<br />
ficarem o teu brilho ou o movimento<br />
perfeito das estrelas na tua carne fecunda.<br />
Cuidas, Safo, a tua beleza como monumento<br />
perene e único na deserta água, na<br />
infindável planície insone ou no rosto<br />
imortal do cume frio das montanhas.<br />
Cuidas, Safo, que o tempo é o teu espaço<br />
e o curso visível da luz a necessidade<br />
da ilusão. Muito mentem os homens<br />
mas mais mentem os deuses e são eles,<br />
palavra sobre palavra, que nos banquetes<br />
da aurora, anunciadora da noite, receiam<br />
olhar-te e temem a tua parte nos aromas.<br />
Quando mais nada lhes resistir, cuidas,<br />
Safo, que, em mil máscaras, vaguearás<br />
pelo seu medo e sofrerão do teu olhar,<br />
neles, ferida, estrela e ermo, a cuja<br />
vontade não fugirão. Cuidas, Safo, que<br />
fala a tua boca da morte do ar, da terra,<br />
do fogo e da água, os quais, depois, nova<br />
combinação estabelecem para ressurgirem<br />
ávidos e jovens, moradores no tempo como<br />
um beijo.<br />
Esquece, Safo, o teu ardor austero, o teu<br />
amor da água, a tua ânsia de abandono,<br />
a tua serena alma, o puro cisne, a seda<br />
vã, o vaso amargo, os obscuros mortos,<br />
os pássaros estes, as ervas raras com que<br />
sustentas tudo o que, alheio de ti, te nomeia<br />
efémera para sempre. Do nada, nada nasce,<br />
que jamais a teus olhos a noite venha<br />
e nunca a mentira do futuro se teça<br />
da desejada memória. Obriga-te, apenas,<br />
a respirar-me, segue a cor das algas<br />
sob o relâmpago, ama a vibração das<br />
corças juvenis, coroa-te de açafrão e<br />
lírios, bebe do teu corpo como de um anjo<br />
nocturno, recebe todas as notícias<br />
depois de irreparáveis, apaga nas tuas<br />
pernas, continuadamente, o sonho<br />
de outro mundo a vir, e vive no teu <br />
corpo como num ócio de nuvem. Sê<br />
e sê – o tão pouco que é ciência, o<br />
tão curto que é sentido.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>T</b>alvez o deserto, a amantíssima primavera muda,<br />
transparecendo no meu sangue, nocturna água,<br />
nesta paz desesperada, nesta náusea de ronda,<br />
me traga a tranquila alba redentora, a harmonia<br />
cerrada no espesso véu da indecisa luz<br />
do silêncio. Neve tão infantil como a primeira<br />
sede, não te seguem meus olhos. Entardece<br />
o movimento e, como a tarde que cai, a sombra<br />
desnuda a imagem da pedra, a pujante verdade<br />
de desafiar os deuses com a mais frágil palavra.<br />
Avanço ausente, o braço movo, a vivíssima<br />
fome me assombra e sou para sempre<br />
a minha mão suplicante, emulsão do tempo.<br />
Talvez a morte que me dás nada interrompa<br />
porque não sou já o que os meus olhos vêem.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Mãos mortais de piedade, pão segado<br />
de desespero, eis Safo, a que nega<br />
e afirma, acesso do amor, surpresa<br />
de ser, horror da desgraça. Por<br />
secretos caminhos avança, nenhuma<br />
verdade a fixa, nenhuma contingência<br />
lhe cerra a passagem. Sobre o grito<br />
fúnebre das cassandras, Safo eleva<br />
a palavra livre,<br />
o eco eterno da sua nudez,<br />
inocência lisa.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>À</b> nossa raiz descerá<br />
a chuva. Fique o castigo <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
dos deuses cerrado no vão<br />
entre os nossos corpos unidos.<br />
De seu olho escasso escorra<br />
a impotência.<br />
Que sua eternidade é<br />
tão perene<br />
como o nosso humano instante.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>P</b>ensemos, Safo, com palavras que desconhecemos.<br />
Alguém falará por nós para, das coisas reais,<br />
fazermos humanas coisas – só a sua ausência<br />
nos retira a razão de existirmos. Cumpramos<br />
a culpa para que os deuses nos querem, guardemos<br />
o seu segredo impotente – esse de desconhecerem<br />
o prazer ou a dor porque só do nada lhes vem<br />
a frágil essência divina.<br />
A noite livrou todos os ventos, desmediu o vazio,<br />
ensina-nos o que os pássaros pensam do sol.<br />
É no fio fino sobre o abismo tenso que tudo<br />
se torna mágico e, ofuscante, brilha o olho<br />
único do mistério – lá onde não acedem os deuses,<br />
onde a liberdade fulgura no rasto dos peixes<br />
acesos, ela, a reveladora da vida,<br />
o ininterrupto instante de passar.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b><br />
<br />
A</b>ssumamos o corpo e o<br />
prazer, bebamos no elmo<br />
de bronze o vinho e os<br />
cheiros do fogo.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>M</b>ove-se esta mão porosa, ora lívida,<br />
ora infinita, ora quente, ora efémera<br />
e é como se existisse profunda, quase<br />
humana, se não imensa, vibrante,<br />
quando a lua arde nos teus olhos<br />
nocturnos. Move-se esta mão e a luz<br />
cai nas águas, seda amarela<br />
sobre o teu corpo calado. Move-se de ver<br />
em forma de olho, flor ou óleo<br />
e respira a terra, persegue, cega,<br />
o lábio luminoso, de puro cansaço<br />
dorme, ferida, ascende, pássaro<br />
largo e lento, ao meio dia das rosas<br />
frescas ou à solitária estrela<br />
na vasta noite de luto. Move-se<br />
a mão, pele secreta, explosão<br />
interminável no escuro sal<br />
da onda, colore-se de cólera<br />
ou fulge como um eco no osso<br />
débil, nuvem de pó no macio peito,<br />
último prodígio da irrepetível<br />
memória do gesto cadente.<br />
Move-se a mão de viver o<br />
puríssimo orvalho das folhas<br />
brandas e mansas e, ao tacto rápido<br />
do claro pão é um verde riso<br />
na boca das crianças, é um vento<br />
de musical sopro no remoto<br />
silêncio da indizível dor.<br />
Move-se a mão, piedosa, brilhante,<br />
intacto matiz dos frutos, fixo<br />
relâmpago do oriente, move-se de ver<br />
praias que já foram tranquilos<br />
dorsos de ouro, hastes de trigo,<br />
forças cruéis, desmedidos deuses.<br />
Move-se a mão, amor da água<br />
e da viva árvore, sobre o teu corpo,<br />
porto vazio das húmidas pedras,<br />
pálido beijo que se criou livre<br />
e hoje é a cor do sangue no colo<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
da ave traída pelo tiro. Move-se<br />
de ver e viver, saudade que se<br />
esvazia para além do explicável,<br />
cio expulso do corpo amado,<br />
mão mineral em que a memória<br />
jamais amanhece.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>S</b>ó muito depois pensamos. E vemos.<br />
Essas moscas breves zunindo. O tempo<br />
de viver. Bela e pálida Safo, a calma<br />
asa rola nos seus olhos, com pontas de ouro<br />
brilham os cedros, a mão, lâmpada erradia,<br />
desenha o peito, os sinais da noite<br />
descem nas suas pálpebras de ébano.<br />
Pensamos mais do que a curta vida<br />
que, ao arbítrio dos deuses, vivemos.<br />
Todo o sonho é sem domínio, doença<br />
que dura além da idade. Como quem<br />
o tempo cria, antes e depois de sermos,<br />
não medimos a vida. No olho do pavão<br />
que debica o sal do corpo de Safo,<br />
a velhice da poeira<br />
entra na boca dos mortos,<br />
substância do sonho,<br />
inalterável outra natureza.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>E</b>is o inevitável ímpeto do ruído,<br />
forjador do ferro que, para além do tédio,<br />
passa como um modo de reter o tempo<br />
nas súbitas brisas da solar, imóvel<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
secura. Fatal lume que alucina<br />
os mansos animais, se houvera estrelas,<br />
assim me sentirei no arenoso mar, <br />
purificada posse que me consome.<br />
<br />
Mirabilia de gritos nas sombrias<br />
montanhas ou nas douradas nascentes,<br />
vindos de Safo a meus olhos regressam,<br />
<br />
qual lâmpada de tristeza em infinita<br />
vibração. Nada cintila no precário<br />
despojo. Que minha aparência arda plena.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>O</b> primeiro fogo vela este claro azul<br />
onde o coração de uma ave<br />
é no meu corpo compasso de cadência.<br />
Chegasse a luz e ele saberia<br />
quão breve é a morada do sol<br />
nas mãos abertas ao espaço,<br />
limpo de tudo o que foi dito,<br />
a eternidade da admirável calma<br />
do tempo para viver. Outra é,<br />
além do fogo e do azul, da linha<br />
turva do voo, a inocência que demora<br />
no odor da névoa ou no olhar manso<br />
do falcão pousado no cume<br />
da duna. Como o pão que se come,<br />
sob a magoada música do vento,<br />
no rebordo de uma pedra, quando<br />
o verão cai, entre as folhas e o pó,<br />
tu existes como se o tempo fosse<br />
presença pura do erro de sermos<br />
palavra viva na terra núbil.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>S</b>obeja em mim o teu corpo, sumo<br />
oculto da água, num turbilhão voam<br />
os teus dedos sobre os poros de ar<br />
da carne que estremece, grandes<br />
e pesados são os trabalhos da boca<br />
perfumada, com os olhos da terra<br />
vês a terra, todo o movimento converge<br />
para a unidade que da noite provém.<br />
E é pelo fogo que na água me dissolvo<br />
e assim morro e assim morres,<br />
na clâmide purpúrea da areia de ouro.<br />
Do nosso corpo único, fugitivo dos deuses,<br />
vagabundo errante dos nevoeiros,<br />
discordes e divisíveis, virão<br />
outras vidas, outros nascimentos.<br />
Ó Safo, a que do céu e terra se nomeia,<br />
a que é acto e água, reflexo do fogo,<br />
não temas a morte – nenhuma parte<br />
de nós está vazia.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>O</b>ferece-te o beijo a brevidade do orvalho.<br />
Assim o doce se apercebe do doce e o amargo<br />
é o seu próprio isolado instante que movendo-se<br />
descansa no teu nome escrito em todas as paredes<br />
desta cidade marítima. De água em mágoa<br />
mudado, um sorriso interminável reside, como o ar,<br />
na sombra da lua, na prata impolida dos teus olhos<br />
negros, refúgio onde jamais a noite repousa.<br />
Tenso é o arco que a flecha dispara, tensa é<br />
a lira que os dedos manejam, grande é a harmonia<br />
que do silvo e do som na luz irrompe.<br />
Compreende, Safo, este amor e ódio, esta paz<br />
e guerra, tão breves que em nós permanecem,<br />
tão eternos que logo se dissipam. Tudo nasce<br />
do que difere e luta e tão frágil é o tempo<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
como frágil a folha, tão aguda a dor como rápida<br />
a palavra, tão quente o fogo como leve o sonho.<br />
Assim o doce se apercebe do doce e o amargo<br />
do amargo e assim se unem à respiração<br />
ardente dos nossos corpos, que sempre começa<br />
onde sempre acaba, qual círculo exacto<br />
que, rítmico e fluente, a si se cerca e em si<br />
se oculta.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>E</b> o desejo de amar e o desejo de mar<br />
no seu mais belo canto Safo cantava.<br />
Oh, quanto no meu coração tarda<br />
o que o seu canto louvava.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>E</b>m toda a parte a vejo, quando o dia<br />
esmorece ou se levanta a luz, meus olhos<br />
a seguem, fontes que secam, no seu regresso.<br />
Não me pergunta Safo se nas fragas da ilha<br />
estão calmas as aves, se nas escarpas<br />
agonizam os cães da praia, se o beijo<br />
das abelhas amadurece os figos ou<br />
se cresce em mim a dolor da ausência.<br />
Vem longe o meio-dia. Ela me oferece<br />
o abismo e destece a sombra<br />
das horas sedosas, das águas vazias<br />
de quem acha outro o mundo, fechado<br />
o desejo. Fica o tempo solene, crivo<br />
do verão, na mais longínqua altura<br />
se fia a casa que urdi, são de luz<br />
e trevas as bodas crispadas, são de flechas<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
de sol, degraus de ondas, ciências de sal,<br />
sangue e mercê, substância e peso,<br />
prazer de todos os caminhos pelo mar<br />
e da morte. Tudo em mim cai e, ante<br />
meus olhos, Safo me inventa a vida.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>M</b>agoados aromas da noite que passando<br />
por estas tranças de oiro, ides urdindo<br />
prodigiosos enganos, persegui, nas águas<br />
desavindas, o desenho nu do seu corpo,<br />
o disfarce errante em que Safo preserva<br />
o ébrio fulgor do seu veneno. De amor<br />
me vence o servo coração, de excesso<br />
consentido me envelhece as mãos,<br />
de feno seco faz a minha língua rara.<br />
O seu colorido pescoço cintila,<br />
o seu seio, variado de sombras, me revela<br />
o imóvel barro, os seus braços, cardos<br />
florescentes, são inflexíveis e fúnebres<br />
archotes, o seu cheiro verde me desvela<br />
a oculta brisa na semente das maçãs,<br />
as suas pernas, duras e ávidas, verberam<br />
o que comigo arde, a lenta embriaguez<br />
em que me consumo.<br />
Por estes magoados aromas da clara noite,<br />
não vem Safo, aquela que se limita<br />
na sua cor, aquela cuja corpo é formado<br />
das quatro raízes do mundo, aquela em que<br />
as estrelas se ouvem e para sempre duram.<br />
Ai de quem solitário bebe e solitário apodrece!<br />
Como o deus dos deuses, sem se mover,<br />
no mesmo lugar permanece.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>U</b>m verme ou um fruto morno,<br />
o corpo de uma noiva, o labirinto<br />
das veias, os filhos de uma alta noite,<br />
o bronze de um sino na memória,<br />
a guerra, os vários acasos, as brasas<br />
da peste na luxúria do mar, um rasto<br />
de floresta no tacto dos olhos, o longe<br />
na palma das mãos, entre tantos rumos<br />
do horizonte uma semente de areia,<br />
o torso de uma árvore estéril, a trança<br />
das teias na água dos rios, o cego instante<br />
aceso na rijeza da carne, o fio dos cabelos,<br />
amêndoas de sede, um animal insone<br />
de ígneos negrumes na pele, a soma<br />
do silêncio ao ritmo das chuvas,<br />
um escombro no sono aéreo, as cruas<br />
saudades imensas, um nome claro,<br />
uma imprevista mágoa, uma asa<br />
apodrecida na claridade da aurora,<br />
um sonoro galo na corda da infância,<br />
os músicos de pedra no muro levantino,<br />
um gemido de espuma na boca<br />
seca da água assombrada, um osso<br />
perdurável na brancura do limo,<br />
raízes, flores no lugar das faces,<br />
o odor do voo dos pássaros, uma treva<br />
densa de tudo o que não foi, os pedaços<br />
do corpo no seu tremor e o consenso<br />
absoluto de um grão de ar,<br />
limites do teu corpo que existem<br />
para que eu seja livre e em mim dure<br />
o lugar seco da terra onde os teus olhos<br />
são um gosto de areia ou o brilho<br />
da morte, maestria do sol, senhor<br />
de um céu sem vozes.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>S</b>e contigo ardo, Safo,<br />
se todas as coisas provêm<br />
da noite, seremos a chama<br />
da eterna beleza.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>E</b>m nenhuma estranha pontualidade<br />
se faz nula a pausa. Como correm<br />
os tempos que mudaram, assim longínquo<br />
fica deste ser inevitável o prazer<br />
de na serena alba te possuir, como<br />
a luz ao vento. Conserva, Safo,<br />
a constância do álcool, obstina-te<br />
do fogo, silencioso monumento<br />
da nossa fugaz sombra sob o sol ocre.<br />
Nesta manhã imponente de rumores<br />
é a aflição do vazio o que sobrevive<br />
ao desejo de nós, aos corpos disformes<br />
que subitamente somos. Depois do voo<br />
pintado nos vasos azuis, depois de<br />
vibrante e vivo por nos ter passado<br />
o denso incêndio doce do amor,<br />
sê breve, conhece a cor, reveste o linho<br />
das sedas e dos brilhos, da áurea<br />
mediania que continuaremos a ser.<br />
E ouve o livre pássaro branco vogando<br />
nas águas nuas: sou o ar, sou a morte.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>C</b>omo funda gota de cera no flanco<br />
do lesto gamo,<br />
sequestra-me, Safo, no teu rijo seio.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>F</b>ica, quando escrevo, no céu branco,<br />
um eco vago dos teus braços lentos.<br />
Campos pálidos de água<br />
devolvem-me o chão fresco<br />
onde cavalos vibram como juncos<br />
e a velhice das raízes consome<br />
as flores vorazes.<br />
É um eco vago de lassidão e calma,<br />
silêncio que desce pelas veias acesas.<br />
A ilha adormece na lua rosa<br />
e, como um espasmo, cheira<br />
à poeira cálida onde almas e águias<br />
são sinais da noite, cinza das bocas.<br />
Fica, quando escrevo, um sopro remoto<br />
do teu corpo, escura perdiz<br />
entontecida da fuga,<br />
fruto de mulher, pintura na pedra.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>E</b>stala a brisa nos campos de uvas,<br />
a vibração de um sino fustiga<br />
os cães esfomeados.<br />
Intacto no ar o teu perfume salobro<br />
agita a noite na casa insana.<br />
Há um silêncio comum no teu lábio maculado,<br />
a poeira da submissa floresta corrói<br />
o teu riso glabro.<br />
Nasceste do desastre entre a aurora<br />
nos olhos calcinados dos leopardos<br />
e a saciedade do fôlego na boca<br />
medonha dos promontórios.<br />
Esta ilha, inesperada paragem<br />
do mistério, bolha de terra<br />
sem retorno, crueza do lume,<br />
festa, jogo, papoula de areia,<br />
inundou de máscaras o teu nascimento.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Safo, a dos ombros de cobre,<br />
a que se mede com os deuses,<br />
imagem móvel da eternidade.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>S</b>er a pomba ou o cavalo no bosque<br />
de macieiras onde espera e anoitece<br />
o teu terso corpo de deusa rara.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>V</b>ai-se a velida pelo triunfal vento,<br />
às irrepetíveis águas das nocturnas marés,<br />
vai-se, assim, experiente lua de ébrios<br />
dias, o liso ventre respirando o sopro<br />
tépido das folhas, tal um líquen de sentidos<br />
deixado a arder, ruído lento, nos meus olhos<br />
doentes. Mas, com ela, na veia das mãos,<br />
vai, fluxo de silêncio, a minha voz<br />
que nas suas pernas se perde e pelos braços<br />
às mais altas nuvens vermelhas ascende,<br />
onde choram os pássaros. Safo assim vai,<br />
impetuosa corrente de carmim, por entre<br />
os freixos suspirando, pomba escrava<br />
dos aromas, rescendendo, suas coxas<br />
de areia na riba das águas banhando,<br />
as unhas de sal a coroa das dunas<br />
dispondo, evadida de si e da sua origem,<br />
tardada ao encontro do espanto<br />
que lhe dá-a-ver a saudade fria<br />
no meu corpo demorada. Nesta solidão<br />
que me gasta, assim vai a velida,<br />
deusa azul, trágico marfim, oscilando<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
ao ritmo de um eco de treva, subitamente<br />
abrasado. É Safo a luz que se inventa<br />
e ilumina a sua fonte, irradiante<br />
relâmpago sobre as húmidas poeiras,<br />
fulgor que me cria, quente vento,<br />
raiz solana.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>O</b>h, apagar-me no teu peito suavemente<br />
enquanto nos teus olhos leio<br />
a respiração do tigre.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>N</b>o verdor de março, pássaros chegam,<br />
puros beijos. Às pedras fumegantes<br />
colam-se, purpúreas, algas. No cimo<br />
cinza das ondas vem a voz redonda<br />
de Safo, fundo e fonte do tempo<br />
que na praia a espera.<br />
Seu ócio felino derrama-se pelos<br />
pequenos seios, no riso dourado<br />
dos seus olhos escuros, nas vivas<br />
veias dos braços enxutos, no branco<br />
suspiro do seu sexo, brasa de prata.<br />
Do seu seio até às coxas se enredam<br />
os astros, um galo negro canta<br />
nos lívidos cabelos, enchem-se<br />
de anjos os seus dedos, limpos de todo<br />
o mal, de tão destra, sua boca arde, dócil,<br />
nas hastes rugosas do trigo.<br />
Nascida da pedra informe, ela vai,<br />
desafio trágico, pelos sentidos inquietos,<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
perturbar os deuses, povoar a natural<br />
noite, a triste e fatal noite completa<br />
do mundo.<br />
Conhece Safo o desejo ou apenas o quer?<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>N</b>ada é glorioso, nem a solidão<br />
absurda. Só a memória permanece,<br />
para, em cada carícia,<br />
ser outra.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>P</b>rocura, alma, a água que te transporte<br />
ao revolto ar de que nasceste. No sereno<br />
pouco ou na mansa luz, não correm os dias<br />
iguais, a teu mando, nem das mudas coisas<br />
emana o sopro divino que, número perfeito,<br />
a nós nos tome.<br />
É Safo a vida, este efémero instante<br />
em que a agonia eterna, eterna se deslumbra.<br />
É Safo o desejo, esta firme vontade<br />
que nos muda o corpo, ora tomado, ora<br />
liberto, jamais dissonante ou cativo.<br />
Por estes campos amarelos, estas praias vazas,<br />
este sol nenhum que nos cinzela as ancas,<br />
a harmonia da pele e o rumor mudo da palavra,<br />
arde, alma, ar, procura a tua medida.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>A</b>bro a voz. Este é o meu último cálice,<br />
lava e gelo no peito sangrante. Grito<br />
pelas mãos. Esplende, ávido, o sol que se move<br />
no corpo nu de Safo. Suplica a cor<br />
<br />
da tarde, o fim dos limites no silêncio<br />
cortado pelo motim dos ventos. Acende-se<br />
a febre dos ecos opressos no incerto<br />
nome por que clama agora a minha voz.<br />
<br />
Como nos dias de novembro, a neblina<br />
fecha a entrada da terra. Sobre as árvores<br />
já não ouço as aves em fuga. Das rosas<br />
<br />
que imagino, exala-se um rumor secreto<br />
que, em seu louvor, fulgura. O voo da memória<br />
de mim foge ou do sonho que a disfarça?<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>V</b>eremos a vida para além<br />
do prodigioso édito dos deuses.<br />
Ser relâmpago ou respiração,<br />
brisa imperecível sobre o rumor<br />
das árvores, errante praia<br />
das aves em voo,<br />
eis o que Safo me ensina<br />
quando com a alma sonha,<br />
no gozo do corpo enlouquece,<br />
à superfície da natureza,<br />
pensa. Pelo rio mudado<br />
do mundo, vamos durar no dia,<br />
o invariável dia de todos os dias<br />
e negar aos deuses a sua<br />
diferença.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<b>D</b>e que consumida lenha<br />
faremos o verão novo?<br />
O que nos falta, inexiste,<br />
o que vemos, fomos.<br />
<br />
<br />
<br />
<b>M</b>orrerão antes de mim as estrelas,<br />
as dóceis plantas movidas pelo vento,<br />
o instante que foi canto, o eterno<br />
que nos vazios espaços habita?<br />
<br />
Aceito a sombra, a emoção que me fere,<br />
a pedra no centro do coração,<br />
o fascínio da voz de Safo em mim,<br />
suplício em que assoma a morte, a ilesa alma.<br />
<br />
Não renasce das cinzas a paixão.<br />
Não vivo, não vejo. O que subsiste<br />
do céu e tudo o que é posto a meu lado<br />
<br />
se cala. Não tem nome a pedra. Vogo<br />
no topo da água, pedaço de um corpo<br />
difuso no destroço das estrelas.<br />
<br />
<br />
<br />
<b>O</b> grande bico do deus, a sua escura pálpebra<br />
nos contemplam, Safo, na insone madrugada.<br />
Trememos à sua chegada. Mas, sob os sombrios<br />
loureiros, com ternos olhos vemos os nossos<br />
corpos despedirem-se da noite sagrada<br />
em que tiveram a sua parte nas águas frescas<br />
dos rios e nas vesperinas rosas do poente.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
E aos deuses que mentem, à última cinza<br />
das suas asas, opomos o rigor e o lume,<br />
o vivo desejo com que, ilimitados, geramos<br />
a vida e nela exercemos o ansiado poder<br />
destruidor. Está já pronto outro vinho,<br />
outra maçã rubra. Sobre a mesa de pedra<br />
fria, fulguram os fulvos pães e as brônzeas<br />
taças. Deslumbrante é o vento que recebemos<br />
no rosto, pura transparência que nos oferece<br />
o seio e em nós procura o harmonioso cansaço,<br />
o coração final.<br />
<br />
<br />
<i> </i></span><br />
<span style="font-family: geneva,arial,helvetica;"><i>Orlando Neves , Poesia; 1º edição, 1990; 2ª edição, 1990; 3 ª edição 1991</i></span></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-86730374456078864972011-01-15T11:12:00.000-08:002011-01-15T11:40:23.770-08:00William Butler Yeats<table border="0" cellspacing="0" id="AutoNumber1" style="border-collapse: collapse;"><tbody>
<tr><td width="100%"><blockquote><b><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: large;">Rumo à cidade santa</span></b></blockquote></td> </tr>
<tr> <td width="100%"><div align="center">William Butler Yeats</div></td> </tr>
<tr> <td width="100%"></td> </tr>
</tbody></table><blockquote><div align="left"><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><br />
</span><b><span style="font-family: Trebuchet MS;">VIAJANDO PARA BIZÂNCIO</span></b></div><div align="left"><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: xx-small;"> Tradução: Augusto de Campos<br />
</span><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><br />
Aquela não é terra para velhos. Gente <br />
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas <br />
<i>— </i>gerações de mortais <i>—</i> cantando alegremente, <br />
<span style="letter-spacing: -1px;">salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas, <br />
</span>peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente <br />
tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente. <br />
Ao som da música sensual, o mundo esquece <br />
as obras do intelecto que nunca envelhece. <br />
<br />
Um homem velho é apenas uma ninharia, <br />
trapos numa bengala à espera do final, <br />
a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria <br />
sobre os farrapos do seu hábito mortal; <br />
nem há escola de canto, ali, que não estude <br />
monumentos de sua própria magnitude. <br />
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância, em busca da cidade santa de Bizâncio. <br />
<br />
Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado, <br />
como se num mosaico de ouro a resplender, <br />
vinde do fogo santo, em giro espiralado, <br />
e vos tornai mestres-cantores do meu ser . <br />
Rompei meu coração, que a febre faz doente <br />
e, acorrentado a um mísero animal morrente, <br />
já não sabe o que é; arrancai-me da idade <br />
para o lavor sem fim da longa eternidade. <br />
<br />
Livre da natureza não hei de assumir <br />
conformação de coisa alguma natural, <br />
mas a que o ourives grego soube urdir <br />
de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas, <br />
para acordar do ócio o sono imperial; <br />
ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas, <br />
pousado em ramo de ouro, como um pássa- <br />
ro, o que passou e passará e sempre passa. <br />
<br />
<br />
<br />
</span><i><b><span style="font-family: Trebuchet MS;">SAILING TO BYZANTIUM<br />
</span></b><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><br />
That is no country for old men. The young<br />
In one another's arms, birds in the trees —<br />
Those dying generations — at their song,<br />
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,<br />
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long<br />
Whatever is begotten, born, and dies.<br />
Caught in that sensual music all neglect<br />
Monuments of unageing intellect.<br />
<br />
An aged man is but a paltry thing,<br />
A tattered coat upon a stick, unless<br />
Soul clap its hands and sing, and louder sing<br />
For every tatter in its mortal dress,<br />
Nor is there singing school but studying<br />
Monuments of its own magnificence;<br />
And therefore I have sailed the seas and come<br />
To the holy city of Byzantium.<br />
<br />
O sages standing in God's holy fire<br />
As in the gold mosaic of a wall,<br />
Come from the holy fire, perne in a gyre,<br />
And be the singing-masters of my soul.<br />
Consume my heart away; sick with desire<br />
And fastened to a dying animal<br />
It knows not what it is; and gather me<br />
Into the artifice of eternity.<br />
<br />
Once out of nature I shall never take<br />
My bodily form from any natural thing,<br />
But such a form as Grecian goldsmiths make<br />
Of hammered gold and gold enamelling<br />
To keep a drowsy Emperor awake;<br />
Or set upon a golden bough to sing<br />
To lords and ladies of Byzantium<br />
Of what is past, or passing, or to come.</span></i></div><div align="left"><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: xx-small;"> 1927</span></div><div align="left"><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><br />
</span><b><span style="font-family: Trebuchet MS;">E DAÍ?<br />
</span></b><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"> <br />
</span><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: xx-small;"> Tradução: Ivo Barroso<br />
</span><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><br />
Estudante, os mais íntimos colegas<br />
Já viam nele um grande gênio então;<br />
Ele também; e agiu segundo as regras<br />
Passando em claro as suas noites negras.<br />
<i>E daí?</i> canta a sombra de Platão.<br />
<br />
Seus escritos lhe dão notoriedade;<br />
Ao cabo de alguns anos ganha tão<br />
Bem que não passa mais necessidades;<br />
Seus amigos, amigos de verdade.<br />
<i>E daí?</i> canta a sombra de Platão.<br />
<br />
Seus sonhos todos vêm à luz do dia:<br />
Casa boa, mulher, filhos, carrão,<br />
Horta e pomar onde tudo crescia,<br />
Poetas e Sábios sobre ele choviam.<br />
<i>E daí?</i> canta a sombra de Platão.<br />
<br />
Obra completa, já maduro, tosse:<br />
"Meu projeto de jovem concluí;<br />
Que os tolos clamem; um senão que fosse;<br />
Pois algo ao nível do perfeito eu trouxe."<br />
E a voz mais alto: <i>E daí? E daí? </i><br />
<br />
<br />
</span><i><b><span style="font-family: Trebuchet MS;">WHAT THEN?<br />
</span></b><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"> <br />
His chosen comrades thought at school<br />
He must grow a famous man;<br />
He thought the same and lived by rule,<br />
All his twenties crammed with toil;<br />
</span></i><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;">"What then?" <i>sang Plato's ghost.</i> "What then?"<br />
<i><br />
Everything he wrote was read,<br />
After certain years he won<br />
Sufficient money for his need,<br />
Friends that have been friends indeed;<br />
</i>"What then?" <i>sang Plato's ghost.</i> "What then?"<br />
<i><br />
All his happier dreams came true </i></span><i><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;">—</span></i><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><i><br />
A small old house, wife, daughter, son,<br />
Grounds where plum and cabbage grew,<br />
poets and Wits about him drew;<br />
</i>"What then?" <i>sang Plato's ghost.</i> "What then?"<br />
<i><br />
"The work is done," grown old he thought,<br />
"According to my boyish plan;<br />
Let the fools rage, I swerved in naught,<br />
Something to perfection brought";<br />
But louder sang that ghost, </i>"What then?"<br />
<br />
<br />
</span><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: xx-small;"> 1936</span></div><div align="left"><br />
</div><div align="left"><b><span style="font-family: Trebuchet MS;">O PRAZER DO DIFÍCIL<br />
</span></b><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"> <br />
</span><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: xx-small;"> Tradução: Augusto de Campos<br />
</span><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><br />
</span><br />
<h4 class="fr0"><br />
Tradução: Augusto de Campos<br />
<br />
O prazer do difícil tem secado<br />
A seiva em minhas veias. A alegria<br />
Espontânea se foi. O fogo esfria<br />
No coração. Algo mantém cerceado<br />
Meu potro, como se o divino passo<br />
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,<br />
Sob o chicote, tremulo, prostrado,<br />
E carregasse pedras. Diabos levem<br />
As peças de teatro que se escrevem<br />
Com cinquenta montagens e cenários,<br />
O mundo de patifes e de otários,<br />
E a guerra quotidiana com seu gado,<br />
Afazer de teatro, afã de gente,<br />
Juro que antes que a aurora se apresente<br />
Eu descubro a cancela e abro o cadeado.<br />
</h4><br />
<i> <span lang="EN-US" style="color: #003300; font-family: Trebuchet MS;"> <b>THE FASCINATION OF WHAT'S DIFFICULT<br />
</b> </span> <span lang="EN-US" style="color: #003300; font-family: Trebuchet MS; font-size: 10pt;"> <br />
</span></i><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: x-small;"><i>The fascination of what's difficult<br />
Has dried the sap out of my veins, and rent<br />
Spontaneous joy and natural content<br />
Out of my heart. There's something ails our colt<br />
That must, as if it had not holy blood<br />
Nor on Olympus leaped from cloud to cloud,<br />
Shiver under the lash, strain, sweat and jolt<br />
As though it dragged road-metal. My curse on<br />
[ plays<br />
That have to be set up in fifty ways,<br />
On the day's war with every knave and dolt,<br />
Theatre business, management of men.<br />
I swear before the dawn comes round again<br />
I'll find the stable and pull out the bolt.<br />
</i> <br />
</span><span style="font-family: Trebuchet MS; font-size: xx-small;"> 1910</span></div></blockquote><br />
<div class="pensa"> <h4 class="fr0">AEDH DESEJA OS TECIDOS DOS CÉUS<br />
<br />
Fossem meus os tecidos bordados dos céus,<br />
Ornamentados com luz dourada e prateada,<br />
Os azuis e negros e pálidos tecidos<br />
Da noite, da luz e da meia-luz,<br />
Os estenderia sob os teus pés.<br />
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas os meus sonhos.<br />
Eu estendi meus sonhos sob os teus pés<br />
Caminha suavemente, pois caminhas sobre meus sonhos.</h4></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-79737994075650523842011-01-07T07:40:00.000-08:002011-01-07T07:40:59.306-08:00O que temos<div align="center">Deixei contigo o meu amor,</div><div align="center">música de açúcar a meio da tarde,</div><div align="center">um botão de vestido por apertar </div><div align="center">e o da vida por desapertar,</div><div align="center">a flor que secou nas páginas de um livro,</div><div align="center">tantas palavras por dizer </div><div align="center">e a pressa de chegar</div><div align="center">com o azul do céu à saída,</div><div align="center">por entre cafés fechados e um por abrir.</div><div align="center">*</div><div align="center">Mas trouxe comigo o teu amor,</div><div align="center">os murmúrios que o dizem quando os lembro,</div><div align="center">a supresa de um brilho no olhar,</div><div align="center">brinco perdido em secreto campo,</div><div align="center">o remorso de partir ao chegar</div><div align="center">e tudo descobrir de cada vez,</div><div align="center">mesmo que seja igual ao que vês</div><div align="center">neste caminho por encontrar</div><div align="center">em que só tu me consegues guiar.</div><div align="center">*</div><div align="center">Por isso tenho tudo o que preciso,</div><div align="center">mesmo que nada nos seja dado;</div><div align="center">e basta-me lembrar o teu sorriso</div><div align="center">para te sentir ao meu lado.</div><div align="center"> </div><div align="center"> </div><strong><span style="color: #003300; font-size: 85%;"> Nuno Júdice</span></strong>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-6591467691096810292010-11-16T09:36:00.001-08:002010-11-16T09:36:07.508-08:00<pre>As palavras que te envio são interditas
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
Eugénio de Andrade</pre>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-88377510747918029142010-09-24T09:57:00.000-07:002010-09-24T09:57:53.787-07:00Pablo Neruda<h3 class="post-title entry-title"> <a href="http://aghape.blogspot.com/2008/07/mais-bela-poesia-de-pablo-neruda.html">A mais bela Poesia de Pablo Neruda: 'Farewell'</a> </h3><div class="post-header"> </div>Este é o poema que jurei não declamar nunca mais por completo, é a poesia mais doce e mais apaixonada. Escrita no primeiro livro <i>Crepusculario</i>, em que Pablo Neruda diz que Farewell criou asas e voou, estava em crepusulario mas não era dali. Este poema é mencionado no Carteiro e o Poeta. Neruda conta que as pessoas o atacavam na rua, inclusive em outros lugares para que declamasse esta poesia .<br />
<br />
<br />
Farewell - Crepusculario (1923)<br />
<br />
"Do fundo de ti e ajoelhada,<br />
Uma criança triste, como eu, nos olha<br />
Por essa vida que arderá nas suas veias<br />
Teriam que amarrar as nossas vidas,<br />
Por essas mãos, filhas das tuas mãos<br />
Teriam que matar as minhas mãos<br />
Pelos seus olhos abertos na terra,<br />
verei nos teus lágrimas um dia.<br />
Eu não o quero, amada<br />
Para que nada nos amarre<br />
Que não nos una nada<br />
Nem a palavra que aromou tua boca<br />
Nem o que não disseram as palavras<br />
nem a festa de amor que não tivemos<br />
nem os teus soluços junto à janela.<br />
Amo o amor dos marinheiros<br />
que beijam e vão-se embora<br />
Deixam uma promessa<br />
não voltam nunca mais<br />
Em cada porto uma mulher espera:<br />
os marinheiros beijam e vão-se embora<br />
uma noite se deitam com a morte no leito do mar<br />
Amo o amor que se reparte em beijos, leito e pão,<br />
Amor que pode ser eterno e pode ser fugaz,<br />
Amor que quer se libertar para tornar a amar,<br />
amor divinizado que se aproxima,<br />
amor divinizado que vai embora,<br />
Já não se encantarão meus olhos nos teus olhos,<br />
Já não se adoçará junto a ti a minha dor,<br />
mas para onde vá levarei o teu olhar<br />
E por onde caminhes levarás a minha dor<br />
Fui teu, foste minha,<br />
O que mais?<br />
Juntos fizemos uma curva<br />
Na rota por onde o amor passou<br />
Fui teu, foste minha,<br />
tu serás daquele que te ame<br />
daquele que corte em tua horta<br />
o que semeei eu.<br />
Vou-me embora.<br />
Estou triste, mas sempre estou triste,<br />
Venho dos teus braços<br />
não sei para onde vou,<br />
... do teu coração me diz adeus uma criança<br />
e eu lhe digo adeus."Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-11480638935085519982010-09-23T06:24:00.000-07:002010-09-23T06:24:02.411-07:00Dylan ThomasThere was a savior<br />
Rarer than radium,<br />
Commoner than wather, crueller than truth.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-43308965809303316452010-09-20T06:35:00.000-07:002010-09-20T06:35:55.784-07:00Poética de António José Forte<div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">0 MAIS BELO ESPECTÁCULO DE HORROR SOMOS NÓS.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Este rosto com que amamos, com que morremos, não é nosso; nem estas cicatrizes frescas todas as manhãs, nem estas palavras que envelhecem no curto espaço de um dia. A noite recebe as nossas mãos como se fossem intrusas, como se o seu reino não fosse pertença delas, invenção delas. Só a custo, perigosamente, os nossos sonhos largam a pele e aparecem à luz diurna e implacável. A nossa miséria vive entre as quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. E essa miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra maneira de estoirar as paredes. Emparedados, sem possibilidade de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso amor, assim vivemos. Procuramos a saída - a real, a única - e damos com a cabeça nas paredes. Há então os que ganham a ira, os que perdem o amor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Já não há tempo para confusões - <b>a Revolução é um momento, o revolucionário todos os momento</b>s. Não se pode confundir o amor a uma causa, a uma pátria, com o Amor. Não se pode confundir a adesão a tipos étnicos com o amor ao homem e à liberdade. NÃO SE PODE CONFUNDIR! Quem ama a terra natal fica na terra natal; quem gosta do folclore não vem para a cidade. Ser pobre não é condição para se ganhar o céu ou o inferno. Não estar morto não quer forçosamente dizer que se esteja vivo, como não escrever não equivale sempre a ser analfabeto. Há mortos nas sepulturas muito mais presentes na vida do que se julga e gente que nunca escreveu uma linha que fez mais pela palavra que toda uma geração de escritores.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">A acção poética implica: para com o amor uma atitude apaixonada, para com a amizade uma atitude intransigente, para com a Revolução uma atitude pessimista, para com a sociedade uma atitude ameaçadora. As visões poéticas são autónomas, a sua comunicação esotérica.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Os profetas, os reformistas, os reaccionários, os progressistas arregalarão os olhos e em seguida hão-de fechá-los de vergonha. Fechá-los como têm feito sempre, afinal, e em seguida mergulharem nas suas profecias. Olharem para a parte inferior da própria cintura e em seguida fecharem os olhos de vergonha. Abandonarem-se desenfreadamente à carpintaria das suas tábuas de valores, brandirem-nas por cima das nossas cabeças como padrões para a vida, para a arte, para o amor e em seguida fecharem os olhos de vergonha às manifestações mais cruéis da vida, da arte e do amor.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">MAS NÃO IMPORTA, PORQUE EU SEI QUE NÃO ESTOU SOZINHO no meu desespero e na minha revolta. Sei pela luz que passa de homem para homem quando alguém faz o gesto de matar, pela que se extingue em cada homem à vista dos massacres, sei pelas palavras que uivam, pelas que sangram, pelas que arrancam os lábios, sei pelos jogos selvagens da infância, por um estandarte negro sobre o coração, pela luz crepuscular como uma navalha nos olhos, pelas cidades que chegam durante as tempestades, pelos que se aproximam de peito descoberto ao cair da noite - um a um mordem os pulsos e cantam - sei pelos animais feridos, pelos que cantam nas torturas.</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">Por isso, para que não me confundam nem agora nem nunca, declaro a minha revolta, o meu desespero, a minha liberdade, declaro tudo isto de faca nos dentes e de chicote em punho e que ninguém se aproxime para aquém dos mil passos</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">EXCEPTO TU MEU AMOR EXCEPTO TU</div><div style="text-align: justify;">MEU AMOR</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">minha aranha mágica agarrada ao meu peito</div><div style="text-align: justify;">cravando as patas aceradas no meu sexo</div><div style="text-align: justify;">e a boca na minha boca</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">conto pelos teus cabelos os anos em que fui criança</div><div style="text-align: justify;">marco-os com alfinetes de ouro numa almofada branca</div><div style="text-align: justify;">um ano dois anos um século</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">agora um alfinete na garganta deste pássaro</div><div style="text-align: justify;">tão próximo e tão vivo</div><div style="text-align: justify;">outro alfinete o último o maior</div><div style="text-align: justify;">no meu próprio plexo</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">MEU AMOR</div><div style="text-align: justify;">conto pelos teus cabelos os dias e as noites....</div><div style="text-align: justify;">e a distância que vai da terra à minha infância</div><div style="text-align: justify;">e nenhum avião ainda percorreu</div><div style="text-align: justify;">conto as cidades e os povos os vivos e os mortos</div><div style="text-align: justify;">e ainda ficam cabelos por contar</div><div style="text-align: justify;">anos e anos ficarão por contar</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;">DEFENDE-ME ATÉ QUE EU CONTE</div><div style="text-align: justify;">O TEU ÚLTIMO CABELO</div><div style="text-align: justify;"><br />
</div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: x-small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial,sans-serif;"><em style="font-style: normal; font-weight: bold;">António José Forte</em></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: x-small;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: arial,sans-serif;"><em style="font-style: normal; font-weight: bold;">in <i>A Perspectiva da Morte: 20 (-2) Poetas Portugueses do Século XX</i>, selec e pref. de Manuel de Freitas, Assírio e Alvim </em></span></span></div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-84926167797731652042010-09-18T13:18:00.001-07:002010-09-18T13:18:37.355-07:00Retrato<strong></strong> <br />
<em>Eu não tinha este rosto de hoje,<br />
<br />
assim calmo, assim triste, assim magro,<br />
<br />
nem estes olhos tão vazios,<br />
<br />
nem o lábio amargo.<br />
<br />
Eu não tinha estas mãos sem força,<br />
<br />
Tão paradas e frias e mortas;<br />
<br />
eu não tinha este coração <br />
<br />
que nem se mostra.<br />
<br />
Eu não dei por esta mudança,<br />
<br />
Tão simples tão certa tão fácil:<br />
<br />
- Em que espelho ficou perdida<br />
<br />
a minha face?</em><br />
<em>Cecília Meireles </em>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-81018604481414761152010-09-18T13:17:00.000-07:002010-09-18T13:21:31.000-07:00<div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: #ff0033; font-size: x-small;"> Versão de EUGÉNIO DE ANDRADE (1923 - 2005 )</span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: #ff0033; font-size: x-small;"><br />
</span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">Semelhante aos deuses me parece</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">o homem que diante de ti se senta</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">e, tão doce, a tua voz escuta,</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;"><br />
</span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">ou amoroso riso - que tanto agita</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">meu coração de súbito, pois basta ver-te</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">para que nem atine com o que diga,</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;"><br />
</span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">ou a língua se me torne inerte.</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">Um subtil fogo me arrepia a pele,</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">deixam de ver meus olhos, zunem meus ouvidos,</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;"><br />
</span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">o suor inunda-me o corpo de frio,</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><div align="left"><div style="line-height: 100%; margin-bottom: 0pt; margin-left: 15px; margin-top: 0pt; word-spacing: 0pt;"><span style="color: maroon; font-size: x-small;">e tremendo toda, mais verde que as ervas,</span><span style="color: maroon;"> </span> </div></div><span style="color: maroon; font-size: x-small;">julgo que a morte não pode já tardar.</span>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4407643653089076561.post-20337964356783730672010-09-17T10:17:00.000-07:002010-09-18T13:22:00.637-07:00<ul>Põe-me as mãos nos ombros... </ul><ul>Beija-me na fronte... </ul><ul>Minha vida é escombros, </ul><ul>A minha alma insonte. </ul><ul>Eu não sei por quê, </ul><ul>Meu desde onde venho, </ul><ul>Sou o ser que vê,</ul><ul>E vê tudo estranho. </ul><ul>Põe a tua mão </ul><ul>Sobre o meu cabelo... </ul><ul>Tudo é ilusão. </ul><ul>Sonhar é sabê-lo. <dd><i>Fernando Pessoa</i> </dd></ul>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/05720886493913995649noreply@blogger.com0