*AS BRASAS, de Sándor Márai
* Tradução de Rosa Freira D´Águiar – Companhia das Letras, 172 p.
César Garcia
Romance denso sobre a amizade e a
traição. Dois homens, ambos militares, amigos desde a infância,
encontram-se para tirar dúvidas depois de quarenta e um anos de um
afastamento aparentemente inexplicável. A conversa dura toda uma noite e
ocupa cem páginas das cento e setenta e duas do livro. O general,
Henrik, dono do castelo em que se encontram, fala quase o tempo todo e
apenas pede que o amigo, Konrad, responda às suas perguntas. São duas,
as principais: se o amigo tinha tido um romance secreto com Krisztina,
mulher do general e se, na última caçada, ele apontara a arma para a sua
cabeça a fim de matá-lo, e não para o cervo que se encontrava na mesma
linha. O autor, de nacionalidade húngara, nasceu em 1900 e morreu em
1989. No Brasil, a Companhia das Letras publicou também O Legado de Ezter, Veredicto em Canudos, Divórcio em Buda, Rebeldes, Confissão de um Burguês, De verdade e Libertação.
Veredicto em Canudos, a ação se passa no sertão da Bahia e foi escrita em 1960, depois de ler Os Sertões de Euclides da Cunha.
Sándor Márai publicou mais de 60 livros.
suicida-se Morava em San Diego, nos EUA.
EXCERTO DE AS VELAS ARDEM ATÉ O FIM DE SÁNDOR MARAI
ENVELHECER
Uma
pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e
pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o
significado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente.
Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um
corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça
o que fizer… Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo,
não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o
coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente,
começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que
seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações,
busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de
prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que
se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e
esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz,
conheces tu com exatidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários
habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de
inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o
horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado,
já não esperas nada, nem o bem, nem o mal… e isso é precisamente a
velhice.
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